terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

WhatsApp e o autismo coletivo


"Há um declínio do que a gente pode chamar de vida com pensamento, que é a capacidade de você pegar as informações e produzir conhecimento a partir delas. Então, nesse contexto, essas novas mídias também às vezes funcionam de maneira nociva, porque a pessoa vê um boato, sobretudo no WhatsApp, que não permite contestação, e ela passa adiante como se fosse verdade. E assim você vai destruindo reputações, cria consensos sustentados em mentiras e estimula o ódio. É uma situação complicada e eu não saberia dizer o que é pior: se as meias verdades, as manipulações e distorções produzidas por alguns veículos tradicionais, ou as mentiras deliberadas e as calúnias espalhadas nas mídias sociais, na medida em que estas permitem fazer disputa narrativa com a mídia hegemônica, mas ao mesmo tempo, se usadas com má fé ou burrice, fortalecem a disseminação da mentira".

O depoimento do jornalista e deputado federal Jean Wyllys, baiano radicado no Rio de Janeiro, ilustra a grave situação social no Brasil, em que as mídias sociais, antes tidas como a revolução plena da humanidade no Brasil, tornaram-se um reduto da estupidez e da falta de coerência.

Não bastasse as ondas de trolagem, que surgem desde os tempos do Orkut e revelam o caráter "midiota" de muitos internautas - que defendem tanto preconceitos sociais como valores difundidos por pessoas dotadas de poder ou prestígio, como executivos de mídia, famosos, políticos e empresários em geral - , outros vícios causam preocupação nos dias de hoje.

Já se torna grotesco o "espetáculo" de pessoas se ajuntarem para usarem o smartphone e verem o WhatsApp. Se alguns desavisado se aproximasse do grupo, pensaria que as pessoas estariam brincando com algum jogo eletrônico. Por incrível que pareça, elas estão brincando, sim, mas o "jogo" consiste em mandar mensagens fúteis, ver vídeos e memes tolos e fazer comentários estúpidos.

Um grave caso de autismo social está emergindo nas mídias sociais, não bastasse o modismo que faz multidões aderirem e mudarem como um gado que, quando acaba o pasto, migra para um outro lugar. Primeiro foi o hoje extinto Orkut, depois o Facebook e, agora, o aplicativo WhatsApp, todos mostrando casos de estupidez e desonestidade intelectual e ideológica.

Reacionários que, na época do Orkut, se autoproclamavam "esquerdistas" mesmo com QI de extrema-direita, já eram conhecidos nas redes sociais. Hoje eles saíram do armário e não só se assumem direitistas como despejam calúnias gratuitas ao Partido dos Trabalhadores e as figuras de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Pessoas cometendo erros grosseiros de informação. Internautas assassinando amigos ou namorados (as) por discussões sem importância. "Revoltados" fazendo xingações violentas contra Lula e Dilma. Troleiros ofendendo quem discorda dos pontos de vista dominantes e fazendo até blogues ofensivos. Todo o terror digital se observa mas o mal não está somente nele.

Observa-se que muitos internautas estão abandonando amigos por causa das mídias sociais. Se determinadas pessoas não estão no WhatsApp, seus amigos nem dão bola. Aliás, falando em bola, no Rio de Janeiro, Estado em que as pessoas, quando conhecem alguém, perguntam o seu time antes de perguntar o nome, o fanatismo pelo futebol e pelos quatro times principais (Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco) reflete o mesmo contexto fútil que se nota no "zap-zap" (como o WhatsApp é conhecido).

O Estado do Rio de Janeiro já sofre um surto de consumismo no qual até as relações sociais se tornam mais relações de consumo. A pessoa tem que ir às boates de sua turma, aos estádios de futebol onde a turma está, compartilhar dos mesmos hábitos, das mesmas opiniões, das mesmas opções, caso contrário será alvo de desprezos ou mesmo repúdio.

COISIFICAÇÃO

A falta de diversidade e a obsessão de consumismo no Estado do Rio de Janeiro, dentro de um contexto em que o WhatsApp mostra um "pensamento único" (e burro) indicam o quanto uma boa parcela de brasileiros está se coisificando, expressando uma espécie de catástrofe sociológica na qual a estupidez tornou-se um fenômeno em crescimento.

O país que tem o medíocre Kim Kataguiri escrevendo (mal) para a Folha de São Paulo e o Huffington Post Brasil e que tem Merval Pereira (que nunca lançou mais que pálidas coletâneas de artigos, por sinal ruins) na Academia Brasileira de Letras só pode ter tais aberrações.

O Brasil é o único país em que se permite que uma parcela de mulheres trabalhe sua fama unicamente através de uma sensualidade forçada, obsessiva e sem contexto, como se a sensualidade fosse um fim em si mesmo e não houvesse outra forma de afirmação pessoal. Em outras palavras, ver que mulheres aceitam serem meros objetos eróticos é estarrecedor.

Há muitos aspectos surreais, estúpidos, estarrecedores, que a mediocrização avassaladora da sociedade, isolada nas mídias sociais e na própria ditadura midiática, onde os meios de comunicação impõem até as gírias ("balada") e jargões ("cliente" no lugar de "freguês", por exemplo) que o povo deve falar, mostra e busca perpetuar.

As pessoas passaram a ser vistas como coisas. Até uma garrafa de cerveja e vinho são "humanizados", ou, em plena era de religiosização (os cariocas que o digam), "deificados", enquanto o consumismo e a torcida por um dos quatro times de futebol carioca tornam-se critérios de amizade e convívio social.

O rancor risonho como hiena das trolagens, a "urubologia" (comentários reacionários de direita) de quem arrisca a comentar sobre política, o apego às futilidades, ao fanatismo religioso, ao supérfluo e ao que é "sucesso" na mídia, mas tem valor bastante duvidoso, tudo parece sem controle.

E quando o problema ocorre sem que as pessoas, por sua natural desinformação e ignorância, percebam - pelo contrário, elas pensam que o problema "não existe" e, revoltadas, reagem a certos questionamentos abandonando amigos e até deixando de seguir blogues na Internet - , a situação fica mais preocupante.

Afinal, que futuro terá o Brasil se esse quadro viciado de ignorância, estupidez, mau gosto, consumismo e coisificação? O quadro comandado pelas mídias sociais que mostram o espetáculo grotesco de pessoas se reunindo para cada uma ficar isolada no seu smartphone, constituindo num autismo coletivo via WhatsApp, só fará o país se afundar na ignorância e na futilidade.

Se os avanços tecnológicos implantados no Brasil resultaram nesse quadro deplorável, então o país não deixará de se tornar subdesenvolvido, com o agravante que é a supremacia da estupidez e da futilidade que entorpece e imobiliza as pessoas, impedindo-as de conhecer os verdadeiros problemas da nação e agir em busca de soluções.

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