sábado, 29 de agosto de 2015

Por que os trabalhos questionadores são desencorajados no Brasil?


Tinha que ser Chico Xavier considerado a personalidade "mais importante" do país. Seu ideal de castração da alma, de calar-se ante a dor, ao sofrimento, sem queixumes, sem questionamentos e sem sequer gemidos, acaba se encaixando na perspectiva conservadora dominante no Brasil.

Como se as feridas trazidas pela ditadura militar tivessem sido insuficientes para despertar o país, até mesmo os paradigmas de rebeldia e ativismo que predominam em nosso país nada têm de rebeldes e ativistas. E quem tem mais de dois neurônios acaba sendo discriminado de uma forma ou de outra.

Pensar e questionar viraram pecados no Brasil. Não podemos sequer contestar a mediocridade reinante, porque chega outra pessoa e diz para não criticar, porque o medíocre "está melhorando". É evidente que isso não passa de lorota, o medíocre continua medíocre, ele só está recorrendo a artifícios para justificar seu sucesso, visibilidade e prestígio por nada.

Não há encorajamento em trabalhos questionadores, e dois exemplos se observam nisso, como nos cursos de pós-graduação das universidades e na produção cinematográfica, em que a censura do poder econômico se torna mais perigosa e cruel do que sugere a aparente falta de censura existente em suas atividades.

Se hoje um roqueiro não pode ser rebelde, porque sua rebeldia genuína - que não se limita a gestos, poses nem palavras - é considerada "escandalosa" e "incômoda", imagine fora desses meios de suposta rebeldia. Contestar, em pleno século XXI com um Brasil prometendo ser potência mundial e "coração do mundo", tornou-se um pecado e um ato antissocial.

Nos cursos de pós-graduação, observa-se que há uma barreira para pessoas que realmente têm um projeto questionador para pesquisa. Alguns aspectos diversos envolvem esta restrição. No Brasil, pessoas do nível de Noam Chomsky, Umberto Eco e Eric Hobsbawm simplesmente não chegariam sequer às portas dos cursos de mestrado.

Esses aspectos variam entre as vaidades pessoais dos professores orientadores e um certo temor de que as verbas de pesquisa seriam comprometidas. A realidade brasileira, diferente do que ocorre na Europa, não permite que as verbas públicas sejam destinadas a trabalhos de risco, mesmo que seja para derrubar mitos e desqualificar totens.

A maioria dos projetos aprovados de mestrado e graduação são inofensivos ou correspondem a apologias ao "estabelecido", neste caso usando o pretexto de "provocadores". O debate "desce" ao público, "desce até o chão", como se fosse "debate" aceitar a degradação sócio-cultural e "problemática" o apoio acadêmico que se deve dar a ela.

Existem filtros ideológicos até mesmo na grande imprensa, aqui bem mais grotescos do que nos EUA. Lá existe imprensa reacionária, mas ela é bem mais profissional do que a que se vê na revista Veja, na rádio Jovem Pan e até na Rede Globo e O Estado de São Paulo, em que o reacionarismo de comentaristas da notícia chega a ser amadoresco e panfletário.

O "funk carioca", um dos símbolos da degradação sócio-cultural, durante muitos anos sofreu uma blindagem extrema de intelectuais, famosos e acadêmicos. Muito se fez para defender o gênero como "grande coisa", quando ele na verdade esconde um processo que inclui retrocessos morais, degradação cultural das classes pobres e transformação destas em caricaturas para favorecer o consumismo.

O ritmo foi defendido sob o pretexto do "combate ao preconceito", enquanto por trás desse discurso formas preconceituosas de exploração da imagem do povo pobre eram feitas, ocultando valores de apologia ao machismo, à violência, à ignorância, à violência e ao consumismo eram feitas sob a desculpa da "provocatividade".

Outro aspecto negativo era a deterioração da atividade artística e das relações de trabalho dissimuladas pela indústria do "funk". MCs (os "vocalistas" do gênero) não podiam tocar instrumentos nem fazer melodias. Além disso, há casos de MCs que não compõem repertório próprio, recebendo material já feito por seus produtores e o MC leva sozinho o crédito da autoria para receber, em direitos autorais, o que deixa de receber de encargos e outras garantias de remuneração.

