quinta-feira, 15 de maio de 2014

Por que o Espiritolicismo exalta tanto o Segundo Império?


É de praxe, no chamado "espiritismo" brasileiro, a exaltação, com o mais explícito entusiasmo, ao Segundo Império. Em especial as figuras de Dom Pedro II e de sua filha, a Princesa Isabel, que aos olhos dos pregadores "espíritas" brasileiros, parecem ter sido dotados de extraordinárias missões humanitárias.

Isso é tão típico que, no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, o louvor aos dois é acompanhado de atribuições tendenciosas de missão divina, quase sobre-humana, e que criou um padrão de abordagem do Segundo Império que se segue até hoje.

A pretensão e os louvores surreais acontecem de tal forma que o próprio livro arriscou-se a dizer que Dom Pedro II teria sido, em encarnação antiga, o intelectual romano Cássio Longino, que teria vivido no território da atual Síria entre 213 e 273 de nossa era.

Nascido Caius Cassius Longinus, ele teria sido discípulo do filósofo neoplatonista (seguidor de Platão) Amônio Sacas, que por sua vez foi mestre de outro filósofo, Plotino. Longino teria sido um escritor bastante produtivo e prestigiado, mas boa parte de suas obras, inclusive as mais prestigiadas, se perdeu.

A pretensão é exclusiva do livro, pois não houve qualquer pesquisa séria que trouxesse algum indício. Mas como no Espiritolicismo funciona o "achismo", o julgamento combinado de seus dirigentes sobre quem foi quem - o que não impede controvérsias, como, por exemplo, dizer quem foi André Luiz em vida - , suposição ganha status de "verdade".

É evidente que D. Pedro II foi um grande apreciador de artes. Era, portanto, uma pessoa culta até acima da médica de sua tradição familiar, tida como de gente de comportamento vulgar. Mas daí a dizer que ele havia sido o filósofo Cássio Longino não parece fazer sentido algum.

E por que o chamado "espiritismo" brasileiro exalta a figura de Dom Pedro II? E por que, no caso da Lei Áurea, os "espíritas" superestimam o documento e a pessoa da filha do imperador, Isabel de Bragança, como se ela tivesse feito um ato extraordinário de humanismo inigualável?

Ora, é evidente voltarmos ao tempo e localizarmos a origem da Federação "Espírita" Brasileira, a roustanguista FEB. Além do próprio interesse em buscar apoio financeiro do Império, há o fato de seu segundo e mais popular presidente, o médico Adolfo Bezerra de Menezes, ter trabalhado como redator de um periódico da Academia Imperial de Medicina.

Bezerra de Menezes, que foi um político do extinto Partido Liberal - partido moderado que existiu no período imperial e cuja extinção se deu com a proclamação da República - , também trabalhou em empreendimentos de implantação de ferrovias e de urbanização de bairros (um deles o de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, a serviço do Barão de Drumond), iniciativas respaldadas pelo governo imperial.

Por isso, mediante as atividades políticas do Dr. Bezerra, que influíram no respaldo imperial aos líderes que fundaram a FEB, é que se pode explicar por que a federação tanto exalta Dom Pedro II e sua filha, que eram apenas políticos de perfil mediano, mas foram definidos pelos "espíritas" como missionários extraordinários da fraternidade humanitária.

A julgar pelos livros de História laicos, o papel do imperador e de sua filha nada tiveram de excepcionais. Não eram figuras políticas ruins ou daquelas que praticassem corrupção abertamente e que tenham a habilidade da demagogia. Mas também seus papéis na transformação do Brasil, embora relativamente expressivos, foram insuficientes para lhe atribuirmos tamanhas missões.

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