terça-feira, 12 de julho de 2016
Livro "espírita" supõe explicar a crise vivida no Brasil
Que o "espiritismo" brasileiro é sensacionalista, isto é a mais pura verdade, embora muita gente se recuse a admitir isso. Mas a coisa sucumbiu a atitudes ainda mais absurdas, sobretudo num tempo em que o Brasil ameaça se tornar uma teocracia, com a divulgação do traiçoeiro projeto Escola Sem Partido.
Robson Pinheiro, que teve que interromper o andamento de um livro, 2080, por causa do "urgente" lançamento de O Partido: Um Projeto Criminoso de Poder, atribuído ao "espírito Ângelo Inácio", "parceiro" das obras do badalado autor.
A história parece uma ficção fantasiosa: "espíritos do mal" são responsáveis de manipular tudo e todos para o erro, e aqui a força dos espíritos inferiores é superestimada, como se os espíritos encarnados não tivessem vontade própria ou, se tem, são muito mais frágeis do que normalmente se esperaria delas.
Um dos trechos do livro cita a instrução de um espírito trevoso considerado de "alta hierarquia":
"Entre os encarnados, a técnica para dominá-los sem que o saibam consistirá em falar aquilo que eles querem ouvir, dando-lhes apenas migalhas, porém, prometendo sempre mais... A verdade não importa! Gravem bem em sua memória: é a mentira que querem ouvir. Portanto, mintam! Mintam com convicção e descaradamente, mas sem perderem o ar piedoso e a aura de virtude... Acusem os inimigos de tudo o que fazemos e negamos peremptoriamente. Sejam impiedosos que eles se vergarão à humilhação pública... Nossas técnicas de persuasão em massa continuam as mesmas: pressionar, intimidar, difamar, aniquilar a imagem e a reputação de nossos opositores perante toda a gente... eis o cerne da nossa estratégia de guerrilha: negar sempre, não assumir jamais os ardis a que recorremos; tal deve ser a regra observada rigorosamente por nossos comparsas no mundo físico... Nossas marionetes, recrutaremos entre os mais instruídos - pois, como já foi dito, escolas, universidades e imprensa serão alvos prioritários da estratégia traçada - , como também em meio aos que propagam ideias espiritualizantes... Mesmo homens de bem precisam ser enganados; aliás, eles precisam se converter em nossos maiores aliados!... Dominem o que lhes apraz; a nós não interessa este mundo, a não ser sua aniquilação."
Aparentemente, a obra é ideologicamente "imparcial" e Robson Pinheiro ainda apareceu, numa foto de divulgação do livro, no YouTube, usando uma boina e vestindo camisa vermelha. Muitos perguntam se isso é paródia de Ernesto Che Guevara ou alguma gozação ao PT.
ROBSON PINHEIRO DE BOINA E CAMISA VERMELHA: PARODIANDO CHE GUEVARA E O PT?
Tudo parece mesmo uma coisa surreal e fantástica. "Magos negros" formando artilharia contra Brasília, influenciando as pessoas a praticar corrupções e arbitrariedades, além de induzi-las a falar mentiras de todo tipo. Como se fossem feiticeiros tentando dominar crianças!...
O que chama a atenção é o lado "coxinha" de uma passagem do livro, o que indica que, em que pese o "boné Che Guevara" e a "camisa petista" da foto de divulgação, Robson Pinheiro, na verdade, estaria fazendo oposição ao governo Dilma Rousseff, como sugere a interpretação de uma passeata neste trecho:
"As energias colhidas e armazenadas nas manifestações pacíficas ocorridas na Avenida Paulista, no dia 13 de março de 2016, e em outros locais do país foram empregadas pelos guardiões em tarefas últimas junto ao povo brasileiro... Naquele dia memorável, a nave dos guardiões sobrevoou a Avenida Paulista, absorvendo as energias emanadas da multidão e as armazenando em seu bojo para as usarem oportunamente. Torres de captação das irradiações mentais e emocionais foram erguidas pelos especialistas e pelos técnicos do astral... era possível captar e reter emanações que seriam essenciais, mais tarde, para enfrentarem as milícias das sombras aquarteladas no Congresso Nacional."
Isso é constrangedor. Afinal, as referidas passeatas intuídas por "guardiões" (os tais "benfeitores espirituais"), um "dia memorável" de transmissão de "energias elevadas" - termo que não aparece explícito no trecho em questão - , correspondem, na verdade, ao ápice das manifestações anti-PT que haviam ocorrido desde 2015.
MENSAGENS VINGATIVAS, BAIXARIAS, CLAMORES GOLPISTAS E ATÉ EXIBIÇÃO DE UMA SUÁSTICA NAZISTA ESTIVERAM NAS "PACÍFICAS" MANIFESTAÇÕES "CONTRA A CORRUPÇÃO".