Contestar tudo isso em reportagens investigativas e trabalhos acadêmicos não é permitido, e se informações desse tipo existem na Internet, é por conta dos blogues e fóruns das mídias sociais que constantemente publicam questionamentos aprofundados diversos.

Os questionamentos arriscam a estabilidade de valores e práticas estabelecidos. Põem em xeque privilégios de detentores do poder diversos, do econômico ao acadêmico. Impedem a manutenção sutil de desigualdades através de uma paz forçada e uma prosperidade falsa que, fundamentadas na mediocrização, obrigam os prejudicados a aceitarem e viverem "felizes" com seus prejuízos. Os retrocessos são assim "socializados" e consolidados pelo "sistema".

PROIBIDO FAZER FILME QUESTIONANDO "ESPIRITISMO"

No cinema, a castração chega a ser pior do que a observada na milionária e nem sempre liberal indústria cinematográfica dos EUA. Com toda a obsessão por lucro e com o apetite capaz de ceifar excelentes seriados de TV só pela baixa audiência, o capitalismo cinematográfico das grandes companhias (Columbia, Warner, Universal, MGM etc), há uma relativa liberdade de temas.

É a partir desses filmes que foram denunciadas as fraudes dos reality shows que nada têm de reais. Ou dos sofrimentos de jovens esquisitos denominados nerds. Ou então os bastidores da corrupção política e do sensacionalismo jornalístico. Mesmo dentro dos limites, há uma certa liberdade para questionar o "estabelecido", mesmo num contexto de busca voraz por lucro.

No Brasil, em que tudo parece ser, em tese, "mais liberal" que os EUA e que, até pouco tempo atrás, era tabu dizer que o cinema brasileiro ficou comercial. Mesmo as comédias tolas da Conspiração Filmes usavam o legado do Cinema Novo como desculpa. Como se hoje se fizesse um Glauber Rocha com comédias insossas e inócuas.

Não se pode fazer documentários questionando o "funk". O lobby de cineastas respaldados por acadêmicos, intelectuais e famosos acharia "elitista". Da mesma forma, até a deturpação da Doutrina Espírita feita no Brasil também é proibida de questionamento.

O que pode é tomar como legítimo um documentário sobre cartas de Chico Xavier em que a mãe de um falecido, em pose triunfante, exibe uma carta que só aparece a letra e o estilo da mensagem do anti-médium, que "assina" em nome do finado rapaz, que não deixou vestígios pessoais na suposta mensagem.

Mas se criar um documentário questionando tudo isso, pondo em xeque as reputações de Chico Xavier e Divaldo Franco, mesmo quando se toma cálculos consistentes e objetivos que mostram que a Mansão do Caminho, em toda sua trajetória, só ajudou menos que 0,1% da população de Salvador, o trabalho já é barrado antes mesmo da pré-produção.

Questionar de forma objetiva é "anti-objetivo". Confunde-se opinar com difundir teses, de uma forma ou de outra. Dogmas e fantasias vindas não raro do subjetivismo opinativo são vistos como "verdades indiscutíveis". Já questionamentos aprofundados e embasados, com todo o cuidado pela coerência argumentativa, são tidos como "opinativos demais" e "de baixa validade lógica".

No caso do "espiritismo", que tanto defende o questionamento lógico na teoria, desde que ele não seja exercido na prática, isso é sintomático. E por isso mesmo a ideologia da castração de Francisco Cândido Xavier e seu aberrante conservadorismo são vistos como "progressistas" e "ativistas", porque, na verdade, são o contrário dessas duas qualidades.

Mas, infelizmente, a lógica é discriminada no Brasil. Não só por pessoas comuns, mas sobretudo por aqueles que mexem com a atividade do raciocínio questionador, que vetam justamente esse processo, apesar dele ser a sua essência. Pensar virou um processo considerado aberrante, mesmo por aqueles que dizem defender essa prática.

E no "espiritismo", o que se observa é a credulidade entrando no lugar da lógica. Ninguém conhece, ninguém pergunta, ninguém debate, ninguém questiona. Só acredita, crê e aceita sem questionar. E depois os "espíritas" se dizem adeptos rigorosos e da mais absoluta fidelidade ao método científico de Allan Kardec. Assim fica fácil dizer uma coisa e fazer outra.

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