segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Chico Xavier usou Meimei para "ensinar" Evangelho no Lar para crianças


Até que ponto o Evangelho do Lar pode ser considerado "obrigatório"? Até o ponto de seu próprio limite ideológico, a pespectiva igrejista do "espiritismo" brasileiro, que tem nesta prática um dos ritos comparáveis ao do Terço católico.

O culto do Evangelho em casa é um dos ritos de influência católica no "espiritismo" brasileiro que, no entanto, se apoia também no verniz "intelectual" desta doutrina igrejista. Adota-se a prática sob o pretexto de "estudar o Espiritismo", quando se sabe que tal alegação é conversa para boi dormir.

A prática chega a ser muito mais aconselhada para os "espíritas" do que o Terço ou a Novena para os católicos, já que estas normalmente só envolvem devotos, e aquela é vista como "compromisso necessário" para o que os "espíritas" acreditam ser "o equilíbrio familiar" e a "energização do ambiente doméstico".

Há quem diga que o "culto" influi também na energização do quarteirão, como se uma simples leiturinha, da forma meramente religiosa, fosse trazer boas vibrações para as vizinhanças de onde a família reside, o que não faz sentido algum.

Como forma de propaganda, Francisco Cândido Xavier usou o nome da jovem Irma de Castro Rocha, a Meimei (1922-1946), professora mineira precocemente falecida devido a uma grave doença, para "sistematizar", através de estorinhas em narrativa infantil, a prática deste tipo de reunião.

O livro, Evangelho em Casa, foi lançado pela Federação "Espírita" Brasileira em 1959, numa década em que Chico Xavier tentava ser "versátil", forjando processos de materialização e psicofonia e estabelecendo parcerias com Waldo Vieira e Arnaldo Rocha, este viúvo de Meimei.

Essa pretensa versatilidade é uma forma de abafar os escândalos causados pelo processo judicial dos herdeiros de Humberto de Campos, o famoso escritor que foi usurpado pelo anti-médium mineiro. Diante da indignação de renomados escritores e críticos literários, Chico Xavier tinha que adotar outras atividades para forjar a hoje famosa reputação de pretenso filantropo.

E aí a coitada da professora Meimei passou a ter seu nome associado ao oportunismo de Chico Xavier, sob o consentimento do viúvo da jovem. Embora tenha sido católica, mesmo assim ela nunca iria aderir a esse embuste "mediúnico", até pelo fato de Chico Xavier ter sido consagrado por pastiches e plágios literários.

Meimei teria sido uma moça séria, discreta, e não iria participar desse processo. Além disso, os livros atribuídos a ela mostram uma clara linguagem de Chico Xavier, não muito diferente da linguagem usada em Nosso Lar, por exemplo.

Além do mais, soa bastante oportunista um livro infanto-juvenil para dizer que "é necessário fazer o culto do Evangelho no Lar", um projeto de persuasão bem típico de Chico Xavier, mas que, para atingir o público infantil, adota-se uma linguagem do gênero que, por razões estratégicas, atribuiu-se a Meimei.

Esta, em verdade, se afastou completamente desse processo. Como um Humberto de Campos que, após ter morrido, não teve mais a oportunidade de dizer que não foi ele quem escreveu os tais livros "mediúnicos".

Meimei teria se decepcionado com seu viúvo, e se envergonhado com o uso de seu nome para livros aparentemente "bem intencionados", mas tendenciosos demais para a personalidade da jovem professora.

Do mundo espiritual, ela deve ter sido informada das ilusões materialistas dos encarnados que legitimam a pretensa mediunidade de Chico Xavier, que aqui é visto como "porta-voz dos mortos", mas fora das percepções terrenas ele é apenas um homem que inventa mensagens da própria mente e põe tudo no crédito dos falecidos, mas é quase tudo o mesmo tipo de mensagem, provavelmente com a exceção de Emmanuel, que teria ditado os livros sob sua autoria.

