sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

A esperteza de Chico Xavier em dois episódios

O JORNALISTA POLICIAL ORLANDO CRISCUOLO

No caso do suposto crime do disparo acidental que matou o jovem Maurício Garcez Henrique, do qual saiu inocentado o amigo José Divino Nunes, um artigo chama a atenção. De autoria de Orlando Criscuolo, conhecido repórter policial da mídia paulista, por sua trajetória no Diário da Noite de São Paulo, ele expressou todo o seu deslumbramento movido pelas paixões religiosas e pela fascinação obsessiva em torno do "médium" Francisco Cândido Xavier.

Criscuolo narra uma experiência que havia tido visitando o anti-médium mineiro há muitos anos, sendo que o jornalista não creditou o ano exato. Como informações afirmam que Criscuolo atuava na imprensa nos anos 1950, 1960 e 1970 - o artigo é de 1979 - , infere-se que a antiga experiência havia ocorrido entre os anos 1950 e 1960.

O jornalista disse que havia escrito uma carta com nome e endereço fictícios que entregaria ao "médium". Nela se falava de um mal e se pedia qual o remédio certo para tal moléstia. Criscuolo dizia ter sido ele cético na época e queria usar um "meio menos honesto" para denunciar possíveis fraudes "mediúnicas" à opinião pública.

Ao chegar, ele apresentou a missiva para o "médium" e ele analisou, aparentemente sob orientação de Emmanuel. Depois, declarou "perdão" ao jornalista e disse que "só há um remédio: a verdade". A multidão teria olhado para o jornalista, que ficou com um certo medo, naquela ocasião.

Será uma combinação prévia, na qual o jornalista encenava seu ceticismo e medo? Ou seria um atestado da esperteza de Chico Xavier, que nunca foi a pessoa simples e humilde que tanto se alardeia oficialmente. Note-se que o Diário da Noite era integrante dos Diários Associados, grupo empresarial que publicava a revista O Cruzeiro e cujo dono era Assis Chateaubriand, o Chatô.

Em O Cruzeiro, em 1944, os jornalistas David Nasser e Jean Manzon, este como repórter fotográfico, foram entrevistar Chico e foram avisados que não poderiam entrevistá-lo naquela vez. Eles criaram um truque no qual se passavam por jornalistas estadunidenses - se bem que Manzon poderia aproveitar sua naturalidade francesa para se passar por alguém daquele país - e, com isso, conseguiram entrevistar o "médium".

Os dois saíram satisfeitos com a reportagem e foram embora. Mas ao verificar um dos livros, reconheceram a dedicatória de Emmanuel citando o nome de David Nasser, o que pode ser explicado pelo fato de Nasser ter sido então um repórter já famoso em seu meio e não ter se deixado enganar o esperto "médium", até porque Nasser não aparentava um repórter vindo dos EUA.

O "INVENTOR DE NOTÍCIAS", DAVID NASSER.

Nos anos 1970, tanto Criscuolo e Nasser pareciam "arrependidos" do ceticismo. Imagina-se se esses relatos não teriam sido truques combinados com o "médium" que, blindado pelos Diários Associados, queria forjar um contato com pessoas céticas?

Não se sabe, embora muitos aspectos verídicos se observem na reportagem de David Nasser - embora ele tenha se consagrado como "inventor de notícias" - como o fato de Chico Xavier ser um grande leitor de livros. E há uma foto de Jean Manzon mostrando Chico copiando informações de livros e jornais, o que traz fortes indícios de que suas "psicografias" haviam sido fraudulentas.

O artigo de Orlando Criscuolo foi publicado no Diário da Noite de São Paulo, de 10 de setembro de 1979. O texto que reproduzimos sob o caso David Nasser e Jean Manzon é um fragmento de um trecho do livro As Vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior, de 2003.

No caso de Criscuolo, chama-se a atenção no forte teor de fascinação obsessiva por Chico Xavier, marcado pelo perigoso processo do bombardeio de amor, que fez o jornalista chorar durante o segundo encontro com o "médium" e, no artigo, defini-lo como "quase Deus". Da parte de Nasser, o deslumbramento existe, porém parece bem mais discreto, ao narrar, em 1974, o episódio ocorrido três décadas antes.

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CHICO XAVIER SALVOU INOCENTE DA CADEIA

Por Orlando Criscuolo - Diário da Noite (SP), 10 de setembro de 1979.

Francisco Cândido Xavier, ou simples e carinhosamente Chico Xavier.

