sexta-feira, 22 de abril de 2016

Rio de Janeiro e a decadência que não é sentida

QUEDA DE CICLOVIA E ESTOURO DE TUBULAÇÃO DA CEDAE, NO RIO - Probleminhas de cidade grande?

Praia de Copacabana. Jovens felizes contam piadas com jeito de quem não liga para os problemas do Rio de Janeiro. Veem no WhatsApp vídeos engraçados e diários de internautas alucinados, considerados "youtubers", falando de amenidades cotidianas. Parecem viver num paraíso, na contraditória busca de perfeição numa realidade imperfeita. Se alguém for furtado na esquina, pouco lhes importa.

Castelo. Pessoas vão animadamente ao McDonald's almoçar ou lanchar fast food de qualidade duvidosa, feito por trabalhadores degradados, que sofrem exploração e são muito mal remunerados, expostos a fornos e fogões calorentos à mercê de um acidente de trabalho, e sua rotina profissional não possui garantias de proteção dignas.

O Rio de Janeiro vive um cotidiano surreal. A cidade, assim como o resto do Estado do Rio de Janeiro, decai de forma vertiginosa e uma boa parcela da sociedade parece indiferente, achando que esses problemas são "naturais num contexto de cidade complexa e moderna".

O carioca parece estar disposto a desenvolver um estereótipo de insensível, uma imagem nacional pejorativa na qual o habitante de qualquer cidade do Estado do Rio de Janeiro é incapaz de sentir a gravidade de um problema e fica arrumando desculpas ou artifícios para acreditar que tudo está bem.

ANDANDO PARA TRÁS

Só que a decadência do Rio de Janeiro, Estado e capital, não é um acidente da pós-modernidade, um problema próprio de cidades complexamente modernas. Nada disso. O Rio de Janeiro se torna uma região provinciana, e os problemas indicam não uma normalidade da vida complexa das grandes metrópoles, mas um retrocesso que fez Estado e capital andarem para trás, até mesmo em relação ao antes atrasado Nordeste, que começa a reagir contra décadas de coronelismo.

O Rio de Janeiro decai em proporções trágicas. Até linchamento típico de cidade do interior das mais atrasadas houve na outrora cosmopolita Ipanema. A capital que trouxe a Bossa Nova insiste com o grotesco do "funk", que ainda por cima promoveu sua demagogia num evento anti-impeachment, em Copacabana, um prato cheio para os reaças da cidade quererem mesmo o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

O Rio de Janeiro passou a ser um antro de conformismo, alienação, reacionarismo e prepotência em diversos aspectos. Diante do risco da cidade do Rio de Janeiro se manter como referencial e modelo a ser seguido pelo resto do Brasil, o país pode caminhar para trás.

O Estado é o que deu, ao Congresso Nacional, parlamentares irresponsáveis e reacionários como os deputados federais Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha, este presidente da Câmara dos Deputados e futuro vice-presidente de um provável governo Michel Temer, este oriundo de outro Estado do Sudeste marcado pela decadência vertiginosa, São Paulo.

Em muitos aspectos, o Rio de Janeiro tornou-se um Estado provinciano, deixando para trás anos de imponência cultural, modernidade social e relativas promessas de melhorias para a sociedade, dos quais só resta a sombra do que havia sido a Cidade Maravilhosa.

Culturalmente, a supremacia do "funk" que ameaça até mesmo o samba, como se já não bastasse o pastiche que os sambistas têm que encarar que é o "pagode romântico" - que ainda investe em pastiches de "samba de verdade" como Péricles e Grupo Revelação - , é um amontoado de referenciais sociais retrógrados embalado por uma mesmice sonora precária e grotesca.

Isso é um grande retrocesso diante da antiga imponência da Bossa Nova, que há cerca de 55 anos mostrava beleza artística, graciosidade poética e uma criatividade musical ímpar, como trilha sonora daquele Rio de Janeiro que não existe mais, e que todavia muitos insistem que continua existindo, mesmo com seus "probleminhas cotidianos".

MÍDIA

Mas até o rock sofre com a hegemonia mercadológica da canastrona Rádio Cidade, sem tradição nem competência e muito menos vocação para o rock, mas que se acha "dona do segmento", falando em "rock de verdade" tendo uma equipe sem qualquer envolvimento real no ramo.

