segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O femismo como reação às mudanças da mulher brasileira


Desde 1990, o Brasil viu diversos focos de resistências quanto aos novos tempos e novas demandas. Retrocessos vieram por conta da pressão de elites ligadas ao empresariado, aos meios de comunicação, à indústria do entretenimento, à tecnocracia urbanista, à burocracia acadêmica e outros setores estratégicos, para evitar que avanços tomassem conta do país.

Hoje esses retrocessos, que são extensão de outros puxados pela ditadura militar e que até pouco tempo atrás ameaçaram muitos brasileiros sob vários aspectos, começam a ser questionados, mas mesmo assim eles resistem nos seus últimos apelos.

Vários desses retrocessos parecem contraditórios entre si, mas se apoiam num mesmo contexto de degradação de valores e no aparente maniqueísmo entre uma moral rígida demais e uma licenciosidade plena.

Se por um lado temos Eduardo Cunha e Marco Feliciano, por exemplo, por outro há o "femismo" a resistir contra as transformações vividas pela mulher moderna. Não é erro de grafia, pois escreve-se "femismo" como contraponto ao "feminismo".

O "femismo", confundido como "feminismo" por uma elite intelectual que durante anos prevaleceu querendo defender um modelo caricato de "cultura popular", a pretexto de defender as "expressões e os gostos das periferias", é, na verdade, uma espécie de machismo às avessas, ou mesmo um "machismo de saias", que promove a rivalidade entre homens e mulheres, espécie de "guerra fria".

Enquanto surgem ideias e conceitos novos que façam reafirmar o papel das mulheres modernas nos novos tempos, resiste no Brasil um modelo de "expressão feminina" que, mesmo fracassando, tenta se impor como se fosse um "novo feminismo", ainda que se desenvolvendo em bases claramente machistas.

Exemplos como a funqueira Renata Frisson, a Mulher-Melão, e a ex-estrela da Banheira do Gugu, Solange Gomes, revelam a vocação arrogante do "femismo", com o mesmo apetite truculento que se vê, "no outro lado", através das "pautas-bomba" do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

Sem serem desejadas pelo público masculino, até pelo aspecto abertamente grotesco - tão grotesco que fez Valesca Popozuda adotar uma postura light, mas nem por isso verdadeiramente feminista - , Renata e Solange tentam trabalhar um modelo antiquado e bruto de "sensualidade" que, nos tempos do general Ernesto Geisel, pelo menos ficava restrito às revistas pornô de terceiro escalão.

CONCEPÇÕES MACHISTAS DE SENSUALIDADE

Dotadas de corpos exagerados pelo silicone, pelas cirurgias plásticas e do excesso de celulite, e de um "apelo sexual" que parece forçado, Renata e Solange tentam se impor acima das mudanças vividas pela mulher moderna, tentam ser "feministas" para que as feministas não sejam.

Renata tentou ser jogada para um evento de topless, o chamado "toplezaço", para desviar as atenções das manifestantes que apenas chamaram a atenção para a valorização e respeito ao corpo feminino, e se impôs como "feminista" e chamando a atenção até da mídia estrangeira pelo apelo sensacionalista da funqueira.

Já Solange, de 41 anos, é remanescente de uma geração de "musas populares" que preferiu se retrair para a vida privada ou para um contexto de fama sem muito apelo "sensual". Tenta se impor como "desejável", enquanto apela para o clichê do falso feminismo misândrico usando como pretexto o divórcio que teve com um cantor de "pagode romântico".

As duas tentam se afirmar como "feminismo moderno" usando como desculpa a "polêmica" e a "provocação". Tentam se manter em evidência apenas usando o corpo como forma de expressão, já que as duas não parecem se destacar por algum diferencial de personalidade, já que trabalham uma imagem machista da mulher sensual, reduzida a um "objeto erótico" e "mercadoria sexual".

