domingo, 24 de julho de 2016

O lado cruel da Teologia do Sofrimento "espírita"


Não dá para esconder. O "espiritismo" brasileiro professa a Teologia do Sofrimento, corrente mais retrógrada da Igreja Católica e originária da Idade Média. A ideia de que aguentar desgraças sucessivas visando "purificar a alma" é claramente defendida por Francisco Cândido Xavier, em suas próprias palavras.

Portanto, não há como escapar. Chico Xavier disse para as pessoas sofrerem sem queixumes, sem mostrar sofrimento, sem reclamar. Não se podia sequer gemer de dor. Alguém pisou no seu calo? Agradeça. Alguém lhe passou a perna? Agradeça. Alguém lhe apunhalou pelas costas? Não só agradeça como fique feliz.

Segundo a Teologia do Sofrimento, se você é azarado, você vai para o céu. Você, como tolo, é induzido a acreditar que vale desperdiçar um prazo encarnatório de cerca de 80 anos aguentando desgraças, quando você poderia aproveitar esse limite de tempo para desenvolver suas qualidades e deixar uma contribuição de valor para a humanidade.

Sim, para a religião "espírita" - do jeito que ela é feita no Brasil e trabalhada por nomes como Chico Xavier e Divaldo Franco, ela é religião, sim, e das mais igrejeiras, às vezes até mais católica que a Igreja Católica - , tanto faz você deixar uma encarnação inútil, desperdiçada com tantas desgraças, com a certeza de que o incerto lhe trará as tais "bênçãos" que você nem tem ideia do que seja.

Inventaram até um paraíso surreal chamado "colônia espiritual", uma fantasia da qual a ciência nem sequer conta de indícios plausíveis - e não se está falando prováveis - , na qual o sofredor irrecuperável estará destinado no futuro, com cachorrinhos, gatinhos, pijamas brancos, relva perfumada e até suco de açaí e cineminha no além-túmulo.

Esse paraíso, que no fundo avacalha com os conhecimentos trazidos arduamente por Allan Kardec, se torna o tempero "espírita" da Teologia do Sofrimento, na qual as relações de passado e futuro se tornaram os aspectos diferentes da Igreja Católica e fazem o "espiritismo" ser muito mais cruel.

Pois de um lado está a "lei de causa e efeito" e seus "resgates espirituais" ou "reajustes morais" - analogia "espírita" ao pecado original - do qual o "espiritismo" difere do Catolicismo pelo juízo de valor pormenorizado do qual se supõe, mesmo sem estudos sérios sobre reencarnação (o "espiritismo" apenas finge apreciar tais estudos), que alguém sofre porque foi um algoz numa encarnação anterior.

De outro lado, está a "colônia espiritual", um complexo habitacional que mais parece vindo das campanhas publicitárias de empreiteiras sobre a construção de um novo condomínio, e que parece ser não só o destino presumido de pessoas felizes mas também o exílio de pessoas desgraçadas.

Daí temos os "reajustes morais" (passado) e as "colônias espirituais" (futuro) como verdadeiras presunções - tanto no sentido de presumir como do envaidecimento do "espiritismo" brasileiro - como sustentáculos da versão desta doutrina para a Teologia do Sofrimento que teve em Madre Teresa de Calcutá um dos seguidores mais recentes, nos últimos séculos.

E o que a Teologia do Sofrimento apronta para o desgraçado é essa sina de infortúnios pesados que não podem ser resolvidos. Há esforço, esperança, perseverança, dedicação, mas tudo isso é em vão e somente com um sacrifício descomunal se obtém apenas parte do benefício, uma compensação morna que os religiosos exageram e definem como "superação".

Na maior parte dos casos, as pessoas chegam a abrir mão de talentos, desejos, anseios, projetos de vida para fazer aquilo que não gostam, aguentando a prepotência de algozes, a mediocridade de parceiros incômodos, individualidades são sacrificadas e os benefícios chegam tarde, e racionalizados.

Em outros casos, o sofrimento e a desgraça se tornam tão grandes que as pessoas se amarguram e passam a considerar a opção do crime ou do suicídio. Começam a sentir ódio, depressão, irritação constante, estresse, passam a adotar um comportamento sombrio, casmurro, vingativo ou tão somente quieto, mas preocupante.

Este é o lado cruel da Teologia do Sofrimento, inclusive a "espírita". Esta doutrina, aliás, com toda a sua vocação dissimuladora - afinal, ela bajula Kardec mas pratica igrejismo - , acaba forçando os sofredores a sofrerem ainda mais, com recomendações moralistas que fingem benevolência da forma mais hipócrita possível.

Quem não teve conhecimento de conselhos "espíritas" do tipo "não reclame, ame", "na desgraça, ore e confie em Deus", "não mostre seu sofrimento para não aborrecer os outros" e outros conselhos que recomendam até mesmo as pessoas "desejarem menos" e "mudarem os pensamentos"?

São eufemismos para a condenação à individualidade e às vocações e o prazer humanos. Os "espíritas" não vão assumir esse discurso ao pé-da-letra, vão dizer que valorizam a individiualidade, respeitam os talentos humanos e apenas dizem que "só defendem que a pessoa reinvente seus projetos de vida".

Só que não é isso que acontece. Seria tudo bem se fossem apenas breves e superáveis dificuldades que permitam as pessoas aperfeiçoar desejos e projetos de vida, mudar os interesses quando os mais antigos se mostram prejudiciais ou inócuos e criar, a partir disso, novas habilidades e talentos inusitados.

Só que as desgraças relacionadas à Teologia do Sofrimento "espírita" impedem isso. Fazem a pessoa desiludir-se demais num dia, para em outro se tornar escravo de uma ilusão alheia. Fazem a pessoa abrir mão de seus talentos, porque o "espiritismo" criminaliza o prazer, vendo-o erroneamente como fonte de tentações e ações malignas, ignorando que o excesso de desgraça é que é, sim, fonte de muitos malefícios e degradação de caráter.

Imagine. Mulheres que não querem se envolver com homens poderosos mas sem caráter, mas que a "sorte" só lhes volta para esses tipos, diante das circunstâncias impostas pelo "destino". Ou homens que se cansaram de ver a mulher como um troféu ou brinquedo sexual, e quando não querem mais este tipo, acabam atraindo somente esta espécie para a vida amorosa.

Ou então, no mercado de trabalho, a pessoa só poder trabalhar em uma empresa corrupta, ou em lugar perigoso, mediante sempre uma remuneração baixa demais, em condições sub-humanas. Para o "espírita" envaidecido que espera que os desgraçados se superem, para aí fazer o marketing da superação, tanto faz haver escravos numa sociedade moderna. Os escravos é que façam sua abolição do nada e se virem!

Daí a crueldade da Teologia do Sofrimento que produz criminosos e suicidas. O desperdício de vidas humanas com as desgraças sucessivas, com a pregação de que elas terão que ser suportadas e nada pode ser feito para resolvê-las, senão mediante um sacrifício acima dos limites, é o princípio dessa ideologia retrógrada.

E a Teologia do Sofrimento, cria do Catolicismo medieval, é ainda mais cruel na sua adaptação pelo "espiritismo" brasileiro, por se apoiar em juízos de valor próprios desta doutrina, que supõem a sentença dos "resgates espirituais" (passado) a serem tolerados no presente em prol de um prêmio chamado "bênçãos futuras", de preferência nas "colônias espirituais" (futuro). Agindo assim, o "espiritismo" se apoia no incerto para defender a única certeza das desgraças humanas.

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