O moralismo "espírita" é voltado para a aceitação do sofrimento. Com muita falácia, os "espíritas" apelam para que os sofredores aguentem as desgraças em silêncio, e enfrentem dificuldades quase intransponíveis para vencer na vida, lutando demais por pouco benefício.
Chegam mesmo a dizer para amar o sofrimento, não gemer de dor, não mostrar sofrimento para os outros, fingir felicidade e harmonia, e até para rezar não se faz com voz alta, e de preferência sem fazer posição de prece. E, como o "espiritismo" brasileiro defende a reforma trabalhista, sob o pretexto de representar uma "reeducação econômica" dos brasileiros, que a pessoa divida suas atenções entre uma prece e a execução de uma tarefa profissional, por mais penosa que seja.
Francisco Cândido Xavier foi responsável por essa tendência, inexistente no Espiritismo original. Foi através de Chico Xavier, um católico ortodoxo que, de "herege", só tinha a alegada paranormalidade - pelo menos ele dizia "falar" com o espírito da sua mãe e de um padre jesuíta que passou a tietar lendo livros de História - , que a Teologia do Sofrimento, corrente medieval do Catolicismo, passou a ser um dos pilares do "espiritismo" brasileiro, mais do que qualquer ensinamento de Allan Kardec.
A desculpa era essa: como havia vida eterna - que os "espíritas" definem como "pátria espiritual" - e reencarnação existe, a ideia era defender todo tipo de sofrimento na vida presente, a aceitação e resignação com dificuldades pesadas, a troco das chamadas "bênçãos futuras", que geralmente surgem na velhice ou após a morte.
Embora essa desculpa seja de cunho "espiritualista", ela aposta num "materialismo de projeção", no qual se atribuem os benefícios da vida material no além-túmulo. Contrariando Kardec, que com muita prudência disse que não existe qualquer noção do que realmente seria o mundo espiritual - ele expressou isso no seu tempo, mas a realidade comprova que nenhum estudo se fez para superar essa advertência - , os "espíritas" concebem o além-túmulo aos caprichos da visão materialista.
Por isso é que os "espíritas" acabam defendendo o "holocausto de si mesmo" dos sofredores. Criam mesmo a falácia do "dia de desgraça, véspera de bênçãos", para forçar os infortunados a se sentirem como peixes forçados a pular da água para o alto de uma árvore enorme.
Distorcendo as lições espíritas originais, que dizem que as dificuldades não são oferecidas acima das capacidades de enfrentamento de cada pessoa, os "espíritas" brasileiros querem mais. Para eles, a capacidade de enfrentamento não tem limites, e um fracote pode carregar uma pedra de cinco toneladas numa boa.
Há muitos apelos neste sentido. "Que fraqueza! Vamos lá e aguente aquela desgraça! Vá e enfrente. A dificuldade está acima dos limites? Supere seus próprios limites, ora!", é o que se resume este apelo. E há outros, como "sirva ao seu algoz com rigor e dedicação", "você só vive para servir", "não há diferença entre serviço e servidão: trabalhe e sirva a todos sem distinção" e outras falácias. Tudo parece lindo, se não fosse um detalhe: "pimenta nos olhos dos outros é refresco".
E OS PRÓPRIOS "ESPÍRITAS"?
Os palestrantes e os "médiuns" do "espiritismo" brasileiro, com certa arrogância, inventam: "Nós vivemos para servir. Nos dedicamos inteiramente ao próximo, com amor e dificuldades, e ainda arrumamos tempo para divulgar a boa palavra, o recado amigo aos sofredores que a nós assistem".
Mas, observando bem, o que realmente é o "serviço" desses "espíritas"? Alojar um punhado de pessoas em uma mansão, sobrado ou algum edifício similar, deixar a terceiros a administração e o investimento financeiro nesses lugares e, depois disso, os oradores e escritores "espíritas" vão sair por aí, passeando, aparecendo em colunas sociais e ganhando prêmios.
Será que ninguém percebe isso? E o dinheiro da "caridade", não há uma parcela sendo desviada para os bolsos das "lideranças espíritas"? Também não há "lavagem de dinheiro" em instituições "espíritas"? Os "médiuns" também não abocanham uma boa fatia do "pão dos pobres"? Ou alguém acredita que os "espíritas" se alimentam de "luz" ou de alimentos doados por outrem?
Ainda que os "médiuns", por exemplo, não toquem em dinheiro, eles são sustentados por terceiros, mas de forma semelhante aos da realeza britânica. São hospedados em bons hotéis, comem do bom e do melhor, viajam para as capitais do Primeiro Mundo, vão ver os pontos turísticos mais celebrados, aparecem em colunas sociais ao lado de figurões da alta sociedade.