Se, do além, o espírito de Meimei toma noção do que realmente foi a farsa "mediúnica" trazida pelos casos de Parnaso de Além-Túmulo e dos livros do suposto espírito de Humberto de Campos, verdadeiros pastiches ou plágios literários comprováveis mediante leitura atenta mas simples, ela teria realmente coragem de participar da elaboração dos livros que levaram seu nome?

ESTORINHA EM CINCO PARTES

A introdução do livro, feita pelo traiçoeiro Emmanuel, revela o caráter igrejista e apela para o "culto do Evangelho" usando como pretextos a ideia de que os cultos da limpeza, do pão, do carinho, da segurança e do bem-estar são insuficientes para o equilíbrio moral das pessoas. Ele apela para a leitura religiosa como "prática obrigatória" para promover esse "equilíbrio".

Emmanuel chega a investir na contraditória visão do "espiritismo" brasileiro, através de um apelo igrejista que contraria a natureza original da Doutrina Espírita, mas à qual é vinculada de maneira tendenciosa pelo persuasivo padre do além-túmulo:

Se abraçares realmente a Doutrina Espírita, não podes ignorar que o culto do Evangelho te ensinará a valorizar todos eles, porquanto, com o Cristo, a limpeza começa na consciência, o pão do conhecimento nutre a alma antes do corpo, a segurança é harmonia moram, o carinho é entendimento fraterno e o bem-estar é realmente a consagração de cada um ao bem de todos.

Pensando nisso, oferece-te Meimei as páginas deste livro.

Possa ele, pois, ajudar-te na formação do teu núcleo de Evangelho entre as paredes do próprio lar, porque, se a Doutrina Espírita é o Cristo em luz para a Humanidade, acima de tudo é a luz do Cristo no coração.

O enredo mostra todo o procedimento do "culto", em cinco partes. O livro é bem pequeno, vinte e oito páginas, seu núcleo central gira em torno de Dona Zilda, Senhor Veloso, dos filhos de ambos, Sílvia, Lina e Cláudio, entre outros.

Há a empregada doméstica Marta, como também a Dona Júlia, irmã viúva de Dona Zilda, e amigos visitantes como Dona Romualda e a filha Milota, que tiveram a "sorte" de estar em casa num dia de muita chuva e serem "beneficiados" pelo convite de participarem do "culto".

Esse "culto" é servido de dois livros: o Novo Testamento da Bíblia e O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, evidentemente a tradução de Guillón Ribeiro, da FEB, muito apreciada pelos chiquistas.

As reuniões são uma vez por semana. O dia escolhido foi o domingo. Há preces iniciais, bem igrejistas e que lembram preces católicas. Na primeira reunião, apenas os membros da casa de Dona Zilda estão presentes. Na segunda, os visitantes são acrescidos ao grupo reunido para o "culto".

Na terceira reunião,há também uma outra convidada, Dona Matilde. Na quarta reunião,  a mesa é ornamentada de flores. Na quinta reunião, os familiares da casa conversavam animadamente mas se lembraram, quase em cima da hora, da "obrigação do horário".

O tom católico é muito mal difarçado. Em todas as partes, o que se observa é o mesmo processo: prece inicial a Jesus, leitura do Novo Testamento, leitura de O Evangelho Segundo o Espiritismo, comentário do mediador do culto, conversação e prece final a Jesus.

O que chama a atenção na arbitrariedade "espírita" desta prática é que o culto ao Evangelho no Lar difere do Terço e da Novena porque estas são práticas geralmente individuais, enquanto o rito "espírita" é tido como "obrigatório" para todos que estiverem em casa. Pouco importa ser ateu, agnóstico etc, o "espiritismo" geralmente "aconselha" que todos que estiverem numa casa participem do "culto" se alguém tomar iniciativa para isso.

O livro tem um apelo fortemente católico, mas acaba sendo mais católico do que o original. A Igreja Católica sugere que o Terço e a Novena sejam praticados de maneira opcional ou só por quem estiver realmente necessitando de tais penitências.

Já o "culto" do Evangelho "espírita" é sempre visto como uma obrigação, uma penitência que envolve até quem não tem a ver com ela, e um igrejismo doméstico que usa a desculpa do "estudo" para forçar a adesão de qualquer pessoa.

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