terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Latifundiário decide pela mobilidade urbana no RJ

A RICA FAMÍLIA PICCIANI. RAFAEL, O SECRETÁRIO DE TRANSPORTES CARIOCA, ESTÁ SEM PALETÓ.

A religiosização no Rio de Janeiro impede os fluminenses de verificarem as coisas. O deslumbramento diante de fenômenos nem tão admiráveis assim e de medidas nem tão benéficas, baseado na visão teológica da autoridade e de alguém bem-sucedido em qualquer coisa (na fama, no dinheiro e na formação acadêmica) faz com que absurdos sejam aceitos sem questionamento, em prejuízo até de quem acredita neles.

Se, no rádio, temos o aberrante caso da Rádio Cidade, que mantém o nome mas renega sua história original, que nada tem a ver com o pastiche de rádio de rock trabalhado pela emissora, isso num Rio de Janeiro que já teve emissoras infinitamente bem melhores, e se o paradigma de "cultura de vanguarda" está na retaguarda do "funk", então há muita coisa errada no Estado do Rio de Janeiro.

É uma crise de valores, não apenas financeira ou institucional. Na verdade, um conjunto de crises, que faz com que os fluminenses, assustados, reagissem da pior maneira possível. Rompem com amigos que não compreendem as convicções pessoais da "boa sociedade" do RJ. Deixam de seguir blogues "contestadores demais". Fogem para consumir uma "cultura água-com-açúcar" e por aí vai.

Daí que, no Rio de Janeiro, os livros mais vendidos são de temáticas que não contribuem para a ampliação do conhecimento: humor besteirol (em que a piada vale mais pela grosseria do que pela graça), auto-ajuda, religião e ficções de aventura. Neste último caso, é muito mais fácil enfrentar estudantes-vampiros, monstros e bonecos de Minecraft do que enfrentar a realidade ou admitir que a cultura no Brasil está em séria crise.

No Estado em que o fanatismo por futebol é fator regulador das relações sociais - quem não gosta de futebol, no Estado do Rio de Janeiro, é vítima de discriminação e das represálias do assédio moral até no ambiente de trabalho - , o provincianismo fluminense tornou-se um fenômeno pouco conhecido das pessoas.

Há uma imagem equivocada de ver que o Estado do Rio de Janeiro só se define pelas praias de Ipanema e Copacabana, pelos prédios da Av. Pres. Vargas, pelo luxo (hoje já não tão luxuoso assim) da Barra da Tijuca, ou, quando muito, dos subúrbios da Baixada Fluminense ou do bucolismo de Cabo Frio, Petrópolis, Parati e Campos dos Goytacazes.

Iludidos com essa imagem de "cosmopolitismo", imponente ainda que caótico, do Estado do Rio de Janeiro, ainda visto como "referência" para todo o país, o povo fluminense parece sucumbir ao mesmo destino trágico do povo paulista, que vê o Estado de São Paulo decair e sua capital, antes imponente, viver tantas tragédias e dramas que demonstram sua decadência vertiginosa.

A decadência do eixo Rio-São Paulo não é efeito "normal" da complexidade urbana. Nota-se que as duas capitais e seus respectivos Estados estão vivendo, nos últimos 25 anos, surtos de provincianismo que não eram imagináveis sequer no auge da ditadura militar, vindo sobretudo de meios acadêmicos e empresariais comprometidos com a decadência sócio-cultural e com grupos políticos que adotam métodos coronelistas que seriam típicos da República Velha.

É só perceber que os grupos políticos do PSDB paulista e do PMDB carioca lançaram o que pode ser entendido como "neocoronelismo". Práticas autoritárias baseadas em convicções pessoais que se justificam falsamente pelo pretexto do "interesse público" são feitas à revelia da lei e da consulta popular prevalecem de maneira indefinida, decaindo vários serviços de maneira dramática.

No caso do Estado do Rio de Janeiro, nem o verniz populista do prefeito da capital, Eduardo Paes, que parece repetir os apelos demagógicos de Luciano Huck (empresário e apresentador de TV que virou dublê de ativista social, mas permite campanhas preconceituosas em sua grife de roupas), consegue afastar o ranço coronelista do grupo político, responsável direto pela crise que assola o Estado.

HÁ CORONELISMO LATIFUNDIÁRIO NO RJ

E a "boa sociedade" que rompe com os amigos porque eles não curtem futebol, não estão no WhatsApp e não têm dinheiro para gastar todo fim de semana com os ônibus de locais distantes só para aparecer no bar onde "a galera" se reúne, não percebe que a crise estadual revela aspectos sombrios que os fluminenses em geral desconhecem.

Por exemplo, há coronelismo latifundiário no Rio de Janeiro. Antes de ser a versão tropical das máfias estadunidenses, os banqueiros do jogo-do-bicho são latifundiários e muitos dos crimes cometidos são comparáveis aos de grandes fazendeiros no interior do país.

Há quem pense que só existem piscinões no interior do Estado do Rio de Janeiro e que seu território é uma gigantesca Ipanema cercada de pequenos Maracanãs e Praças Tiradentes dotadas de pequenas Candelárias, com centros das cidades que são metade Méier, metade Barra da Tijuca.

Não. Existem grandes fazendas de gado no Estado do Rio de Janeiro, existem grandes proprietários de terras e há um coronelismo tão rigoroso quanto o do Pará. Alguns crimes políticos que envolvem autoridades de municípios da Baixada Fluminense ou do Centro-Norte do Estado são dignos do interior paraense, e a pistolagem rola solta em cidades como Magé, Guapimirim e Rio das Ostras.

