domingo, 10 de julho de 2016

O confuso otimismo do "movimento espírita"

DESDE QUE VOCÊ ACEITE OS ARBÍTRIOS DE SEU SUPERIOR, ESTÁ "TUDO BEM".

Diante da intensa crise que assola o Brasil, junto a ocorrências caóticas que atingem o mundo, como o recente atentado a uma boate gay na Flórida, EUA, o "movimento espírita" brasileiro parece ter sangue de barata e ficar falando em "amor" e "otimismo".

É um otimismo confuso, que tem o descaramento de recorrer a Allan Kardec, já que o que temos é a postura dúbia que insiste em persistir diante da Doutrina Espírita. Roustanguistas enrustidos, bajulando Allan Kardec e seguindo Chico Xavier e Divaldo Franco, misturando igrejismo com cientificismo, praticamente promovendo a "confraternização do joio com o trigo".

Sim, é o "convívio fraterno" do joio e do trigo, do alho com o bugalho e da árvore com a erva daninha que norteia o "espiritismo" brasileiro que põe na conta de Allan Kardec meias-verdades ou ideias mal-interpretadas que o pedagogo francês não defenderia exatamente, embora aparentemente ela venha de livros seus, mas em traduções igrejeiras (como das editoras FEB e IDE).

A prece é apenas uma "porta de emergência" para perigos e dificuldades de última instância. Nem de longe ela deve ser encarada como solução definitiva para as crises humanas. Quando muito, serve apenas para ajudar as pessoas quando os impasses são pesados demais e as ameaças extremamente perigosas e iminentes.

O ato de orar uma prece, portanto, não é um brinquedo a ser feito pelo conforto da fé religiosa, e a realidade mostra que nem sempre ela é eficaz diante de situações bastante complexas, que exigem uma postura mais combativa e não uma aparente misericórdia que soa mais consentimento e conformismo.

Por exemplo, temos um governo composto de gente corrupta, que é o do presidente interino Michel Temer. No seu círculo político de apoio, tivemos pessoas claramente associadas à roubalheira administrativa, como Eduardo Cunha, Aécio Neves (considerado "chato" por cobrar grandes valores em propinas) e até mesmo Jair Bolsonaro.

Seria suficiente apenas recorrermos à prece para pedirmos a esses políticos "pensarem pela humanidade" e "terem um pouco de misericórdia e amor ao próximo"? Será que boas energias da prece bastam para mudar as circunstâncias e transformar políticos indiferentes ao povo em serviçais quase perfeitos da humanidade?

A vida é tão complexa que, em muitos casos, a misericórdia significa "entregar o ouro a bandido" e a prece um recurso inútil para resolver problemas. Isso é desagradável, mas é verdade. Como, por exemplo, num concurso público em que a prece pela aprovação, mesmo diante de sacrifícios de estudo sobrecarregado, não consegue atingir a meta desejada.

Neste caso, fatores diversos como o programa de provas opressivo - como de organizadoras como CESPE - , possíveis fraudes (em muitos concursos, o gabarito chega a ser propositalmente errado em uma média de cinco questões), exigências desnecessárias (como um concurso para Técnico em Comunicação que exige Matemática) e até mesmo fatos da vida particular do candidato complicam a conquista da meta almejada.

Fala-se sobretudo dos equívocos de expressões tão exaltadas pelo "movimento espírita", como "aceitação", "perdão", "abnegação", "desapego" e outras coisas parecidas. Que se espera pedir desapego a uma religião que prega o apego desesperado e fanático a Chico Xavier?

É certo que temos que parar de buscar privilégios, ceder em desejos que se revelam desnecessários. Só que nessa confusa religião "espírita", as pessoas têm que ceder no que elas precisam enquanto se resignam em ter aquilo que soa mais luxuoso e materialista do que o luxo e o materialismo que os "espíritas" dizem condenar.

"MODERAR" DESEJOS OU DEGRADAR A VIDA?

Por exemplo. Um nerd deseja namorar uma mulher do perfil de Emma Watson, que além de sua beleza deslumbrante demonstra ser bastante culta e interessante para conversar. O nerd a valoriza pelo caráter que ela demonstra e parece bastante real, mas as circunstâncias o impedem até de ter uma equivalente, mesmo fora do meio das celebridades, no seu cotidiano de brasileiro comum.

Para o "espiritismo", desejar Emma Watson é "querer luxo e luxúria", "desejar demais", "apelar para o sensualismo (sic)". Por outro lado, o nerd costuma atrair o assédio das chamadas "periguetes" (mulheres grotescas que se oferecem como brinquedos sexuais).

No entanto, o moralismo "espírita" descreve as "periguetes" como "modestas", vendo apenas a origem "humilde" de várias delas. Segundo essa visão, o fato do nerd atrai-las para a vida amorosa é uma "oportunidade para superar diferenças" e "aprender a simplicidade (sic)" do "amor sem extravagâncias" e da "moderação (?!) dos desejos impulsivos".

Quer dizer, a classuda Emma Watson, até pelo fato de ter sido atriz de uma franquia de estórias de fantasia, por ter uma formação refinada e mostrar sua inteligência em entrevistas, representa, para os "espíritas", um "sensualismo muito perigoso". Já a periguete do "pagodão" ou do "funk", que vive de mostrar o corpo e trata o sexo como mercadoria, representa a "simplicidade" e a "moderação dos desejos".

"Moderação dos desejos" é eufemismo para a pessoa abrir mão de seus próprios interesses e encarar a vida conforme os "desígnios do Alto (Deus)". O "espiritismo" costuma criminalizar a vontade humana e o que prega é que a pessoa abra mão de sua vontade e de suas habilidades e viva uma experiência "qualquer nota". "Querer" é o pecado; "se virar" é um dever.

Mas será que essa "moderação de desejos" não pode forçar a pessoa a ser autoritária? Quantos homens se tornam machistas e mandões quando se casam com moças que não são de suas afinidades? Quantas mulheres se tornam exigentes demais com aqueles com as quais elas não se identificam?

Do mesmo modo, quantas são as ambições humanas quando as limitações se tornam pesadas demais? Quanta ganância se forma diante da miséria irresolúvel? Quantos desvios morais podem haver com os infortúnios pesados? Quantos assaltantes surgem na sombra do desemprego inevitável e quantos corruptos nascem diante da execução de um trabalho alheio aos talentos pessoais de cada um?

Que otimismo é esse dos "espíritas"? É o teatrinho fácil da "bondade" em que os algozes são tolerados em seus abusos, os sofredores aguentam desgraças sem reclamar e, no meio, os "filantropos" aparecem sob a sombra da religião para sorrirem para os dois lados, e juntos os três tipos morais (algoz, filantropo e sofredor) se dão as mãos para cantarem hinos de louvor a Deus.

Fácil aceitar os abusos dos algozes e imaginar que "ele terá o que merece" depois, mesmo que seja para daqui a cem anos, em outra encarnação. Da mesma forma que é fácil aceitar desgraças visando umas tais "bênçãos futuras" que não passam de uma bobagem que ninguém é capaz de definir. Sob a religião, pode-se ser "fraterno" e aceitar que o egoísmo dos outros ocorra de maneira impune, agravando as injustiças sociais.

Perdido, o "espiritismo" já não sabe mais o que é Doutrina Espírita, o que é filantropia etc. Confuso, o "espiritismo" é vítima de suas próprias contradições, e desconhece a crise que vive o próprio país. O "espiritismo" quer mostrar bom-mocismo, mas o que traz é tão somente um igrejismo pretensamente conciliador que não acompanha a natureza complexa da sociedade em que vivemos.

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