Com uma programação extremamente ruim e repetitiva, a Rádio Cidade sofre o dado surreal da complacência dos roqueiros autênticos, que nos últimos tempos experimentaram as opções da Kiss FM (quando tentou uma afiliada no RJ) e a rádio digital Cult FM, indiferentes ao empastelamento da cultura rock que a Rádio Cidade e sua superestrutura empresarial e sua sintonia fácil e ampla faz contra a cultura rock local.

O Rio de Janeiro é a sede da Rede Globo de Televisão, mas curiosamente quatro nomes da mídia paulistana tornam-se influentes no gosto e no modo de falar, viver e pensar dos cariocas: Luciano Huck com suas gírias (como "balada") e seus valores juvenis, William Bonner com sua visão de mundo, Fausto Silva com valores da música e do comportamento geral, e Galvão Bueno (apesar de carioca, começou no rádio paulista) com o fanatismo pelo futebol.

O fanatismo pelo futebol, no Rio de Janeiro é tão grave que, quando é transmitida uma partida durante a noite, os torcedores, diante de um gol realizado pelo seu time, gritam como brutamontes perturbando as pessoas que dormem à noite para acordarem cedo no dia seguinte. E isso como se não bastasse o fato de que torcer por futebol ser obrigatório nas relações sociais, pois quem não gosta de futebol sofre discriminação social no Rio de Janeiro.

Com esse quadro midiático, juntamente com a imprensa popularesca como os tabloides Meia Hora e Expresso, a degradação cultural no Rio de Janeiro ganha um tempero especial, juntando populismo e uma falsa modernidade carioca, que é caricatura do que a outrora Cidade Maravilhosa foi um dia.

TRAGÉDIA

O Rio de Janeiro também tornou-se a cidade da exclusão social, com a expulsão de moradores de casas populares ou de tribos indígenas no antigo prédio que seria o Museu do Índio, para construção de prédios olímpicos ou de valor turístico-consumista, ou de pistas de BRT e outras obras faraônicas.

É também a cidade que impôs a pintura padronizada nos ônibus, a dupla função do motorista-cobrador e outras mazelas do transporte coletivo, obedecendo a uma lógica tida como "moderna", mas essencialmente ditatorial e nociva para a população.

Mas até os mercados também sucumbiram a esse contexto. Numa Economia que vê lojas fechando em grande quantidade, há também o pouco caso com a logística, já que muitas lojas e mercados mais parecem mercadinhos do interior, demorando duas semanas para repor estoques de produtos. E isso quando o Rio de Janeiro é sede ou filial de muitos distribuidores de produtos situados nos grandes centros.

O retrocesso atinge Niterói, que parece resignada com seu aspecto interiorano, sofrendo com mais lojas fechadas, e nem de longe lembrando a antiga capital do Estado do Rio de Janeiro. A situação surreal da cidade feliz em se tornar capacho da famosa cidade vizinha à frente da Baía da Guanabara é algo preocupante, porque Niterói quer ser uma cidade do interior que nem as cidades do interior têm coragem sequer em pensar ser.

A tragédia carioca também é outro reflexo desse retrocesso. Acidentes e incidentes violentos matam centenas de pessoas, incluindo incêndios, balas perdidas de tiroteios, desastres de ônibus, entre outros males. É até espantoso que muitos cariocas fiquem indiferentes à decadência do seu Estado, porque qualquer um é vulnerável nesse quadro todo.

Recentemente, uma tubulação da CEDAE, empresa de saneamento estadual, estourou no Maracanã. Um casal que passava numa moto caiu e teve que ser ajudado para sair da área alagada. Dias depois, uma parte de uma ciclovia em São Conrado despencou, deixando pelo menos dois mortos. Imagine se fosse a Auto-Estrada Lagoa-Barra, que apresentou rachaduras, caísse e centenas e centenas de pessoas morrendo sob os escombros ou jogadas ao mar.

A crise que passa o Estado do Rio de Janeiro não é uma mera crise econômica ou política. É uma crise de valores, uma acomodação que o Estado do Sudeste sofreu e os males acumulados sobretudo desde o período da ditadura militar, como a ascensão da contravenção e do crime organizado.

Os declínios graduais dos últimos 45 anos se acumularam em vícios e males que só se tornaram intensos na última década, e é assustador como muitas pessoas não sentem essa decadência ou tentam minimizar como se fossem "problemas comuns e esperados". Pois essa decadência acontece sem controle e de forma inesperada, e quem não sente isso é o que mais corre o risco de sofrer a tragédia diária que transforma o Rio de Janeiro no Estado mais decadente do Brasil.

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