sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A imagem anti-rebelde do roqueiro carneirinho


Contrariando a imagem histórica do rebelde associada ao fã ou artista de rock, ser roqueiro no Brasil virou sinônimo de "ser mais um no rebanho", rebaixado a um mero consumidor de sons pesados e um mero papagaio a exibir gestos e emitir palavras estereotipados.

Aliás, papagaio, não. Carneirinho, melhor dizer. Ovelhinha branca, a seguir o rebanho e obedecer as decisões do peão que guia as ovelhinhas. É preocupante que ser roqueiro no Brasil é ser submisso, convencional, conformado com as coisas. E sobretudo em cidades como o Rio de Janeiro, cada vez mergulhadas no mais profundo atraso.

Ás vésperas do Rock In Rio, a ocorrer no próximo mês, vê-se o público roqueiro mais próximo de uma plateia de Luciano Huck, Fausto Silva e Xuxa Meneghel do que de uma multidão dotada de uma boa visão de mundo e um forte senso de ativismo e insubordinação.

A impressão que se tem é que o roqueiro brasileiro está muito mais próximo de Chico Xavier do que de Frank Zappa. E vai que eles gostam mesmo, alternando suas roqueirices clichês com frases do anti-médium mineiro, mostrando o quanto até supostos rebeldes são convencionais.

E o pior é que o comportamento cordeirinho, mais próximo de um devoto religioso do que de um rebelde, tornou-se a regra do público de rock no Brasil. Basta ter um humor irônico e ouvir sons mais pesados, cumprindo assim o simulacro, e de resto se comportar como a pessoa mais submissa e convencional do planeta.

O mercado brasileiro, famoso pela sua transmissão de valores retrógrados - a publicidade veiculada nas TVs é conhecida por suas visões constantemente preconceituosas e estereotipadas da sociedade - , trabalha a imagem distorcida do público roqueiro, que deixa de ser um rebelde a analisar o mundo de maneira crítica para ser um falso rebelde obediente às convenções sociais.

O pior é que essa imagem submissa, subserviente, não se limita apenas a roqueiros fake, que geralmente ouvem apenas tendências mais deturpadas do rock - como poser metal e emo - , mas mesmo roqueiros autênticos que parecem "cansados de guerra".

Uma amostra disso são as exposições dedicadas à memória da antiga Rádio Fluminense FM, de Niterói, última emissora de rádio FM dotada de personalidade e criatividade. As pessoas vão ver as fotos e a história da rádio conformadas com sua situação de passado que não volta mais.

Hoje, rádios autenticamente de rock se limitam à Internet. No rádio FM, tem que se contentar com a deturpação grosseira feita pela Rádio Cidade, no Rio de Janeiro, já com uma afiliada irradiando em Cabo Frio, e pela 89 FM, de São Paulo, que por sua vez trata o público roqueiro como se fosse telespectador do Pânico da Pan ou tiete do Gugu Liberato.

São emissoras de rádio cujos locutores são retirados de excedentes não aproveitados em rádios pop convencionais e nada roqueiras. São pessoas que usam o microfone para exporem seus preconceitos de maneira discreta, porque não são especializadas em rock, não têm conhecimento de causa e só servem como vitrine publicitária para rádios que só exploram o gênero para atender a interesses de empresas promotoras de eventos.

A Rádio Cidade, com sua linguagem e mentalidade que, hoje, remete aos parâmetros da Rádio Disney (já que a linguagem Jovem Pan tornou-se problemática até pela reputação que a emissora adquiriu nos últimos meses, reacionária demais até para os padrões ultraconservadores de nossa mídia), trabalha a imagem do roqueiro que mais parece ter vindo das novelas da Rede Globo.

É uma imagem do jovem que se preocupa em ser um mero vocabulário ambulante de gírias, mais preocupado em explicar seus deslizes e retrocessos do que cobrar satisfações da sociedade que o explora - já que seu nível de questionamento do mundo é superficial e conivente em muitos aspectos - e conformado com o que o mercado lhe impõe como valores, conceitos e músicas de "rock".

Mas esse estereótipo ameaça contaminar o público mais autêntico, que parece dotar de uma "felicidade crônica" e inadequada para um mundo turbulento como o de hoje. As pessoas passam até a usar gírias enjoadas como "rock na veia", "é déiz, véio", "show de bola", "galera" e seu convencionalismo chega a impressionar até as pessoas consideradas "mais caretas".

Não é por acaso que o roqueiro brasileiro que mais se destaca na mídia é o músico Lobão, tão carioca de criação como a Rádio Cidade, tão paulista de moradia recente como a 89 FM. Amigo dos falecidos Júlio Barroso (fundador da Gang 90) e Cazuza, de personalidades bem arrojadas, Lobão recentemente tornou-se abertamente reacionário e amigo e admirador do neo-medieval Olavo de Carvalho.

Para quem chamava o progressivo de Patrick Moraz, o ex-músico do Yes que contratou o Vímana (antiga banda de Lobão, Lulu Santos e Ritchie nos anos 70) para acompanhá-lo, de retrógrado, Lobão virou a casaca ao se tornar seguidor de gente ainda mais retrógrada.

Hoje o roqueiro virou pessoa tão submissa que prefere ler horóscopos a ter que reivindicar qualquer coisa. Só adere a passeatas quando elas são modismo, quando a mobilização lembra mais um desfile de rebanhos do que uma luta por causas nobres. Estas só são defendidas quando, de tão banalizadas, não prejudicam mais o "sistema".

É preocupante isso. Um roqueiro brasileiro que se encaixa nas campanhas publicitárias idiotizantes, até mesmo nos comerciais de McDonalds - rede de lanchonetes que se autoproclama "de restaurantes" acusada de crueldades na exploração de mão-de-obra - , conformado com o "sistema" e apenas fingindo ser rebelde e ativista apenas para agradar as convenções sociais.

Num país em que se deturpa tudo, do feminismo à Doutrina Espírita, transformar o fã de rock num carneirinho feliz com seu rebanho a seguir as ordens do peão, para torrar dinheiro em festivais de rock e alimentar um mercado de faz-de-conta que toma conta do gênero.

E assim os roqueiros irão aos festivais de rock se alimentando felizes e conformados com lanches caríssimos de péssima qualidade feitos por pobres coitados que, das redes de lanchonetes, são tratados como escravos, recebendo pouco e sem a devida proteção trabalhista para enfrentar fogões e fornos calorentos e perigosos.

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