E o "sofrimento" que os palavreadores "espíritas" tanto alegam sofrer? Muitos deles dizem que "também sofrem muito", dizendo coisas como "Vocês veem que a gente viaja muito, vai para a Europa, recebe troféus, mas a gente sofre, sim, com a intolerância, com os ataques que a gente sofre, com as dificuldades (sic) de cuidar das nossos projetos assistenciais, da dificuldade de obter donativos etc".
Acabam cobrando carnês, promovendo seminários "espíritas" em hotéis cinco estrelas, lançam livros em quantidades industriais para "permitir" a "gratuidade" ou a modesta precificação dos títulos mais antigos, e imploram para os frequentadores de "centros espíritas" doarem mais coisas, para que assim haja uma parcela gigantesca de donativos para que assim uma "parcela maior" do punhado que "vai mesmo para a caridade" seja garantido, enquanto o resto vai abastecer brechós e armazéns.
Os palavreadores "espíritas" não sofrem. Eles é que se angustiam demais com pouco. Enquanto pedem para os outros aguentarem desgraças pesadas que se acumulam feito bola de neve caindo montanha abaixo, eles não suportam uma única vírgula que seja dita contra eles. Reagem, uns, com muita choradeira e poses cabisbaixas e, outros, com raiva dissimulada ou até mesmo explícita.
Não podem ser acusados de roustanguistas, que reagem como crianças berronas. "Ah, a falta de perdão! A falta de misericórdia! Miseráveis acusações atingindo o trabalho do bem, ferindo como facas pessoas que só doam aos mais necessitados!", é a discurseira mais típica dos "espíritas" que, num momento, não medem escrúpulos em ferir os outros com a espada do juízo de valor, mas, em outro, não querem sequer ser beliscados em críticas construtivas.
Claro que, em seu malabarismo discursivo, os acrobatas das palavras e, portanto, das desculpas esfarrapadas, os "espíritas" dizem que "aceitam críticas" e "suportam derrotas", mas essas são desculpas de gente arrogante, que finge aceitar críticas mas as ignoram completamente e recusam ser derrotados, usando apenas a "aceitação da derrota" como desculpa para reafirmar sua prepotência.
DICOTOMIA ENTRE "FORÇA" E "FRAQUEZA": FEITA PARA CONFUNDIR E PRODUZIR COMOÇÃO
O discurso tem seus malabarismos. Assim como se pode dizer "não" dizendo apenas "sim", há meios de usar o vitimismo e o triunfalismo a serviço da arrogância e da prepotência. Os arrogantes mais dissimulados fazem pose de humildade, quando duramente atacados: como são incapazes de explicar seus erros graves, eles se recolhem num canto, ficam em silêncio e esperam que sua encenação cause a tão esperada comoção pública que os salvará.
No âmbito da religião, é fácil provocar vitimismo. Falácias são ditas quando ídolos religiosos estão a ponto de serem desmascarados: "Enquanto o mundo reage com raiva e pessoas, feito bestas-feras, atacam os servidores da fé e do amor, estes resignados, recorrem ao único apoio que lhes resta, a força de Deus e o amor de Jesus". Falácias assim conquistam qualquer um com coração mole e os exploradores da fé humana se usam desses artifícios para retomarem o poder.
Daí os falsos cristos, que com suas cruzes imaginárias, se imaginam "crucificados" pelas circunstâncias adversas. Os "médiuns", diante das críticas que eles recebem, como as de que são traidores do Espiritismo, recorrem a essa estratégia: ficam calados e cabisbaixos, capricham no vitimismo, mas mesmo assim, não escondem sua arrogância quando chegam a dizer coisas como "Os fortes são aqueles que se recolhem quietos diante da fúria coletiva que os atinge".
A ideia de "força" e "fraqueza" é a dicotomia preferida pelos "espíritas", que se servem dessas duas ideias contrastantes para produzir comoção pública. A tática da inversão conceitual, do "forte que é fraco" e do "fraco que se torna forte" é uma tática da Teologia do Sofrimento que promove a desigualdade de benefícios, protegendo os privilegiados e prolongando o sofrimento dos infortunados.
Essa dicotomia é feita para confundir as pessoas e explorar, com um jogo de palavras, os devaneios emocionais. Ela serve tanto para forçar os sofredores a aceitarem as desgraças da vida quanto para proteger o poder e os privilégios dos "médiuns", hoje convertidos em poderosos sacerdotes do "espiritismo" brasileiro.
Daí que a ilusão cai quando se observa, se desapegando da paixão religiosa e da fascinação obsessiva pelos "médiuns espíritas", que o "espiritismo" brasileiro, que vende uma falsa imagem de progressista, promove a permanência das desigualdades humanas, através da relação discursiva entre "força" e "fraqueza" que se herdou da Teologia do Sofrimento. A "religião da bondade" mostra, com isso, sua pior maldade, ao defender a aceitação do sofrimento pelos sofredores.
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