NO ALTO, RODA DE FUNK, ACIMA, "BAILE FUNK" DO PIER MAUÁ - Independente do público, o "funk" é pura mercadoria.
Brasil esquisito, este, nos últimos anos. O fenômeno cultural tido como "mais representativo" nos dias de hoje é, na verdade, um ritmo comercial de baixa categoria, em que os princípios de mercantilização e espetacularização da sociedade se tornam escancarados, mas nunca assumidos, sequer, pelo discurso acadêmico.
O "funk" é esse ritmo estranho, surgido da mente gananciosa de uns DJs que jogaram fora as lições de seus antecessores e reduziram a herança da black music norte-americana a um pastiche restrito a um karaokê com vocais toscos e temas de baixarias ou de "protestos inócuos".
Reunindo um estranho ufanismo que reflete um falso orgulho de morar em favelas - construções irregulares resultantes da exclusão social num cenário de especulação imobiliária - , de uma satisfação pela ignorância e pela pobreza, o "funk" quer se impor desesperadamente como um "movimento cultural" que nunca foi nem tende a ser.
Isso porque o "funk" nunca correspondeu ao processo cultural verdadeiro de interferir na realidade das pessoas. O "funk" apenas "descrevia a realidade" mas nunca fez para mudá-la. Seus símbolos sempre eram preservados e analistas culturais apontam no ritmo um ferrenho rigor estético ditado pelos seus DJs e também empresários. O "funk" só muda ao sabor das conveniências.
Respaldado por uma estrutura mercadológica, política e midiática que envolve multinacionais - que em muitos casos ocultam suas marcas em patrocínios de eventos do "funk" para dar uma falsa impressão de "cultura independente" - , veículos como a Rede Globo de Televisão e a Folha de São Paulo e políticos como Fernando Henrique Cardoso, o "funk" tenta promover uma falsa imagem de "movimento progressista", como se fosse a "cultura popular do futuro".
Não é. Mas como no Brasil tudo é confuso e contraditório, como o próprio "espiritismo" que se acha "futurista" a ponto de querer dar palpites sobre o destino do país nas próximas décadas, o próprio "funk" é reflexo dessa mania do Brasil ser ao mesmo tempo retrógrado e falsamente moderno, a ser conservador e arrumar desculpas para isto ou aquilo.
Por isso é até compreensível que estudantes de uma escola de Curitiba, reduto da tendenciosa Operação Lava-Jato que persegue o PT mas poupa o PSDB, tenham feito um "funk" citando Karl Marx, num mal-explicado tom de paródia. Será que era para "sacanear" o pensador alemão? E isso na cidade onde vive o juiz Sérgio Moro, amigo do PSDB e na prática um astro da Rede Globo?
Movido por uma mania de coitadismo (ato de posar de vítima) e triunfalismo (arrogância de se sentir vitorioso sofrendo derrotas) o "funk", usando uma falsa imagem de "esquerdismo" através das desculpas dadas pelo funqueiro MC Leonardo, expressa um preocupante arrivismo que só consegue causar problemas para as classes pobres, sob diversos aspectos.
As classes pobres já se tornam, com o "funk", reféns de seus estereótipos, manobradas a tanto defender a permanência de uma simbologia que faz apologia à pobreza, à ignorância, aos instintos agressivos e aos valores retrógrados (como o machismo e a violência), o que, em outras palavras, significa abordar as classes populares da maneira mais caricatural possível.
O "funk" nunca foi um movimento cultural e, durante muitos anos, seus críticos apontam um rigor estético tão ferrenho que era proibido um MC tocar um instrumento musical ou compor melodias diferenciadas. O "funk", tido como "cultura riquíssima", teve um mesmo som, fosse o intérprete que for, durante 15 anos e as únicas mudanças ocorridas foram tendenciosas e inexpressivas.
Mesmo assim, as mudanças não impedem a mesmice. Batidas eletrônicas que simulam batuques de umbanda ("tamborzão") ou efeitos sonoros de galope de cavalo e sirenes ou de um MC balbuciando acabam criando uma nova mesmice, como se nota nos celulares tocados por estudantes pobres, em que a base sonora de diferentes MCs, homens ou mulheres, é rigorosamente a mesma.
Há denúncias de que o "funk" simboliza a "terceirização" da música brasileira, com a hierarquização entre o DJ, o "cérebro" do ritmo, e o MC, o porta-voz. E também denúncias de um conservadorismo nunca assumido, como um falso feminismo que faz as MCs nunca fugirem dos paradigmas machistas, simbolizando até o que muitos definem ser um "machismo sem macho", uma misandria implícita.
O "funk" faz um malabarismo para tentar explicar, em vão, suas contradições. Não consegue, por exemplo, esclarecer por que posa de "esquerdista" e depois vai para a Globo comemorar conquistas na opinião pública. Primeiro tenta influenciar intelectuais de esquerda e forçar o seu apoio (baseado em uma abordagem espetacularizada da favela e do povo pobre), depois é foco de eventos promovidos por socialites ou sob promoção de entidades como a própria Rede Globo.
O Brasil não tem o hábito de discutir a questão da "mercadoria" como paradigma de fenômenos aparentemente culturais, a supremacia do mercado ditando regras na cultura popular. Muito dessa omissão, que priva o país de terem equivalentes exatos a intelectuais europeus que questionam a espetacularização da pobreza, a idiotização do público e a mercantilização da arte, se deve aos interesses econômicos envolvidos na "cultura de massa" num país ainda subdesenvolvido.
E é isso que permite que o "funk" diga e faça uma coisa e depois outra. Trabalha o discurso como uma massa de modelar e isso é muito perigoso. Afinal, isso denota falta de sinceridade e coerência, e o que é coerência para uma sociedade que, nos últimos tempos, pensa com o umbigo?
Além disso, o "funk" só complicou sua situação quando o ritmo deixou de ficar quieto, como um pop dançante e estritamente comercial, obcecado com sua imagem de "cultura séria" e "movimento ativista", criando um "papo-cabeça" cheio de desculpas e de muito vitimismo, caindo em contradições o tempo inteiro, com seu desespero de ser mais do que realmente é.
E isso se torna perigoso, sobretudo numa crise cultural em que a MPB e o Rock Brasil soam velhos e se perdem em tributos intermináveis, que só celebram velhos sucessos num eterno saudosismo, e o que temos de "música popular" não passa de péssimas mercadorias musicais forjadas pelas empresas de entretenimento (já acusadas de esquemas de corrupção pela "máfia dos shows" e pela apropriação abusiva de verbas da Lei Rouanet).
Diante dessa crise, não será o "funk" a luz no fim desse túnel. Pelo contrário, a péssima qualidade sonora do ritmo e suas "tardias melhoras" que nada melhoram, já que mesmo com MCs tocando percussão ou havendo inserção de gaita e até violoncelo (como no "Baile de Favela", de MC João), tudo soa postiço, tendencioso e os resultados não são dos melhores.
Símbolo da mediocridade cultural convertida num pretensiosismo desesperado, o "funk" só reflete um país estranho como o Brasil, preso em zonas de conforto e em paradigmas viciados, nos quais a coerência, a lógica, a ética e outros princípios mais realistas são jogados fora, só falsamente valorizados através das desculpas que muitos usam para fazer prevalecer suas causas particulares.
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