sexta-feira, 14 de agosto de 2015

A polêmica dos novos blogues anti-espiritólicos


Blogues como este estão causando polêmicas, como todo fenômeno novo que causa controvérsias num país cheio de retrocessos como o Brasil. E isso se torna um problema sério, que compromete gravemente o desenvolvimento social do país.

Muitas pessoas reagem contra tantas questões que lançamos. Alguns argumentos parecem pertinentes, como o fato de Allan Kardec não confrontar radicalmente a questão da religião, a ponto dele mesmo admitir um "espiritismo ateu". Mas outros soam mais do que meros artifícios para "puxar o tapete" do debate geral, tentativas desesperadas de salvar o "estabelecido".

Paciência. Um país que deixa que o Poder Legislativo federal seja em parte comandado por um obscurantista como o deputado Eduardo Cunha, e que até pouco tempo atrás internautas combinavam para, nas redes sociais, humilharem gratuitamente qualquer um que pense diferente da "galera", as pessoas ainda se sentem inseguras com a mudança dos tempos.

É verdade que existem movimentos que querem recuperar as bases de Allan Kardec mantendo Chico Xavier e Divaldo Franco no pedestal. E começa a surgir uma sub-tendência que quer que, pelo menos, Divaldo Franco seja reconhecido como o "maior filantropo do Brasil", isso com sua Mansão do Caminho não conseguindo beneficiar mais do que 0,08% da população de Salvador.

As pessoas são bombardeadas por valores midiáticos e decisões de cunho político ou mercadológico que soam como "decisões superiores". O Brasil, em 51 anos, passou por retrocessos profundos, mas impostos aos poucos, e as pessoas passaram a se acostumar com isso.

Não é fácil contestar esses retrocessos. Eles surgem sempre apoiados por desculpas bem argumentadas que podem variar da "defesa da democracia" à "mobilidade urbana", passando pela "expressão das periferias", "combate à corrupção" ou "liberdade do corpo". Ou no caso do "espiritismo" brasileiro, da questão da "bondade" e da "caridade".

Muitos dos retrocessos são decididos por engenhosas iniciativas políticas, pareceres técnicos, argumentos persuasivos e usam como pretextos até tradições culturais ou hábitos e crenças defendidos pela população. São decisões que não beneficiam realmente a população, embora sejam agradáveis a curto prazo, e contestá-las é uma tarefa muito difícil.

É bom lembrar que, em 1964, o Brasil passava por muitos progressos e perspectivas sociais que, mesmo voltadas para a justiça social e o benefício da maioria da população, foram duramente combatidos por movimentos golpistas que instalaram a ditadura militar que impôs uma série de retrocessos, que fizeram o país declinar em dimensões surreais, embora vistas hoje como "normais" e "naturais".

Mas isso é histórico. Se no século XVIII a Europa via crescerem movimentos humanistas que condenavam a opressão humana, no século XIX foi muito difícil combater a escravidão, porque mesmo muitos movimentos "humanistas" brasileiros defendiam a exploração do trabalho escravo com os mais insistentes argumentos, que na época eram tidos como "convincentes" e "objetivos".

Os debates em torno da Doutrina Espírita no Brasil ainda são muito delicados. Quase nunca se discute a questão da mediunidade, porque há a pretensão de que as práticas são "autênticas", mesmo quando há o panfletarismo religioso e as mensagens têm o mesmo estilo pessoal do suposto médium.

Para muitos, o debate espírita só consegue encontrar bom termo quando se questionam apenas os deslizes mais evidentes, quando uma tradução tendenciosa da FEB para os livros de Allan Kardec apontam adulterações semânticas, como no caso de Guillón Ribeiro ter substituído a expressão "sua doutrina", referente a Jesus, pela pomposa "doutrina do Salvador", em O Livro dos Espíritos.

Mas as pessoas ainda se incomodam quando, por exemplo, a autenticidade da autoria espiritual de Humberto de Campos é contestada. Até quem condena o chiquismo joga para o balaio desses mistificadores o autor de O Brasil Anedótico, cujo estilo original nunca teve a ver sequer em uma vírgula com o que Chico Xavier havia lançado usando o nome do finado escritor.

