quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Para o "espiritismo", caridade é ajudar quem "puxa o tapete"


Sabe-se que a moral "espírita" é um tanto estranha. A apologia ao sofrimento humano como uma forma grosseira de evolução espiritual é um dos principais ingredientes de uma religião que não compreende a complexidade das necessidades humanas.

O "espiritismo" é materialista ao desprezar a vida material, por não admitir que o espírito possa interferir em sua encarnação para fazer o que há de melhor, mas determinar que o espírito viva uma vida "qualquer nota" e aceite os empecilhos e limitações de maneira submissa.

Na sua contradição de desconhecer a Ciência Espírita e a verdadeira natureza da vida espiritual e da comunicação com os espíritos, mas de ver o mundo espiritual da forma especulativa e fantasiosa, os "espíritas" desenvolvem uma ideologia moralista que põe em xeque suas pretensões de doutrina futurista e de vanguarda dos movimentos espiritualistas existentes no Brasil.

Há muitos relatos de pessoas que aderiram ao "espiritismo" e viram suas vidas piorarem. Em primeiro momento, achavam que eram "provas naturais", mas em muitos casos os empecilhos se tornam maiores do que a capacidade humana pode suportar.

E o que diz a "moral espírita"? Que a pessoa tenha fé para suportar as dificuldades e esperar a "tempestade passar". Só que se espera, se espera, e a pessoa vai para o fundo do poço, e em muitos casos perde uma encarnação inteira por estar impedido de aproveitar seus potenciais e ajudar realmente no progresso da sociedade.

É como se brincassem com a vida da pessoa. É como se o "espiritismo" brasileiro permitisse que espíritos inferiores façam de um indivíduo gato e sapato, brincasse com sua vida e seus destinos, mexesse com sua vida social de forma que privasse desta pessoa o convívio com pessoas afins, que lhe ajudariam na evolução pessoal, e jogasse nele apenas pessoas que não só lhe são divergentes como lhe são hostis.

E aí há uma noção estranha de "caridade". O que é a caridade? Ajudar quem precisa de algum auxílio ou empurrão? Ou obedecer e se sujeitar a quem está pronto para puxar o tapete do auxiliador?

É verdade que, na complexidade da vida, encontremos pessoas sem afinidade e hostis, mas o normal é que elas não sejam o foco principal da vida social. No moralismo "espírita", no entanto, eles é que são "seus amigos", "seus pares amorosos", "seus colegas" e "seus companheiros".

A ideia é você viver o seu "pesadelo" hoje e, de preferência, não fugir dele, para que assim você possa ter a esperança de viver, postumamente, o "verdadeiro sonho" da "vida futura", da qual não se tem noção precisa do que é.

Sim, repetimos. Não se tem noção precisa. A ideia de que o mundo espiritual é um campo florido com um grande condomínio de prédios imponentes, onde há bosques com árvores frondosas e belos passarinhos cantantes, pessoas de pijamas brancos andando pelas relvas, orquestras tocando em conchas acústicas e tudo o mais, não passa de pura fantasia.

Quando a novela A Viagem, na versão produzida pela Rede Globo de Televisão, em 1994, e cujo enredo é baseado no livro Nosso Lar, de Francisco Cândido Xavier, mostrou o "mundo espiritual", os críticos de novela e humoristas caíram na gozação, gozando da ideia de que o além-túmulo é um campo de golfe com crianças fazendo ciranda.

MATERIALISMO

Diante dessa visão de contos-de-fadas misturada com utopias hospitalares e ficção científica, a visão especulativa da vida espiritual permitem que o "espiritismo" brasileiro declarasse que a "missão" de uma encarnação é aguentar, mesmo em dimensões surreais, todo tipo de sofrimento e infortúnio.

E aí, as pessoas que têm potencial para ajudar os necessitados, de qualquer forma, e além dos estereótipos dos mendigos que pedem esmolas, são obrigadas a servir aos seus algozes, diante das sérias limitações da vida.

Tantas histórias "lindas" chegam a ser contadas. Parece conto da Cinderela: nela, a enteada se tornou empregada doméstica de sua madrasta e irmãs ao mesmo tempo grosseiras e extravagantes, que depois é socorrida pela fada madrinha e se transforma numa linda donzela, e sabemos o resto da estória.

A própria trajetória do charlatão Chico Xavier, órfão de mãe na infância e maltratado por uma tutora, personifica essa utopia de que "vivemos para sofrer". E isso, por incrível que pareça, é a coisa mais materialista que se pode admitir.

Primeiro, porque há o consentimento direto ou indireto de que pessoas mais perversas merecem manter privilégios e cometer abusos. Segundo, porque, como a vida futura é vista como análoga à vida material, tanto faz sofrer o pior na encarnação presente, o que indica um duplo materialismo.

Duplo, porque a vida material é algo "qualquer nota". O espírito não pode interferir na vida material, o que ele tem que fazer é encarar um jogo de perdas e fracassos sucessivos, e se contentar com o "mundo cão" e a "matéria bruta" na qual ele não pode interferir com sua inteligência.

