quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O critério seletivo das "psicografias"

POR QUE JANGO NÃO APARECEU COMO TESTEMUNHA ESPIRITUAL NA MENSAGEM ATRIBUÍDA A TANCREDO NEVES?

São muito tendenciosos os critérios de supostas psicografias e psicofonias do "movimento espírita". Quando se tratam de supostas pinturas mediúnicas, supõe-se que todos os grandes pintores estão juntos, independente do tempo em que tiveram e muito além da conta do que se pode supor de colegas de gerações próximas, e bem mais do que de colegas de gerações distantes.

No entanto, as supostas psicografias encontram obstáculos e omissões que fazem com que as escolhas de quais espíritos se poderão atribuir cada mensagem se tornem condicionais e previsíveis.

Na mensagem atribuída a Tancredo Neves, lançada pelo suposto médium Robson Pinheiro - que "recebe" o suposto espírito de Ângelo Inácio, mas também usurpou o carisma de Madre Teresa de Calcutá - , nota-se que o atual "queridinho" da literatura "espiritualista" usou como supostas testemunhas o ex-presidente Getúlio Vargas e o jornalista e líder abolicionista José do Patrocínio.

A inclusão de Getúlio Vargas parece verossímil, porque Tancredo Neves havia sido ministro da Justiça de seu governo e assistiu o político nos seus últimos dias de vida. Mas a "presença" de José do Patrocínio, figura do Segundo Império, é discutível. O mais próximo da causa anti-racista que se relacionou com Tancredo foi Afonso Arinos, autor de uma das primeiras leis contra o racismo, em 1951.

O que chama a atenção é por que Robson não incluiu o ex-presidente João Goulart na suposta mensagem de Tancredo. João Goulart viveu um momento semelhante ao que a atual presidenta Dilma Rousseff vive, quando movimentos golpistas não só o ameaçaram tirar do poder como o conseguiram, abrindo caminho para uma ditadura civil e militar de 21 anos.

Se, em tese, Tancredo Neves veio do mundo espiritual para falar do momento difícil em que o país vive, esperaria-se que João Goulart, o ex-presidente que, na sua fase parlamentarista, teve o próprio Tancredo como primeiro-ministro, estivesse presente como testemunha espiritual relacionada à crise política semelhante à de hoje.

E por que João Goulart não apareceu? Tinha que aparecer José do Patrocínio, que aparentemente não tem relação direta com Tancredo? Se fosse reunir espíritos de épocas diferentes, José do Patrocínio teria aparecido ao lado de Milton Santos ou de Francisco Julião (das Ligas Camponesas, antigo equivalente do Movimento dos Sem-Terra), possivelmente ligado às esquerdas populares.

Observando, porém, o que ocorre aqui na Terra, é compreensível que João Goulart "não teria aparecido" na mensagem atribuída a Tancredo Neves, não bastasse a mesma apresentar irregularidades relacionadas ao político mineiro.

João Goulart tem sua imagem pública zelada pelos familiares que conviveram diretamente com ele, a viúva Maria Theresa Goulart e os filhos João Vicente e Denise. Os três conviveram com ele durante seu comando na República e vivenciaram os momentos de sofrimento e dificuldades no exílio.

Isso significa que uma apropriação da imagem de Jango seria bastante arriscada, já que os familiares não querem que o legado do ex-presidente seja profanado. Já lhes foi suficiente vê-lo expulso do poder diante de campanha humilhante da mídia e de uma diversidade de entidades criadas para derrubar seu governo.

É bastante complexa a relação entre herdeiros e o zelo de personagens falecidos. No caso de Renato Russo, o filho Giuliano Manfredini, com toda a afeição que sente pelo pai, não tem a vivência necessária para compreender seu legado artístico, já que era muito criança quando o pai faleceu. A vivência artística, neste caso, torna-se mais verdadeira da parte de seus parceiros da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá.

O controle da imagem é também bastante complexo e a irregular "mediunidade" do "movimento espírita" precisa lidar com isso. O caso Humberto de Campos já causou um violento escândalo na época, causando um processo judicial em 1944. Por sorte, Chico Xavier saiu ileso, embora arranhado com o oportunismo de se apropriar de um escritor então muito popular na época e cujo falecimento prematuro comoveu o país.

Esse controle acaba deixando vazar o tendenciosismo e a farsa das pretensas psicografias. E mostra o quanto os supostos médiuns precisam ser seletivos nas escolhas de personalidades do além-túmulo para serem creditadas em supostas mensagens psicográficas, que na verdade surgem das mentes dos próprios "médiuns" ou, em alguns casos, por espíritos brincalhões que se passam por gente ilustre ou querida.


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