segunda-feira, 4 de julho de 2016

"Movimento espírita" reassume postura direitista

REVISTA VEJA E O "MÉDIUM" JOÃO DE DEUS - Hostil aos movimentos sociais, é muito generosa com a "bondade espírita".

Alguns fatos relacionados ao "movimento espírita" nos últimos meses chamam a atenção. Três situações que mostram o quanto a doutrina igrejeira brasileira sempre foi conservadora, mas, depois de umas poucas décadas dissimulando sua postura ideológica, passou a reassumir a postura direitista que chegou a professar de maneira mais explícita. Antes de irmos a esses fatos, vamos relembrar o que havia antes.

O historiador Jorge Ferreira havia chamado a atenção pela participação de "kardecistas" (eufemismo para seguidores do "espiritismo" brasileiro, evidentemente não o de Allan Kardec, mas o de Francisco Cândido Xavier) na Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, o protesto ocorrido em 1964 (houve reedição comemorativa há poucos meses) que pediu o golpe e a ditadura civil-militar.

No programa Pinga-Fogo da TV Tupi de São Paulo, no final de julho de 1971, o próprio Chico Xavier manteve toda a pregação ideológica reacionária, esculhambando explicitamente os operários e os camponeses e dizendo que o golpe militar veio para "salvar a família cristã". E mais: pediu para rezarmos para os militares (do general Médici a brutamontes como Sérgio Paranhos Fleury e Brilhante Ustra) porque eles "estavam construindo o reino de amor do Brasil futuro".

Para uma religião que faz coro a setores retrógrados da sociedade, como os machistas, quando prega a ideia moralista de que "a vítima é a culpada", faz sentido essa queda de máscara que mostra o "movimento espírita" como uma religião reacionária que sempre foi.

Muitos esquerdistas foram muito ingênuos ao dar alguma consideração a Chico Xavier. Ficaram iludidos com sua imagem de "humilde" e "frágil" que muitos esqueceram ter sido construída pela célebre Rede Globo de Televisão, que queria um "católico sem batina" para fazer frente à ascensão de "pastores eletrônicos" como R. R. Soares e Edir Macedo que surgiram na TV da época, fim da década de 1970.

Recentemente, a Globo recorre a seguidores como Divaldo Franco e João de Deus para adoçar as mentes perplexas dos brasileiros, diante de uma crise similar ao que se viveu na Era Geisel. enquanto tenta salvar o Chico Xavier alvo de tantas denúncias publicadas na Internet.

Ainda há a blindagem do YouTube e do Facebook, e, no caso do primeiro, há centenas de canais de vídeos com muitas visões próprias do "movimento espírita", incluindo verdadeiras tolices relacionadas aos "dons proféticos e filosóficos" de Chico Xavier. No caso do Facebook, o que se destacam são os memes, vários deles enfeitados com flores, corações, jardins e crianças sorrindo, com frases do próprio anti-médium mineiro.

Agora vamos aos fatos recentes. A revista Veja, conhecida pelo seu reacionarismo acima dos limites, capaz de publicar mentiras aberrantes só para desmoralizar o Partido dos Trabalhadores, veio com uma reportagem respeitosa sobre o suposto médium curandeirista João Teixeira de Faria, o João de Deus, que enfrenta um tratamento contra o câncer feito pela medicina tradicional.

João de Deus causou estranheza por causa disso, uma vez que, tido como "médium de curas espirituais", supostamente responsável por doenças graves, não quis usar seus próprios "dons" para se curar. E veio com a seguinte desculpa, digna de um charlatão: "O barbeiro corta o próprio cabelo?".

O "médium" que atua em Abadiânia, no interior de Goiás, é um dos dois "médiuns" blindados pela Rede Globo, juntamente com Divaldo, como um artifício ideológico para deslumbrar as pessoas carentes, pobres ou não, diante de um "catolicismo à paisana" que é o "movimento espírita", através de um suposto curandeiro e um suposto filantropo e orador.

Além da revista Veja, vemos a publicação do livro supostamente mediúnico, O Partido - Projeto Criminoso de Poder, risível obra de Robson Pinheiro, sobre uma multidão de espíritos perversos que facilmente manipula os brasileiros para o mal, num maniqueísmo simplório.

Apesar de "imparcial", a obra sugere uma postura direitista, com a alusão da palavra "partido" (que tem as letras da sigla PT), a atribuição dele a um "projeto criminoso", o que sugere uma referência à suposta atuação do PT nos escândalos do "mensalão" e do "petrolão", e a classificação de "memorável" aos protestos de 13 de março de 2016, na verdade um ponto máximo de uma série de passeatas reacionárias que pediam, entre outras coisas, a volta da "ditadura militar".

A mesma postura parece ser do periódico "Correio Espírita", do Rio de Janeiro, que na edição deste mês incluiu um texto falando da "conscientização política" dos jovens brasileiros, tomando como gancho as mesmas manifestações do "Fora Dilma", e alega que tais eventos simbolizam a "entrada do Brasil numa fase de regeneração".

O próprio Robson Pinheiro, ícone dos best sellers religiosos, havia definido os protestos de 13 de março como "libertação", através da causa do impeachment. Não se sabe se por ironia ou gozação, Robson aparece num vídeo usando boina preta e blusa vermelha, o que soa uma paródia para ícones esquerdistas como Che Guevara e o Partido dos Trabalhadores.

O "espiritismo", através das ideias de Chico Xavier, já tinha seu reacionarismo reconhecido na Teologia do Sofrimento, corrente ultraconservadora e medieval da Igreja Católica defendida pelo "médium" de Pedro Leopoldo. Esta ideologia consiste em dizer que os sofredores devem aguentar suas desgraças como sendo "caminho para Deus" e não questionar privilégios nem abusos cometidos por pessoas de maior status.

Através desses episódios, observa-se que o "movimento espírita" brasileiro se distancia de Allan Kardec não só pela desonestidade doutrinária, mas também pelo reacionarismo que inexistiu no pedagogo francês, ele um intelectual pós-iluminista e progressista que havia tido caraterísticas de centro-esquerda, naquele país europeu.

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