terça-feira, 26 de abril de 2016

Brasileiros raciocinam a realidade como se fosse peça publicitária

TRABALHADOR SENDO OBEDIENTE AO PATRÃO. ISSO É TRANSFORMADOR?

Tudo bem. O pessoal acredita que o "espiritismo" é a "religião da bondade", que aprecia de forma confusa e contraditória a doutrina de Allan Kardec mas tem a "vantagem" de "ajudar o próximo" com "ações concretas" e fiquemos nisso. É o Brasil, sempre ficamos nessas zonas de conforto, porque é o país da corrupção, mesmo!

O comodismo das pessoas em aceitar religiões malfeitas só por causa da aparente "filantropia" revelam a condescendência com o aparato de bondade que as religiões trazem, e o "espiritismo", com suas irregularidades vergonhosas, ainda tem a habilidade de se passar por "íntegra" pela aparência de falsa modéstia, pretensa superioridade moral e aparente filantropia.

Muitos não conseguem entender os questionamentos sobre a suposta bondade do "movimento espírita", e sobre os efeitos inócuos de sua aparente filantropia. Mesmo quando se diz que essa "caridade" não é transformadora, que beneficia poucas pessoas e, mesmo assim, de maneira medíocre, as pessoas não entendem.

Muita gente é tomada pelo fascínio religioso que a aparente filantropia "espírita" traz. Aquela bela propaganda com crianças pobres tomando sopa, com o suposto filantropo acolhendo um velhinho doente que mal consegue se levantar da cama e instalações aparentemente confortáveis dessas instituições de "caridade".

Só que as pessoas acabam raciocinando a realidade como se fosse uma peça publicitária. As pessoas teimam em dar argumentos técnicos para suas convicções pessoais, como se a vontade de seus umbigos tivesse algum fundamento científico, e chegam mesmo a forjar filosofia em suas opiniões meramente subjetivas e de validade duvidosa.

Mas a percepção demonstra que o raciocínio não corresponde à realidade concreta, mas a uma "realidade" mostrada pelos comerciais de TV. A sociedade anda muito mercantilizada, hipermidiatizada, em que o real e o imaginário são confundidos ou interligados como se fossem quase a mesma coisa.

Diante disso, o discurso religioso conforta as pessoas, é o campo onde a fábula e o conto-de-fadas tentam impor seus padrões de percepção à realidade. E é isso que faz com que uma inócua "caridade" do "movimento espírita" seja vista como "transformadora", em detrimento de iniciativas realmente transformadoras, como o método educacional do pedagogo Paulo Freire.

Virou um paradoxo. A "caridade espírita" é mais "transformadora" porque "não incomoda". Ela promove cidadãos resignados, indivíduos insossos porém corretos, com relativa prosperidade, mas é vista como "transformadora" por quem espera uma "mudança sem incômodos", sem comprometer o sistema de hierarquias responsável pela desigualdade social que conhecemos.

Por outro lado, o projeto educacional de Paulo Freire, que mobiliza as pessoas, que as faz terem uma visão crítica do mundo e uma ação que compromete o sistema de privilégios vigente, não é vista como "transformadora" e, sim, "manipuladora". Daí o paradoxo ideológico entre "caridade transformadora" e "caridade manipuladora".

Parece uma visão surreal. A "caridade" só é considerada "transformadora" quando não interfere nos privilégios existentes, não trazendo "conflitos", por mais que seu nível de transformação nas vidas humanas seja inócuo e inexpressivo. E, apesar de ter como brinde o proselitismo religioso - que não é exceção em relação ao "movimento espírita", já que ensina a aceitar a deturpação doutrinária - , não é considerada manipuladora, embora assim seja.

"Manipulador" é considerado o projeto educacional de Paulo Freire que, sem se comprometer com pregações ideológicas e planejando um programa de ensino depois de pesquisar a realidade de cada comunidade, busca realmente transformar as pessoas, estimulando a solidariedade comunitária, a mobilização social e a busca por melhorias de vida, pondo em xeque os privilégios abusivos das elites.

Como o Método Paulo Freire possui o rótulo de "esquerdismo", que assusta a "sociedade do bem", cria "conflitos" e "incômodos" porque pode mexer no privilégio das classes dominantes, então ele é acusado de "manipulador", como se seu projeto de ensino não formasse cidadãos ativos, mas "guerrilheiros" e "terroristas".

Já o projeto educacional da Mansão do Caminho, que apenas cria cidadãos inócuos que apenas são ativos dentro dos limites da paz forçada de um sistema de privilégios, fazendo as pessoas terem alguma prosperidade sem no entanto romper com o sistema desigual em que vivemos, ele é tido como "transformador" por seus efeitos paliativos que são superestimados diante do sentido dado ao deslumbramento religioso.

Quer dizer, um cidadão dotado de "bons sentimentos religiosos" e é submisso ao patrão e vive uma vida medíocre tem uma situação mais "transformadora" do que pessoas que realmente transformam suas vidas lutando por melhorias e não apelando para resignadas preces "espíritas" para obtê-las sem mexer nos privilégios abusivos das elites. Que falta de coerência essa visão traz!

Essa inversão de valores se deve porque os brasileiros substituíram a realidade pela fantasia. Como a fantasia gera esperanças, ainda que falsas, ela se sobrepõe à realidade desagradável, daí os mitos e dogmas, sobretudo os mais absurdos, que prevalecem sobre as visões mais coerentes, porém nem sempre "positivas", da realidade.

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