Mas o dado mais insólito está no tipo de mobilidade urbana que está sendo imposto desde 2010 pelas autoridades cariocas. Com um espírito de transparência política digno dos tempos das capitanias hereditárias, ou seja, nenhuma transparência, se impôs ônibus com pintura padronizada (que confundem os cidadãos), dupla função de motorista-cobrador (que sobrecarrega motoristas e traz riscos aos passageiros) e itinerários reduzidos.

Pois a coisa é mais grave ainda com o projeto de paulatinamente acabar com a ligação direta entre a Zona Norte e a Zona Sul - temporariamente suspensa devido a uma ação do Ministério Público, até as autoridades darem uma "explicação técnica" sobre a medida (o que as autoridades cariocas sabem é dar desculpas; só falta mesmo explicar as agressões de certos políticos contra as próprias mulheres pelo pretexto de que eles só queriam matar os mosquitos do vírus zyka que voavam sobre elas).

Além de esconder uma intenção, nunca assumida pelos políticos, de discriminação social, já que o fim das linhas diretas da Zona Norte para a Zona Sul, com a gradual redução de percursos - as linhas do Leblon, por exemplo, foram reduzidas para o ponto da Rua Siqueira Campos, em Copacabana, ou pelo entorno do Mourisco, em Botafogo - , é para dificultar o acesso da população suburbana à Zona Sul, "limpando" as praias para receber mais turistas, a medida traz muitas outras complicações.

Tudo isso é decidido desde 2010 por uma elite de tecnocratas - dos quais se destaca o pouco confiável Alexandre Sansão, que não parece ser um bom representante dos interesses do povo que usa ônibus, e é discípulo do ditatorial Jaime Lerner, lobo autoritário vestido de pele de cordeiro progressista -  e adotado por políticos como o secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani.

O que a "boa sociedade" fluminense, aquela que rompe com os amigos só porque eles não curtem futebol e "reclamam demais" das coisas e foge da realidade lendo livros religiosos ou de besteirol e aventura tolos, não percebe é que Rafael é de uma conhecida família de latifundiários originária do município de Rio das Flores, que não parece ser um combo com miniaturas de Ipanema, Maracanã, Praça Tiradentes e Candelária instalados no seu perímetro.

Rafael é filho do presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), Jorge Picciani, e irmão de Leonardo Picciani, líder do PMDB da Câmara dos Deputados. Os três declararam, em 2014, ter, juntos, uma fortuna de cerca de R$ 27 milhões, segundo levantamento de O Estado de São Paulo. Rafael e Leonardo ainda têm dois irmãos, Felipe e Arthur, este criança.

Os três Picciani que participam ativamente do jogo político - Felipe atua como espécie de administrador do espólio da família - têm grandes propriedades no interior fluminense e atuam no ramo da pecuária e do agronegócio. Extremamente ricos, eles só romperam com Eduardo Cunha e passaram a defender Dilma Rousseff (os Picciani fizeram campanha eleitoral para Aécio Neves) visando o ditado "largar os anéis para preservar os dedos".

Também o apoio a Dilma não é incondicional. Além de seguirem a orientação nacional do PMDB, os Picciani também apelam para que o Governo Federal arque com as contas do Estado do Rio de Janeiro, depois que a farra do PMDB carioca (Paes, Cabral Filho, Pezão, Picciani, Carlos Roberto Osório etc) com empreiteiros, dirigentes esportivos e olimpicos, empresários etc, criou um grande rombo nos cofres públicos estaduais e em seus respectivos municípios envolvidos.

Claro. Elogiar Dilma Rousseff para que ela pague as contas do governo fluminense e da prefeitura carioca é uma maneira habilidosa de fingir apoio, porque os Picciani não irão pagar as contas do rombo, até porque foram eles que participaram do saque dos cofres públicos para as contas pessoais dos envolvidos na farra político-empresarial.

Só a fortuna de Rafael Picciani, o mesmo rapaz que jura só agir para "otimizar" e "racionalizar" o transporte coletivo, alegando promover melhor fluidez no trânsito carioca (com mais automóveis?), aumentou cinco vezes entre 2010 e 2014, tornando-se um secretário de Transportes com um patrimônio avaliado em R$ 9,8 milhões. cerca de 2,6 milhões de vezes a atual tarifa de ônibus no valor de R$ 3,80.

Sim, a mobilidade urbana é decidida por um homem que entende mais de gado do que de ônibus. E mostra o quanto as pessoas no Rio de Janeiro divinizam a incompetência, desde que tenha o manto do diploma, da fama, do dinheiro ou do poder. E o rico Picciani ainda fala que não promove discriminação social ao decidir pelo fim da ligação direta Zona Norte - Zona Sul, um malefício que está claro no cotidiano da população dos bairros suburbanos.

Enquanto isso, a pequenina "praia artificial" de Rocha Miranda, dotado de uma pequena piscina cercada de areia e chuveirões apelidados de "cachoeiras", mal consegue compensar o fim do acesso fácil de multidões de trabalhadores para as praias da Zona Sul e Zona Oeste e ainda tem horário limitado, que é de, pasmem, 9h da manhã às 20h. Nem dá para fazer caminhada matinal e nem fazer luau com os amigos

"Otimização"? "Mobilidade"? "Respeito ao cidadão"? A "boa sociedade" fluminense nem liga. Se ela mantiver inabaláveis seus hábitos de consumismo, tudo bem. É só romper com os amigos que "reclamam demais" e se refugiar nas fantasias garantidas pelo consumismo que transforma o povo do Rio de Janeiro em bonecos da mídia e do mercado a se servirem como marionetes de autoridades, empresários e publicitários.

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