MUSAS DO BRASILEIRÃO - IMAGEM DA SOLTEIRA TRABALHADA PELA MÍDIA É SEMPRE A QUE "MOSTRA DEMAIS" SEU CORPO.
Poucas pessoas conseguem perceber o quanto a grande mídia, em especial a mídia relacionada a subcelebridades - em tese, se especializa em celebridades, mas com tantos famosos fúteis e inúteis a coisa mudou de vez - , explora tão levianamente a imagem da mulher solteira.
No Brasil, a mulher solteira é vista pelo poder midiático como se fosse uma "vadia" que só quer "mostrar demais" seu corpo, se apega a curtições, tem um péssimo gosto musical e se vincula desesperadamente a uma imagem de sensualismo forçado e obsessivo.
É só ver os perfis que predominam entre as mulheres casadas e solteiras. As casadas são as mulheres dotadas de talento, inteligência e discrição, que até sensualizam de vez em quando mas não a toda hora nem a qualquer preço, e todavia são vinculadas a imagem de um marido com alguma posição de poder ou comando.
Já as solteiras são aquelas que só vão para noitadas, aparecem sobretudo em eventos de "funk" e "sertanejo", mostram demais seus corpos, exibem decotes "generosos", de peitos siliconados, sem medir contextos. Pode ser uma feira de automóveis, um evento literário, ou um velório de alguém, elas estão "sensualizando" o tempo todo.
Que interesse tem a mídia do entretenimento, sobretudo a dita "popular", que explora o sensacionalismo, o grotesco e o pitoresco e que, até pouco tempo atrás, contava com um articulado lobby de intelectuais e acadêmicos que defendiam essa "cultura" com unhas e dentes, sob a desculpa de "ruptura com o preconceito" e "triunfo do mau gosto", em criar uma imagem tão negativa da mulher solteira no Brasil?
NA FRANÇA, MULHER SOLTEIRA BUSCA APRIMORAR CONHECIMENTOS
Em países como a França, o paradigma da mulher solteira é o da moça que busca ampliar seus conhecimentos, que usa até mesmo o lazer e a diversão como formas de evolução do espírito, que aproveita o sentido do prazer não como uma forma de exibicionismo corporal, mas como uma relação de valores em que o entretenimento não significa imbecilização cultural nem desprezo ao saber.
As mulheres francesas que se tornam solteiras com certa convicção frequentam exposições de artes, vestem roupas discretas quando a situação exige, não transformam seus corpos em mercadoria e nem ficam colocando silicones a toa só para parecerem "mais fornidas". São capazes de ouvir até os nomes mais obscuros do jazz mais complexo, adoram ler livros e, em certos casos, chegam a atuar em posições de comando por conta de sua autonomia intelectual.
No Brasil, a mulher que age conforme a solteira francesa é "aconselhada" pelo "sistema" a ter um marido. Não é uma questão de liberdade de escolha, da mulher escolher um marido por vontade própria, mas se casar com o "pretendente de plantão" que frequenta os mesmos restaurantes, que vai aos mesmos cinemas ou salões de arte.
O feminismo no Brasil enfrenta esse grande obstáculo que o mercado de entretenimento impõe. A mulher têm que seguir dois caminhos determinados pelo "sistema" através da mídia: se ela quer se desvincular de valores e regras machistas, precisa se vincular, em contrapartida, a um marido com alguma posição de poder, ainda que seja apenas um médico prestigiado. Caso contrário, terá que ser solteira e defender valores e regras machistas.
É o que se observa na maioria das "solteiras convictas", que até caem em contradição. Num momento, dizem que estão felizes solteiras. Num outro, reclamam que os homens "fogem de medo" delas. Num terceiro, lamentam que não conseguem encontrar "homens legais" para namorar.
Contraditoriamente, elas seguem um receituário machista de trabalhar uma imagem de mulheres-objeto, através do exibicionismo corporal obsessivo - elas não "descansam" na ostentação de seus corpos - , da aparência física exagerada por silicones e botox, em certos casos "temperada" com tatuagens e piercings e, no entanto, alegam preferir homens modestos e discretos.