Elas expressam o mito da "liberdade do corpo", tão hipócrita quanto o da "liberdade de expressão" defendida por jornalistas reacionários como Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi. Pois é uma "liberdade" que aprisiona a alma, é a alma da mulher que se torna escrava do corpo, a ostentação de corpos siliconados se torna um fim em si mesmo, tudo se volta para essa motivação.

"Musas" como elas não podem ser consideradas feministas porque seguem concepções machistas de sensualidade feminina, da mesma forma que representam formas antiquadas de apelo sensual, que se tornam decadentes diante da situação em que o feminismo se evolui no país.

CONTRADIÇÕES DE "ATIVISTAS"

A blindagem de "feministas" que integram movimentos intelectuais que faziam apologia à degradação cultural do país, sob as desculpas da "cultura do mau gosto" e "livre expressão das periferias", tentava proteger as siliconadas e fazer prevalecê-las como "expressões modernas de um feminismo popular".

Essas militantes entravam em contradição. Quanto se tratava da classe média, as "feministas" - muitas delas jornalistas, cientistas sociais e cineastas - reclamavam da imagem caricata que as campanhas publicitárias (como as de detergentes, margarinas e até automóveis) faziam da mulher e a "ditadura da beleza" imposta por periódicos como Cláudia, Marie Claire e Nova Cosmopolitan.

Era essa postura que fez com que surgissem movimentos contra o assédio masculino às mulheres, como o "Chega de Fiu-Fiu", além de críticas contra a supervalorização das maquiagens e das plásticas cirúrgicas e a condenação do uso do Photoshop como "maquiagem virtual" da beleza feminina.

Mas quando se tratava das classes populares, o discurso dessas "ativistas" era outro. Enquanto se condenava a exploração caricatural da imagem da mulher em comerciais de TV e mídia impressa, se estimulava que essa mesma imagem caricatural seja feita através do "funk" e da "liberdade do corpo", sob a desculpa escancarada do "discurso direto", do "direito ao sexo" e da "rebelião (?!) do corpo feminino".

Quando se tratava da "ditadura da beleza", as "ativistas" desconheciam que "no lado das periferias" (ou melhor, os subúrbios "disneyficados" da retórica dos intelectuais pró-bregalização) as mulheres sucumbiam a mais plásticas e outros artifícios do que as "madames" que liam Cláudia, Marie Claire e Nova Cosmopolitan. É só ver casos como Solange, Renata, Valesca, Mulher-Filé e outras.

E quando se trata do assédio masculino, quando o caso é "nas periferias", o discurso das "provocativas ativistas" da intelectualidade associada é também outro. Enquanto condenam o assédio masculino às mulheres de classe média, as "feministas" se esquecem que a "liberdade do corpo" é uma forma de estimular ainda mais a já descontrolada libido de muitos homens pobres e machistas que consomem a erotização mercadológica que Renata, Solange e companhia oferecem "de bandeja" para o grande público.

VISÃO FALSAMENTE PROGRESSISTA

O pior é que essa visão contraditória das "ativistas feministas" que, integrantes da classe média (em muitos casos alta), defendem dois pesos e duas medidas, limitando os apelos sensuais na sua classe e aumentando os das "periferias", foi durante muito tempo definida como "progressista", como se isso fosse uma causa libertária. Mas não é.

Para tornar a coisa mais grave, essa visão "progressista" tenta minimizar o machismo dizendo que as siliconadas "reagem a essa origem machista", como pretenso processo de "libertação". E ainda essa visão defendia a prostituição como uma profissão permanente, contrariando a vontade das prostitutas de não quererem ficar a vida toda dependendo do comércio de seus corpos.

Lá fora, a realidade desafia as fantasias brasileiras, e uma ex-prostituta dos EUA, Brenda Myers-Powell, deu seu dramático depoimento sobre a infeliz realidade do trabalho de prostituição, quando chegou a ser estuprada e baleada em tentativa de homicídio.