De um lado, ele é derrotado pelas limitações da vida material e seus beneficiários mais grosseiros. De outro, tem que esperar que a vida material lhe dê prêmios, cujas promessas sugerem que será um "mundo feliz" no qual ele reencontrará "velhos amigos" e viverá num "campo florido e vigoroso", um "paraíso campestre" com edifícios imponentes.

Duplo materialismo. A natureza grotesca da matéria e a natureza animalesca de certos homens, movidos pelos arremedos humanos de concorrência predatória, da obtenção desumana de vantagens e privilégios, é legitimada pelo moralismo "espírita", que atribui aos algozes do presente o "pagamento irresversível pelo que fizeram", mas só em outras encarnações.

Mas, até para um algoz "pagar pelo que fez", ele terá o tempo suficiente para prolongar seus privilégios e espalhar seu "exemplo" para gerações posteriores. Mesmo que na velhice ele admita cometer seus erros, as gerações mais jovens tendem a ter, mesmo assim, a falsa impressão de que os arroubos da juventude são apropriados para cometer tais erros dos quais só a dor da velhice deixará de fazer. A perversidade acaba, mesmo assim, vista como uma "aventura" do vigor juvenil.

ILUSÃO

Há uma grande ilusão, nesse moralismo "espírita", de que a resignação e a submissão são tidas como "qualidades superiores" do indivíduo. Fala-se em aguentar o sofrimento sem queixumes, agradecer ao algoz pela maldade cometida, orar pelos que oprimem, e fazer tudo em silêncio, para que os opressores não se sintam incomodados com súplicas.

Falam que o silêncio é a "voz dos sábios", a conformação é o "manifesto da sabedoria", a serenidade ante o infortúnio e a gratidão pelos males obtidos são critérios de espíritos "mais elevados" e muito disse Chico Xavier a esse respeito, ele que foi um defensor apaixonado da Teologia do Sofrimento.

Só que isso é uma ilusão. Até porque os verdadeiros ativistas nunca pregaram que o silêncio fosse a voz dos sábios ou o manifesto para a transformação pessoal.

Além disso, esse papo de "reforma íntima" e "autoconhecimento" dos "espíritas" mais parece ser o de "educação para o conformismo", uma forma de convencer o sofredor de que ele terá que abrir mão das qualidades que obteve e até de seu aprendizado, para aceitar os absurdos existentes na vida.

Tudo é qualquer nota. E o sofredor, que poderia ser alguém prestigiado mas com uma inclinação humanista de ajudar as pessoas, é passado para trás por egoístas, sejam eles canalhas, canastrões, almofadinhas, algozes de toda espécie, mentirosos de vários níveis, que detém os privilégios e tomam as rédeas da evolução da humanidade.

E que benefício trará ficarmos resignados ou agradecidos a quem nos puxa o tapete? Nosso silêncio e quietude irão lhe assustar? De jeito nenhum. Pelo contrário, tudo acaba favorecendo com que os algozes se tornem mais cegos em suas vaidades e apegados a seus privilégios e poderes.

A impressão que os algozes têm da servidão e resignação de seus oprimidos é quase sempre tranquilizadora, e para o algoz os subordinados nada fazem, com isso, senão sua própria obrigação de aguentarem tudo calados e fizerem o que lhes é ordenado.

Portanto, que caridade é essa que se limita a ajudar quem só quer puxar o tapete? Que caridade é essa de, numa festa, abrir as portas dos fundos e transformar os penetras em anfitriões, enquanto o verdadeiro anfitrião é expulso do ambiente?

Que caridade é essa em que se cala diante das aberrantes irregularidades e injustiças da vida, que se baixa a cabeça diante do opressor, deixando que ele use e abuse de seus poderes e privilégios?

Que caridade é essa em que o sofredor finge que é vitorioso em suas derrotas e fracassos, finge que é feliz em suas infelicidades, se comporta como um debiloide diante das tragédias que sofre, e, com a dor da qual é proibido até de gemer, porque soa "incômodo" para o "Papai do Céu", tem que agradecer a este Deus pelas desgraças que sofreu. Um "aprendizado" masoquista, que desperdiça uma encarnação aceitando passivo todo tipo de enrascada.

Só que a realidade mostra que isso é diferente. O resignado acha que progrediu aguentando todo tipo de ocorrência ruim e nociva a ele mesmo com silêncio, resignação e conformação. Os "espíritas" o consideram um felizardo: terá as "bênçãos futuras" no além-túmulo. Mas, em verdade, essas bênçãos nunca existem, são conversa para boi dormir.

O que haverá, no além-túmulo, é uma vergonha tão grande do sofredor, por ele não ter se mexido para superar suas dificuldades, com toda a sua voz para clamar contra injustiças, com todo o sua capacidade de pensar para questionar as desgraças que sofreu. Os "espíritas" lhe consideram um "abençoado". A realidade o considera um grande preguiçoso.

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