segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

As famílias e a incompreensão das dificuldades dos filhos



Os adultos vivem a ilusão da autossuficiência. Acreditam que a simples acumulação cronológica de experiências os faz mais seguros que as novas gerações. Acreditam que os valores que aprenderam há mais de 50 ou 70 anos estão resistem às transformações dos tempos e continuam valendo.

O "mundo adulto" sofre, no Brasil contemporâneo, um grande colapso comparável ao que os EUA viveram nos anos 1950 e 1960. Os contextos são muitíssimo diferentes, mas a crise que faz as pessoas com mais de 50 anos serem desacreditadas e menos influentes, é intensa e até maior que a do país do hemisfério Norte.

A vida humana tornou-se tão complexa que é difícil, por exemplo, para pais de família serem seguramente mais realistas que os filhos. Pais sonham muito e acham que os filhos são "heróis" que não se fragilizam emocionalmente nem sentem dificuldades para certos esforços.

Daí as cobranças que um pai de família faz do filho. Ele não enxerga que o filho tem desejos, ambições, vocações e, por isso, é seletivo nas oportunidades de trabalho. Só porque o mundo vive crise de valores e obter um emprego é difícil, o pai cobra do filho esforço descomunal para qualquer coisa, de preferência se sacrificando além dos limites para obter tão pouca coisa.

A vida é que anda errada, e as pessoas que hoje estão nas altas posições sociais e são bastante influentes demonstram, sim, mediocridade e incompetência. Pessoas que lideram um mercado medíocre, influem numa cultura medíocre e, por isso, têm medo de contratar e abrir o caminho, de certa forma, para pessoas de personalidade mais qualificada.

Os pais de família não querem saber. E, se autoproclamando "realistas", só porque veem telejornais, leem jornais impressos e pagam impostos, acreditam que podem ter a visão mais objetiva da realidade, ignorando que até para pedir para os filhos vencerem na vida se fantasia e se romantiza demais.

O papo de "meter a cara" a qualquer preço, pouco importando vocações, conflitos, limitações, crises e desilusões, adotando um sacrifício pessoal muito maior do que a capacidade, diante de dificuldades e pressões praticamente insuperáveis, é algo terrível. Se alguém precisa sacrificar além de suas capacidades para obter pouca coisa, só para "sobreviver", então não é esse alguém que está errado, é o mundo.

A Teologia do Sofrimento, que influencia duas das principais religiões brasileiras, o Catolicismo e o "movimento espírita", exige de quem não está no alto da pirâmide social um sacrifício acima dos limites para "vencer na vida", em que se exige demais para pouca coisa.

Enquanto pessoas que estão no lado de baixo têm que adiar projetos de vida ou simplesmente abrir mão de seu potencial para adotarem uma vida e uma ocupação "qualquer nota", os medíocres e incompetentes ocupam altas posições do status quo se especializando por aquilo que não entendem mas ao qual estabelecem vínculos permanentes e definitivos.

Os filhos se estressam, se frustram, se deprimem, e não são todos que encaram tudo com jogo de cintura e aceitam ceder até de suas mais caras habilidades para entrar no mercado de trabalho ou na vida social compactuando ou se servindo à mediocridade alheia.

É bastante simplório culpar quem está embaixo de não poder suportar as dificuldades. Quem está em cima, e que conseguiu privilégios sem mérito, quase nunca é considerado culpado ou, se é, há um consentimento para isso.

E as famílias sempre recomendam os filhos para serem ao mesmo tempo resignados e espertos nesse "mundo cão", em que o humanismo é apenas uma utopia inalcançável e as injustiças um "mal necessário" do qual se reclama muito mas nunca se esforça em combater.

E assim, ser humano num "mundo cão" se torna um desperdício das qualidades humanas. As famílias, sem compreender as dificuldades dos filhos, acabam aconselhando a eles apenas sobreviverem na "selva da vida", bastando ser apenas um pouco "mais animal" para aceitar, domesticamente, as imposições da vida, convivendo num contexto de estupidez, brutalidade e incompetência sem poder questionar nem ajudar a combater. Tudo fica na mesma.

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