Em primeiro momento, a insegurança de muitas pessoas faz com que elas reajam às novas abordagens e digam "não é bem assim". É a partir desse argumento que ocorre sempre aquela coisa: "dar um passo para frente e dois para trás".

Afinal, muitos argumentos hoje pertinentes, como a necessidade de melhorar o poder aquisitivo da população ou a defesa da educação pública e gratuita, eram "condenáveis". Pedir melhores salários era "caso de polícia". Fazer atividades espíritas, verdadeiras ou falsas, era motivo para prisão. Índios e negros viveram décadas sem ter cidadania reconhecida.

Hoje ainda há muitos retrocessos. Negros são tratados de forma caricatural pelo "funk carioca" e pelo "pagodão baiano" e até juristas deixam isso passar. Feminicidas conjugais têm mais capacidade de conquistar novas namoradas do que muitos nerds românticos, porque os valores do status quo ainda estimulam isso.

Sempre que surgem os primeiros questionamentos, sempre aparece alguém dizendo que "não é bem assim", e, no caso da Doutrina Espírita, fica muito difícil recuperar as bases originais de Allan Kardec se mesmo seu pensamento científico é visto de maneira igrejista por parte de seus adeptos.

E isso com a tentação de manter Chico Xavier e Divaldo Franco no pedestal. Com kardecianos hesitantes alegando que Chico Xavier errou porque "foi manipulado" e se contradizendo o tempo todo quando dizem que o anti-médium mineiro "nunca foi espírita e sempre foi católico" mas sempre se lembrando de suas frases diante do esforço de recuperar a doutrina de Kardec.

As pessoas reagem também porque, na Internet, há o impulso de muitos incomodados rebaterem abordagens que fogem do seu confortável sistema de crenças compartilhado por ele e seus amigos. Há a insegurança natural de ver as crises atingindo tantas instituições e derrubando totens, e aí muitos reagem despejando comentários "indignados" dos quais podem se arrepender daqui a dez anos.

No Brasil da Era Lula e da Era Dilma, muitos internautas custaram a admitir que o Brasil da Era Collor e da Era FHC está obsoleto. Muitos comentários violentos foram despejados na Internet, muitas campanhas de humilhação eram combinadas nas mídias sociais, em clara demonstração de bullying digital.

Na melhor das hipóteses, muitos internautas usando "discurso objetivo", defendem apenas totens e dogmas que parecem bem-sucedidos hoje. Valores que apenas saem das mentes de um Luciano Huck, de um William Bonner ou de um Fausto Silva são vistos como "universais para a humanidade".

E assim os questionamentos diversos, não só dos novos blogues anti-espiritólicos, como de tantos outros espaços de expressão de novos pontos de vista. No Facebook, por exemplo, como no Orkut há cerca de oito, dez anos atrás, o reacionarismo virtual é notório, mas mesmo pessoas com algum questionamento ainda se mostram muito, muito conservadoras.

As pessoas, por exemplo, não conseguem ter coragem para questionar ações filantrópicas, mesmo quando por trás delas existem processos de "lavagem de dinheiro" ou de "lavagens cerebrais", quando a "ajuda ao próximo" esconde um processo de dominação de um movimento ideológico ou religioso sobre seus "beneficiados".

E diante de tantas reações desse nível, que incluem até apelos para que se extingam espaços de contestações mais arrojados, o Brasil não consegue avançar. O país sempre teve como vício o desenvolvimento parcial de progressos feitos com algum pacto com as forças retrógradas. Mesmo o esquerdismo proposto pelo PT, por exemplo, foi feito sob negociação da direita "fisiológica".

Infelizmente, somos pressionados a ceder sempre à vontade dos retrógrados. Eles querem manter sua supremacia e reclamam que não podem ser prejudicados. Eles só aceitam algum progresso quando seu impacto contra eles é minimizado. Em muitos casos, sacrifica-se a essência de algo novo para que não se mexa nos privilégios dos retrógrados.

Por isso o Brasil se torna uma "Belíndia", como descreve o anedotário popular. Meio Bélgica, no seu aparato de desenvolvimento e progresso, mas meio Índia, com sua desorganização social, cultural e urbana. É lamentável que até hoje haja gente querendo pensar assim.

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