sexta-feira, 24 de junho de 2016

O direito de ir e vir e a imobilidade humana

SOB O VÉU DA PINTURA PADRONIZADA, A EMPRESA BANGU FECHOU AS PORTAS, PEGANDO O POVO DA ZONA NORTE CARIOCA DE SURPRESA.

No processo de ir e vir por ônibus, as pessoas parecem indiferentes à gravidade da pintura padronizada, que serve de "lona" para o triste espetáculo da corrupção do sistema de ônibus. É assustadora a passividade da população, que poderia ter derrubado há tempos essa arbitrariedade do prefeito Eduardo Paes que nem de longe resolve a questão da mobilidade urbana.

As pessoas pensam que a pintura padronizada não tem a ver, o que é importa é o serviço, se esquecendo da confusão que diferentes empresas de ônibus que apresentam o mesmo visual pode causar. E você vai, resignado, pegar um ônibus cuja empresa você mal tem ideia de qual é, sem a certeza de voltar vivo. Na melhor das hipóteses, você tem grande probabilidade de sair ferido num acidente de ônibus e perder umas horas no leito de um hospital mais próximo.

Sob o véu da pintura padronizada, ocorreram muitos absurdos. Nível de catástrofe, mesmo, para infelicidade do carioca que se acostumou a aceitar retrocessos vertiginosos - até "rádio rock" ruim os cariocas aceitam confortavelmente, além de uma imprensa que passou a mentir mais do que informar, como a Globo e a revista Veja - e, diante dessa tragicomédia da mobilidade urbana, sucumbiu à tetraplegia mental da imobilidade social (leia-se conformismo).

Entre vários absurdos, houve empresa com documentação irregular circulando livremente. Claro, o ônibus exibe o logotipo da prefeitura e ninguém estranha, vai que um despenca de um viaduto e os passageiros morrem. Tem também empresa trocando de nome e ninguém sabe. Ah, a empresa não se chama mais City Rio? Agora é Via Rio ou Vigário Geral? Voltou a ser City Rio? Ou agora é VG? Ou vai virar Conto do Vigário?

A pintura padronizada pode até ser uma "embalagem", mas é um fator que, com toda certeza, influi na queda de qualidade do sistema de ônibus do Rio de Janeiro. Todo mundo pensa que a identidade visual de cada empresa é só estética e propaganda, mas a pintura própria e personalizada que cada empresa tinha estabelecia relações de serviço entre empresa e fregueses.

A pintura própria também representava um compromisso social de cada empresa, garantia competitividade e transparência no serviço. Isso poderia não transformar o sistema de ônibus num mar de rosas, mas facilitava o passageiro comum de, ao diferenciar uma empresa de outra pelas cores e pelo desenho, teria mais chances de identificar a empresa que presta mau serviço.

Já quando há pintura padronizada e diferentes empresas de ônibus exibem um mesmo visual, além da imagem representar o poder da intervenção estatal - logotipos de prefeitura ou governo estadual, em que a Secretaria de Transportes, em vez de apenas fiscalizar, dá ordens, fazendo exigências mas deixando de ter suas responsabilidades naturais. Muitos até passam a defini-la pejorativamente como "Escrotaria de Transportes", assim como definem pintura padronizada como "podrenização".

A Secretaria de Transportes troca competência com autoritarismo, mas, por trás disso, torna-se eticamente vulnerável à corrupção político-empresarial. Desde que foi decidida "de cima" por Eduardo Paes, em 2010, a pintura padronizada que esconde as empresas de ônibus da população já começou mal quando, diante da rejeição popular (depois convertida em preguiçosa conformação), Paes decidiu tudo pela surdina, em votação às escuras na ALERJ e aprovação sem consulta popular.

Brigas empresariais nos bastidores dos "consórcios", empresa A puxando o tapete de empresa B, empresa sonegando despesas e entregando a outra mais fraca que nada deve, empresas fechando por suposta falência e ressuscitando com outro nome, empresas trocando de linha, linha trocando de empresa.

Sem falar que o sistema de ônibus se "partidariza" e hoje, no Rio de Janeiro, a Rio Ônibus virou dona da "máquina" eleitoral, para compensar que as empresas estão proibidas de exibir suas identidades visuais. Isso é o grande risco, e os cariocas felizes da vida sem o risco que sofrem. Mas hoje o Rio está tão decadente que um carioca vai beber cicuta e ainda vai achar uma delícia.

Com esse "véu" da corrupção sobre rodas, empresas acabam deixando de ter a responsabilidade que a identidade visual simboliza e mesmo as empresas que eram consideradas boas decaem severamente o seu serviço. Só a antes eficiente empresa Matias, que atua em bairros como Lins e Engenho de Dentro, apresentou goteiras no interior de veículos novos. A Real, antes também boa, apresenta frota sucateada, assim como a Verdun, Alpha, Tijuca e Braso Lisboa, só para citar as "conceituadas".

Tudo isso é favorecido porque a pintura padronizada só expressa a imagem da Prefeitura do Rio de Janeiro e o abuso de poder de sua Secretaria de Transportes, que em vez de ser um órgão regulador e fiscalizador banca o dublê de administrador de ônibus. É como se um sentinela do Exército se achasse ter a autoridade de um general.

As pessoas parecem esperar que o Jornal Nacional ou o jornal O Dia lhe digam que a pintura padronizada nos ônibus é uma decisão nociva, que confunde os passageiros e favorece a corrupção político-empresarial. É o que se vê diante dessa imobilidade urbana da sociedade que poderia, com uma simples manifestação, cancelar essa medida absurda que Eduardo Paes fez aprovar numa votação às escuras.

Trata-se do direito de ir e vir da população. A pintura padronizada puxou até outras arbitrariedades piores, como a dupla função do motorista-cobrador, que causou demissão em massa de muitos cobradores pais de família, e do esquartejamento de itinerários de ônibus diante dessa farsa de "linhas alimentadoras", "troncais" para forçar o uso de um pouco confiável Bilhete Único para mascarar a perda de tempo que se dá com baldeações em ônibus superlotados.

Quando as pessoas vão protestar contra pintura padronizada, dupla função e itinerários esquartejados? Quando O Dia publicar artigos diários sobre o assunto? Quando William Bonner disser que isso é ruim para a população? Ou será preciso um Luciano Huck, um Fausto Silva ou uma Ivete Sangalo para dizerem "todo santo dia" que a pintura padronizada nos ônibus estimula a corrupção?

Enquanto isso, as pessoas continuarão, resignadas e conformadas, pegando ônibus sucateados, sem saber que empresas operam tais linhas - um dia é uma, noutro pode ser outra, vale tudo nesse caótico sistema - , mas acreditando que irão sair ilesas achando que o problema maior não é com elas.

Só que é assim que muitas pessoas, quando não perdem a vida, perdem umas boas horas do dia num leito de hospital, tendo que adiar compromissos e perder até mesmo várias oportunidades da vida, que não acontecem o tempo todo.

E, para quem acha que não vai sofrer com os acidentes dos ônibus padronizados, essas ocorrências podem acontecer com qualquer um, até para aquele rapagão animado que, sofrendo um desastre desse tipo, terá que perder o encontro com a "galera" marcado para aquele dia. As pessoas perdem e pagam caro pelo conformismo.

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