SENSUALISMO DAS "BOAZUDAS" ESCONDE DISCRIMINAÇÃO SOCIAL
A grande mídia faz o possível para trabalhar a "solteira" como um estereótipo da "exibida", da "gostosa demais", como se quisesse que a imagem da mulher solteira fosse negativamente marcada por um aparente hedonismo, como se não ter marido fosse uma coisa inútil para a mulher brasileira.
É como se o "sistema" dissesse para a mulher brasileira: "se você não se casar, você é uma vagabunda". O padrão da "solteira" é se divertir em noitadas e "sensualizar demais", até com falta de noção do momento certo para mostrar e para não mostrar. Se a mulher quer abrir mão desse padrão, ela terá que procurar o primeiro "chefe" ou "líder" que encontrar na frente para ser seu marido.
As razões que levam a mídia a agir assim incluem interesses comerciais diversos, além de um sutil objetivo de "limpeza social". Afinal, as "solteiras" são justamente aquelas que correspondem ao "apelo popular", sobretudo em relação a um público masculino de baixo poder aquisitivo ou de jovens de classe média identificados com os valores do grotesco e do sensacionalismo.
Durante muitos anos, o coronelismo midiático, através de uma intelectualidade freelancer que fingia não ter vínculos com esse esquema e até fazia falsos ataques ao poder midiático, tentava promover o machismo das "boazudas" como se fosse um "novo tipo de feminismo" e usava a desculpa da "provocatividade" para permitir a erotização exagerada dessas "musas" e seus corpos "inflados".
Só que a desculpa da "provocatividade", do uso da abordagem machista da mulher-objeto como uma suposta reação ao machismo e uma falsa provocação aos homens sob o pretexto da "liberdade do corpo", não colou e o sensualismo obsessivo acaba criando até problemas muito mais graves de discriminação social que nenhuma alegação de "ruptura do preconceito" consegue disfarçar.
Afinal, as "boazudas" que reclamam pelo "preconceito que sofrem", acabam criando uma imagem preconceituosa da mulher com glúteos enormes, e o sensualismo acaba criando uma imagem pejorativa de mulheres que não seguem padrões de beleza e atuam em profissões modestas, como enfermeiras, cozinheiras, professoras, assistentes sociais.
Em primeiro lugar, porque o sensualismo obsessivo faz com que o ideal da mulher que quiser ser solteira é "ficar à toa", brincar de "provocar os homens", num processo comunicativo em que o discurso de amor e ódio mais parece um acordo entre sexos do que um conflito, sendo mais um jogo de relações sado-masoquistas que não contribui para a emancipação real da mulher.
Em segundo lugar, porque o "volume corporal" das mulheres "boazudas" lembra o físico de muitas negras, além de evocar sutilmente mulheres que não correspondem aos padrões estéticos da "mulher ideal". Daí que as "musas populares" acabam depreciando mulheres pobres e, sobretudo, negras e mestiças, o que associa mulheres de glúteos e peitos enormes à "vadiagem erótica" e à diversão degradada, com a pior trilha sonora dos sucessos popularescos de rádio.
Portanto, a imagem depreciativa da mulher solteira esconde um processo de "higienização social", de degradação feita sob o tapete da "ruptura do preconceito" armada por tendenciosos intelectuais que escondem seus preconceitos sociais bastante severos e graves, em prol da bregalização cultural que assola o país e garante as fortunas de oligarquias midiáticas e grandes empresários.
Daí ser muito grave para uma mulher ser solteira no Brasil. As poucas que conseguem ser ao mesmo tempo solteiras e culturalmente decentes sofrem o problema da cobrança de uma vida amorosa ou da influência de um marido poderoso.
Por outro lado, as mulheres das classes populares é que sofrem mais e mais, por ver que o ideal de "solteirice" é associado à obsessão fútil com o corpo, à idiotização sócio-cultural e à vazia inclinação de curtir festas, praias e noitadas sem contribuir para o aprimoramento do espírito e da personalidade. A "provocatividade" custa caro para as classes mais pobres.
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