sexta-feira, 24 de abril de 2015

O "espiritismo" e a recusa de assumir seus erros

VIROU BAGUNÇA - Já existem "centros espíritas" que evocam ícones católicos, como os "servos de Maria".

A crise vivida pelo "espiritismo" brasileiro, apesar da blindagem que sofre da grande mídia e pela ausência de documentários investigativos tais como ocorre na Cientologia, é notória e se torna a mais forte sofrida nos seus 131 anos de existência.

Pois nunca o "movimento espírita", que gerou pesadas dissidências e escândalos perturbadores, se distanciou tanto da doutrina de Allan Kardec quanto hoje em dia. Aliás, o distanciamento sempre existiu desde quando a Federação "Espírita" Brasileira escolheu Roustaing como seu mestre maior, mas agora a coisa foi longe demais.

Já existem "centros espíritas" diversos, verdadeiras sub-seitas com nomenclaturas católicas, como "servos de Maria", "devotos de São Francisco de Assis", "Igreja Espírita Ecumênica", "Igreja do Evangelho Cristão", "Igreja Espírita Evangélica Cristã" e por aí vai.

E isso ocorre como se não bastassem padres, freiras, irmãs, freis, coroinhas, que se tornam "patronos" de "centros espíritas" tidos como "sérios". E seus líderes tentando abafar a crise de uma maneira ou de outra, minimizando a avaliação de seus efeitos.

O comentário mais comum é que a crise do "movimento espírita" é consequência "somente" de alguns "maus espíritas", menos preparados para a "doutrina de Kardec (sic)". Segundo tais relatos, os erros teriam vindo de pessoas que "não conseguem compreender a verdadeira natureza da Doutrina Espírita" ou de "aproveitadores que ensinam errado os valores do Espiritismo".

O problema é que os erros são gerais e consequentes pelo conjunto da obra. Se uma editora "espírita" paga mal seus funcionários e só os remunera dando o dinheiro do almoço, se o entrevistador do "auxílio fraterno" de um "centro espírita" esnobou os fracassos da vida amorosa do entrevistado, se o outro "centro espírita" não exerce tratamentos espirituais confiáveis, a culpa é de todo o conjunto do "espiritismo" brasileiro.

Todos esses erros têm uma mesma raiz. Todos. O "espiritismo" que, desde quando surgiu, se preocupou mais em agradar a Igreja Católica do que em estabelecer novos conceitos de espiritualidade, também se relaxou em relação às técnicas mediúnicas e aos estudos sobre contatos com espíritos.

Aliás, tudo ficou em um misto de pedantismo e ignorância completa. O "espiritismo" que dizia evocar a Ciência e a estabelecer contatos plenos com o mundo espiritual se revela ignorante e incompetente em todos os lados.

E isso vem de parte dos "maus espíritas" que os líderes da doutrina falam? Sim, mas não somente deles. Os maiores ídolos do "espiritismo" brasileiro também estão associados a vergonhosos escândalos, a preocupantes gafes e a ocorrências de fraudes que deveriam comprometer sua reputação por definitivo.

Em vez disso, todos tentam blindar e proteger os astros e os poderosos do "espiritismo" brasileiro. Eles tentam driblar os impasses e deixar cair apenas o "baixo clero", enquanto o "alto clero" permanece incólume até às acusações de desvio do pensamento de Allan Kardec.

Só que essa postura de pretensa "fidelidade a Kardec" cria impasses terríveis. Certo, alguns kardecianos menos questionadores ainda sentem simpatia por Chico Xavier? Mas que livro dele poderão aproveitar? A bibliografia dele é quase toda uma afronta explícita ao pensamento de Kardec, mas os kardecianos se contentarão com as frases ditas por ele em entrevistas?

O fato do "movimento espírita" atribuir os erros ora a "seguidores menores", como nos "centros espíritas" de menor expressão, ou aos abusos de autoridades de alguns chefes, como no caso de Antônio Wantuil de Freitas e Luciano dos Anjos, não resolve a situação, como também torna-se perigoso pôr Chico Xavier e Divaldo Franco no grupo dos "fiéis a Kardec".

Isso porque Chico e Divaldo foram os que mais traíram o pensamento de Kardec, e isso torna-se claro em suas obras e depoimentos. Eles, como astros maiores do "espiritismo" brasileiro, permitiram e contribuíram, com seu prestígio, para uma série de desordens cometidas por sua doutrina. Se hoje o "espiritismo" brasileiro é um caos, os dois têm grande culpa nisso.

O próprio efeito natural da mitificação de Chico Xavier, que é o mito de que sua estátua teria "derramado lágrimas", é indiscutível. Apesar da negação veemente de Eurípedes Higino, seu filho adotivo, de tal ocorrência, é compreensível esse descontrole.

Afinal, o que se esperaria que culminasse a mitificação do católico fervoroso Chico Xavier entre seus seguidores? Que ele fosse reconhecido "a sério" como cientista, seja como matemático, físico, sociólogo, astrônomo e analista político? Nada disso.

Os dois maiores erros do "espiritismo" brasileiro, a influência do Catolicismo do Segundo Império brasileiro (de influência portuguesa e sob legado medieval) e o desconhecimento das práticas mediúnicas, permitem que outros erros sejam feitos e acobertados, dentro de uma "cultura do jeitinho" tão conhecida em nosso país.

E assim, mentiras sucessivas e dissimulações diversas foram feitas. Os exemplos vieram do alto, como as fraudes de Chico Xavier, tentando "autenticar" fraudes de materialização, praticando plágios literários e usando o golpe da "leitura fria" para colher informações dos familiares dos mortos e forjar mensagens "mediúnicas".

Para quem não sabe, a "leitura fria" é um mecanismo de manipulação das mentes em que o entrevistador manipula emocionalmente o entrevistado para que ele, através de seus instintos, desse informações para o entrevistador, de forma que pareça quase imperceptível.

Portanto, o "espiritismo" cometeu erros graves e preocupantes, que fazem com que esse movimento, que se autodefinia como a "vanguarda das crenças religiosas no Brasil", rebaixasse para a pior retaguarda, nivelando Chico Xavier e Divaldo Franco no mesmo plano de "aventureiros da fé" como Silas Malafaia, Edir Macedo e R. R. Soares.

Isso não é calúnia nem desaforo, porque essa constatação se baseia numa análise aprofundada e imparcial dos erros cometidos pelo "movimento espírita", bem maiores do que a inócua filantropia e o insosso respaldo moral que os "espíritas" dizem ser seu maior triunfo, mas que nada fizeram para realizar transformações profundas em nossa sociedade.

Mas, por enquanto, os líderes "espíritas" tentam fazer prevalecer subestimando seus erros, renegando a autocrítica e festejando demais uma caridade da qual eles só exercem de forma parcial, paliativa e precária, sem que enfrentasse de maneira firme os problemas mais complexos vividos pelo Brasil que hoje sofre a sua pior crise. O "espiritismo" mais errou do que acertou.

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