sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Médiuns e anti-médiuns


Quem leu os livros e artigos de Allan Kardec e compara com o que aconteceu no "espiritismo" brasileiro, vai notar a diferença gritante entre os médiuns do exterior e o que se conhece como médium no Brasil.

Há muito lançamos a expressão "anti-médium" que parece ofensiva para muitos "espíritas". Mas, com toda a certeza, não é. E quem entende Comunicação tem a segurança de definir os astros da dita mediunidade espírita como anti-médiuns, por razões não muito difíceis de compreender mas que são bastante certeiras.

Os médiuns que estavam a serviço de Kardec, difundindo as mensagens que foram publicadas em livros como O Livro dos Espíritos, O Evangelho Segundo o Espiritismo e O Céu e o Inferno, eram pessoas tão discretas que poucos as conhecem de fato.

Os médiuns referentes no parágrafo acima se comportavam como meros servidores. Agiam como se fossem funcionários de repartições, dos quais o nome pouco importa e mesmo escapa de nossa memória, mas o serviço é que se torna o mais importante. E mesmo mulheres aristocráticas que se serviam à mediunidade quase não obtiveram fama com esta atividade.

NO BRASIL, O ESTRELATO E O ESTRELISMO

Já no Brasil, o grande problema é que os chamados médiuns nem de longe são médiuns, no sentido semântico da palavra, que significa "intermediário". O processo comunicativo chega a ser prejudicado, quando médiuns viram dublês de pensadores e deixam de serem os intermediários para serem as atrações principais, os verdadeiros astros, do espetáculo "espírita".

No processo comunicativo, existe uma mensagem a ser veiculada. Quem veicula a mensagem é o emissor, e quem a recebe é o receptor. O meio feito para a transmissão da mensagem é o canal, que pode ser um aparelho, um objeto ou mesmo uma pessoa.

O médium deveria ser o canal. A mensagem deveria ser a manifestação própria de um espírito falecido, que seria o emissor, a ser divulgada para as pessoas vivas, os receptores. Era isso que ocorreu nos tempos de Kardec, mas que deixou de ocorrer no Brasil, onde ocorreu um processo surreal e confuso.

Aqui, o que acontece é algo completamente diferente. O sentido da mensagem espiritual passa a ser completamente outro. O médium passa a ser o emissor da mensagem, geralmente uma pregação religiosa e um faz-de-conta que é recado do além-túmulo, e o espírito falecido é que se transforma num canal, num chamariz para a projeção do médium.

Somente o público receptor permanece o mesmo, mas a mensagem espiritual torna-se bastante prejudicada. Nem mesmo os supostos recados da vida do além se tornam importantes, eles são deixados em segundo plano devido aos apelos, monocórdicos, repetitivos e entediantes (por mais piegas e "comoventes" que pareçam) de cunho religioso, como a "paz e a fraternidade".

O espírito deixa de ser o emissor para ser o canal. Nem mesmo a personalidade do espírito se é considerada, ocorre uma coisa qualquer nota e muitos fingem que é mesmo a personalidade do falecido. Até as pregações religiosas da mensagem - tipo "sofri e encontrei a luz" e "vamos nos unir no amor e na caridade" - têm mais importância do que a situação em que o falecido se encontraria no "além".

E o médium? Se ele torna-se o emissor da mensagem - deixemos de fingir, é isso mesmo que ocorre no "espiritismo" brasileiro - , então ele deixa de ser médium, não é mais o intermediário, passa ser a atração principal. Deixemos de ser politicamente corretos: muitos "espíritas" vão a eventos impulsionados pela fama do "médium".

E quem imagina que os médiuns são dotados de humildade sincera, é bom desistir dessa ideia. Os ditos "médiuns" brasileiros são tomados do mais puro estrelismo. Disfarçam tudo com palavras de amor, mas numa pesquisa no Google dá para perceber o semblante presunçoso e arrogante que envolve até mesmo gente como Divaldo Franco e Chico Xavier.

Em algumas fotos, eles fazem pose de falsa modéstia. Forjam um semblante falsamente sereno mas que se demonstra bastante presunçoso, como se fosse uma serenidade ao mesmo tempo forçada e jocosa, como se no interior de suas almas eles curtissem a vaidade extrema do sucesso, que conhecemos como estrelismo.

Da fama, gera-se o estrelato e, do estrelato, há o risco enorme de sucumbir ao estrelismo. E isso é que mancha muitas reputações de médiuns grandiloquentes, médiuns-estrelas e dublês de pensadores filosóficos, sempre com uma frase bonitinha pronta para amansar e seduzir as pessoas.

Criam vaidade a partir dessas "frases de amor", porque sabem que a água com açúcar irá deliciar paladares de gente amargurada, amansando pessoas que já estão deprimidas com o sofrimento da vida. Não é uma verdadeira consolação, mas um estímulo ao conformismo e a um certo masoquismo que é regra e praxe nos meios "espíritas", nessa religião que glamouriza o sofrimento e a injustiça.

Por isso, os médiuns no Brasil se tornam anti-médiuns. Eventualmente se alimentam da fama de famosos falecidos, para vender livros e se enriquecer por fora, enquanto declaram que "tudo que faturam" é destinado à "caridade". Criam a falsa modéstia e os clichês de humildade para disfarçar o orgulho, a ganância e a cupidez.

Muitos desses anti-médiuns são de classe média e origem humilde (vide Chico Xavier, neste caso), o que se torna vergonhoso até para muitas senhoras aristocráticas que, na Europa do século XIX, tornaram-se razoavelmente conhecidas pela sua mediunidade.

Mesmo originárias de ricas famílias, elas eram de um caráter discreto exemplar e de uma humildade que os "humildes médiuns" brasileiros não possuem, apesar de todo o discurso dizer o contrário. Porque, pelo menos no exterior, não se mascaram as coisas como se mascara no Brasil.

Lá, os médiuns são realmente intermediários. Aqui os médiuns são anti-médiuns, porque querem e acabam mesmo comandando a "festa" dos chamados "trabalhos espíritas". Por isso os anti-médiuns deixaram de ser os canais das mensagens espirituais, chegando eles mesmos a falar no lugar dos mortos e impedir que estes realmente se manifestem. Sem espaço, os mortos acabam se afastando de nós.

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