O ridículo disso tudo - dentro de uma perspectiva que classifica o parcial juiz Sérgio Moro, um sujeito que se recusa a prender tucanos (PSDB) corruptos com a mesma agilidade (e pressa) que combate o PT, como um "herói" - é que as "maravilhosas manifestações contra a corrupção" eram na verdade uma coleção de incidentes infelizes.
É necessário lembrar também que esses protestos anti-PT, que Robson Pinheiro descreve como se fossem "vibrações positivas" da população, o que pressupõe um manifesto coletivo de solidariedade e união, foram na verdade manifestações de puro ódio e rancor.
As fotos não deixam mentir. Uma senhora segurando um cartaz dizendo "Por que não mataram todos em 1964?" é de um rancor vingativo descomunal. Manifestantes mostrando os traseiros para o governo Dilma Rousseff e mensagens pedindo intervenção militar para o país (espécie de eufemismo para golpe militar, como era a palavra "revolução" há 42 anos) também foram notados.
Mas o pior disso tudo é que, em algumas dessas manifestações, chegou-se a exibir uma suástica nazista, o que é uma atitude das mais deploráveis, por razões óbvias. Como é que Robson irá atribuir, a esses protestos culminados no 13 de março de 2016, uma "vibração positiva" diante de eventos tão lamentáveis, só para usar uma definição mais "educada"?
O livro O Partido também peca pelo maniqueísmo fácil existente entre políticos e povo. Os políticos seriam a "podridão" do país, o povo a massa sedenta por "bondade e fraternidade". Tudo muito simplório, ignorando que a vida é muito mais complexa e que aquele "memorável treze de março" era na verdade uma podridão muito pior do que erroneamente se atribui ao PT em supostas denúncias que mais parecem rumores e boatos confusos e muito mal explicados.
E todos esses processos "contra a corrupção" deram origem a um governo mais corrupto ainda. E isso é terrível. Afinal, o país na verdade vive uma crise de valores e o que se está em jogo hoje é a plutocracia e outras elites associadas (patriarcado, oligarquias, tecnocracia, aristocracia, empresariado etc) que tentam fazer o Brasil voltar aos padrões de uma sociedade castrada de 1974.
Chama a atenção também o nome de um espírito "representante máximo da justiça divina": Miguel. O nome é uma variante de Michel, nome do presidente interino que está associado a forças muito mais corruptas do que aquelas que supostamente cercaram a presidenta afastada.
Robson Pinheiro também comete a asneira de comparar, no sentido positivo, o 13 de maio de 1888 e o 13 de março de 2016. Se os dois fatos são comparáveis, isso se dá pelo lado negativo: fatos que geraram crises profundas. Não que a escravidão não devesse ser abolida, mas da forma como foi feita, com o Brasil levando mais de seis décadas para eliminar esse triste método de exploração humana, deixou os negros à deriva.
A única coisa realmente comparável que aconteceu foi que, enquanto, em 1888, a plutocracia da época, como os senhores de engenho e os emergentes senhores do café, decidiram derrubar o Império, forçando o afastamento do imperador Dom Pedro II (que saiu do país de forma melancólica), a plutocracia de hoje decidiu mandar afastar a presidenta Dilma Rousseff, em processos de votação de uma maioria de corruptos clamando por este afastamento.
E todos eles clamando "pela Família cristã", o que poderia tranquilizar os "espíritas". Estes falam no impeachment como uma "libertação", quando na verdade vemos o Brasil desgovernado e prisioneiro de seus paradigmas mais antigos.
As pessoas querem retroceder em uma versão mais radical de 1974, com mais machismo, mais mistificação, mais racismo, mais capitalismo, mais escravidão moderna (algo que foi praticado até por uma editora "espírita"), mais poder midiático, para atender aos interesses de pessoas dotadas de maior status social, seja ele político, econômico, acadêmico, lúdico (famosos), tecnocrático e até religioso.
Robson Pinheiro cita Francisco Cândido Xavier indiretamente, descrevendo a "missão" do Brasil em ser "coração do mundo e pátria do Evangelho". Com esse livro "coxinha", Robson condiz com a postura reacionária do "movimento espírita" (do qual ele se envolve de maneira "independente", sem ter vínculo formal à FEB), que defendeu o golpe de 1964 e, em 1971, mostrou Chico Xavier defendendo abertamente a ditadura militar na TV, quando ela estava em sua fase mais cruel.
Diante disso, só se pode esperar de O Partido uma obra reacionária e fantasiosa, cheia de preconceitos moralistas religiosos e uma confusa e maniqueísta abordagem da vida política nacional. Mais uma obra lamentável de uma longuíssima antologia de lamentáveis obras "espíritas".
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