domingo, 25 de maio de 2014
A caridade não pode servir de pretexto para a fraude
Se existe um erro muito mais grave do que enganar as pessoas, é o de usar pretextos como de amor, caridade e fraternidade para cometer essa enganação, se valendo da boa-fé e da ingenuidade de muita gente, e prejudicando a tarefa de bem servir aos próximos.
Há 130 anos o "espiritismo" brasileiro se deixa valer por uma série de fraudes e corrupções, e elas cresceram e se consolidaram não por falta de aviso. Pois os avisos sobre as deturpações da doutrina de Allan Kardec foram avisadas até mesmo quando ele ainda vivia a repercussão de seus primeiros livros.
Que Allan Kardec admitia que sua doutrina pudesse mudar com o tempo, isso é verdade. Tanto que ele elaborou o Controle Universal do Ensino dos Espíritos para estudar e avaliar as ideias espíritas sem sair da orientação original, mas sempre atualizando e mudando conforme a lógica permitir.
O que aconteceu no "espiritismo" brasileiro é que essas mudanças não ocorreram conforme as exigências da lógica e das novas descobertas científicas e tecnológicas. Pelo contrário, elas aconteceram da forma mais perniciosa possível, através da conveniência de interesses que se multiplicaram e aumentaram com o passar do tempo.
Isso começou quando o próprio Allan Kardec foi deixado de lado por causa da abordagem "mais moderna" (sic) de Jean-Baptiste Roustaing. Só que as ideias de Roustaing demonstraram ser cientificamente retrógradas, ainda baseadas num obscurantismo místico que, entre outras coisas, supunha que Jesus não tinha corpo físico e portanto nunca sofreu as dores físicas como humano.
Com Roustaing, autor divulgado no Brasil pelo médico Adolfo Bezerra de Menezes - que a FEB fez por bem dela esconder seu perfil de político fisiológico (tipo os de hoje) - , o "espiritismo" brasileiro, em vez de se atualizar, tornou-se antiquado, apoiado em ideias e procedimentos que são considerados obsoletos até para a Igreja Católica.
Daí que isso atraiu uma multidão de padres jesuítas e outros religiosos, espíritos do além que controlam os ditos "centros espíritas" e diluem os ensinamentos de Allan Kardec inserindo neles uma abordagem própria do Catolicismo medieval.
Depois dos delírios de Roustaing, aparentemente deixados de lado por causa da repercussão negativa que criou conflitos violentos entre os líderes espíritas - alguns já antevendo a traição dos demais aos princípios lançados por Kardec - , vieram muitos outros deslizes que se propagaram e que, infelizmente, são vistos por muitos como se fossem virtudes.
A mediunidade virou um processo sem controle e à sorte de qualquer fraude. Se qualquer um com um mínimo de prestígio se passar por alguma personalidade falecida e mandar mensagem em termos "fraternais", tudo é permitido.
Imagine se alguém é uma pessoa muito prestigiada e querida entre um significativo número de pessoas. De repente essa pessoa se aproveita disso e, por exemplo, insinua que recebeu uma mensagem do cantor Jair Rodrigues, falecido há pouco tempo, e faz uma oratória religiosa demais para o perfil do artista. Se imitar a voz do cantor, pode até ser paródia que muita gente acredita.
No caso das pinturas falsificadas de José Medrado, isso é muito grave. Já houve relatos de críticos de arte que viram "legitimidade" nessas obras, quando verificamos que os estilos divergem claramente dos estilos originais dos autores atribuídos.
É bastante sério isso, porque qualquer fraude é legitimada por conta do prestígio do suposto médium. Justifica-se tudo pela "caridade", pelo "amor" e pela "fraternidade". Cria-se um clima de pieguice, sob diversos aspectos, e as pessoas são envolvidas num clima de emotividade que as faz depois reagir com revolta a qualquer contrariedade, por mais coerente que esta seja.
Daí o grave prejuízo. Usa-se a caridade como desculpa para se permitir a fraude, a enganação. Tudo para atrair investimentos e prestígio, para fazer de supostos médiuns pretensos semi-deuses, gozando de uma imunidade que é preciso muita luta para derrubar a alta reputação que os astros do Espiritolicismo gozam entre seu público e os laicos.
Engana-se as pessoas durante muito tempo enquanto tudo é feito para manter e sustentar a alta reputação dos enganadores da crença espírita. Acumula-se um prestígio quase inabalável, que até pode ser derrubado ou enfraquecido, mas não sem dificuldade.
Uma atitude assim é muito mais nociva do que a maldade explícita. Não que esta não tenha seu grau de gravidade ou que os grandes prejuízos por esta causados tivessem que ser subestimados, mas esta, pelo menos, é uma maldade sincera e honesta, terrivelmente nociva mas honestamente prejudicial.
Já a maldade dissimulada é a pior delas, porque ela é oculta e traz prejuízos sérios sem que as pessoas percebessem e, o que é pior, ainda travestida da mais perfeita bondade e caridade. Prejudica-se outrem e tenta-se afirmar o contrário, o que é um duplo prejuízo, o de causá-lo e o de forçar aos prejudicados a crerem que recebem benefícios. Isso é o que macula o "espiritismo" brasileiro.
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