Aqui, nem mesmo uma chacina que aconteceu recentemente no Brasil, em que um homem matou seis prostitutas, consegue abalar as convicções dos intelectuais que enxergam a periferia como se fosse uma Disneylândia dos subúrbios e veem na prostituição a "maneira ideal" de afirmação das mulheres pobres. Ainda continua valendo essa visão, de um descarado elitismo, que impede as prostitutas de largar essa função e buscar trabalhos mais dignos e socialmente mais seguros.

O que vale é o recreio individual dos "provocativos" intelectuais de classe média, da libertinagem do sexo e das drogas, do livre-mercado da bregalização cultural, pouco importando se a "vontade popular" que eles tanto exaltam na sua "ideologia do mau gosto" é condicionada pelo empresariado, pelo latifúndio e pelos chefões midiáticos.

Para esses intelectuais, o que vale é a pirataria, o subemprego, o comércio das drogas e da prostituição, o mercado voraz do entretenimento, com o povo reduzido a caricatura de si mesmo e os "artistas" se afirmando pela mediocridade e pelo ridículo. A prostituição seria um lucrativo mercado para o recreio sexual de investidores, turistas e até de acadêmicos divorciados.

Essa elite "pensadora" ainda pregava tudo isso em monografias, documentários e longas reportagens, alegando que todos nós devíamos "perder o preconceito" aceitando tudo isso de graça. E de forma pré-concebida (ou não seria preconceituosa?).

MUDANÇA DOS TEMPOS

Felizmente, a sociedade começa a reagir contra essa intelectualidade festiva e muitos de seus valores "provocativos" começam a ser desqualificados. Que "ruptura de preconceitos" eles defendiam se até essa ruptura era carregada de preconceitos, principalmente pela forma com que se viam as classes populares, da forma mais cruelmente caricata?

Pois, embora não tivesse surgido uma geração de intelectuais que se contrapusesse ao da "intelectualidade festiva" que ainda prevalece nos círculos acadêmicos, lota plateias em palestras e ainda acumula prêmios em mostras diversas, reações pontuais começam a aparecer, rompendo com a preconceituosa visão "sem preconceitos" da geração ainda dominante mas já menos prestigiada que antes.

No caso do feminismo, a influência realista no exterior, como o movimento #HeForShe lançado pela atriz inglesa Emma Watson, das reclamações de atrizes de Hollywood contra o sexismo nos filmes começa a ecoar no Brasil, apesar das resistências das musas siliconadas, conhecidas como "boazudas".

As "boazudas" até tentaram embarcar em causas modernas, por puro oportunismo, seja não só o feminismo, mas a causa LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros), para disfarçar o machismo, mas não deram certo e hoje a mídia, seja de esquerda ou de direita, admite que a era das siliconadas está acabando, para desespero de Renata Frisson e Solange Gomes.

Isso porque começa a reaparecer no Brasil a valorização de mulheres com beleza mais natural, como se observa no caso de Giovanna Antonelli e Paolla Oliveira, por exemplo. E, além disso, a sociedade também tende a valorizar mulheres que se destaquem pela personalidade e não pelo "apelo sensual", e não apresentem a forma exagerada das siliconadas.

Fora desse âmbito estético, também há a reação dos movimentos sociais que veem nas siliconadas uma forma velada de racismo e depreciação social de mulheres que nasceram naturalmente com glúteos largos ou formas roliças ou formas curvilíneas mas fornidas, e são pejorativamente vistas por causa das sub-celebridades que só ficam "mostrando demais", que dão a ideia preconceituosa de que as moças das periferias são "sexualmente depravadas".

Evidentemente, o femismo das "boazudas" tenta resistir a tudo isso. Tenta se passar por um "feminismo popular" acima dos tempos e das tendências. Mas, a julgar pela recepção do público, de repúdio ou de desdém, as siliconadas terão que se aposentar, até pelo prejuízo que causam de tanto posarem para fotos "sensuais". Os tempos começam a serem outros.

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