Ao longo dos seus cinquenta e dois anos de atividades, somente duas vezes tive contato com ele. A primeira, e lá se vão muitos anos, foi quando lhe entreguei uma carta com um nome e endereço fictícios para que ele, auxiliado por Emmanuel, seu guia espiritual, respondesse qual ou quais remédios, para o espírito ou para o corpo, que deveriam ser indicados em favor da “pessoa” cuja carta ele segurava entre os dedos de sua mão esquerda. Olhos cerrados, fisionomia serena, apenas seus lábios se movimentavam na boca semi-aberta.

A seu lado, contrastando com o ambiente de respeito que se podia sentir nos músculos de todos os rostos das pessoas que superlotavam a pequena sala onde nos encontrávamos, eu não conseguia dissimular um sorriso maroto que brotava de dentro de mim.

Era o repórter procurando, por meios menos honestos, encontrar um caminho para denunciar publicamente uma farsa ou uma “mistificação grosseira” que já estava sendo aceita por uma incalculável multidão como uma verdade incontestável.

Francisco Cândido Xavier largou lentamente a carta-mentira sobre a mesa, colocou a mão esquerda sobre os olhos sempre cerrados e enquanto os dedos da mão direita se crispavam em torno do lápis, seus lábios pronunciaram uma frase que o lápis ágil se encarregou de marcar no papel.

“Que Deus te perdoe meu filho.”

Todos os olhares, a maioria de espanto, se voltaram para mim. Ele apanhou a “carta-mentira” e colocando-a junto às minhas mãos abertas sobre a mesa, com uma serenidade que só os santos podem ter, disse:

“Para este mal só há um remédio: a verdade.”

Não fui capaz de escrever uma só linha em forma de reportagem sobre este encontro. Pela primeira vez em minha vida eu senti medo.

Muitos anos depois, num dos corredores da TV Tupi de São Paulo, quando Chico Xavier se preparava para uma entrevista no “Pinga-Fogo”, vi quando ele, delicadamente, deixou de conversar com um pequeno grupo de pessoas voltando-se para uma senhora idosa que estava às suas costas, e que ele provavelmente jamais tinha visto, foi até ela e segurou as duas mãos trêmulas da mulher entre as suas, com uma mansidão de santo. Algumas lágrimas rolaram pelas faces da velhinha. Chico Xavier quis falar, mas não pôde. Tive a impressão de que por trás de seus óculos escuros seus olhos também ficaram embaciados por lágrimas. Quando eu quis identificar a velhinha, ela tinha desaparecido do prédio. Um mistério, que de simples tornou-se indecifrável para o repórter.

Santa Izildinha, Antoninho da Rocha Marmo, Donizete Tavares de Lima, o padre de Tambaú, José de Freitas, o Arigó e muitos outros são nomes que figuram em muitas de minhas reportagens e que me recordam grandes e controvertidos acontecimentos. São nomes que fizeram com que milhares de lágrimas fossem derramadas por gratidão, por respeito ou até mesmo por um desejo insatisfeito. Nenhum deles, nunca, arrancou uma só lágrima dos meus olhos.

Nesta última quarta-feira, porém, tive que cerrar fortemente os olhos para que eles não se enchessem de lágrimas, lágrimas de arrependimento por nunca ter tido a coragem de escrever uma só reportagem sobre Chico Xavier. Hoje, ela aqui está. E a escrevo convicto de que o famoso médium espírita de Uberaba é algo mais do que um homem: é quase um Deus.

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TRECHO DO LIVRO AS VIDAS DE CHICO XAVIER, DE MARCEL SOUTO MAIOR, 2003.

Para liquidar o assunto de vez, David Nasser, Jean Manzon e o piloto do avião de Chateaubriand, Henrique Natividade, bolaram um plano infalível. Nasser e Manzon se apresentariam como repórteres americanos e Natividade faria o papel de intérprete da dupla. Chico ficaria seduzido pela idéia de ser notícia internacional e se sentiria mais à vontade diante dos estrangeiros. Afinal de contas, a reportagem seria lida longe dali, longe do Rio. 

Havia um porém: Rômulo Joviano. O engenheiro conhecia a identidade deles e podia desmascarar o trio a qualquer momento. Precisavam concluir o serviço antes da chegada do patrão de Chico. Mas, mesmo sendo rápidos, eles ainda corriam perigo. E se Rômulo telefonasse para alertar o empregado? Nasser, Manzon e Natividade tomaram a decisão: cortariam o fio do telefone do entrevistado. Dito e feito. 

O truque deu certo. Chico escancarou as portas de casa para os “estrangeiros” e posou para fotos então inéditas na imprensa. [...] Após uma hora e meia de entrevista, Jean Manzon, David Nasser e o “intérprete” se despediram do entrevistado. Enganaram o “idiota” e ainda ganharam livros de presente. Jogaram os exemplares na mala e saíram às pressas, eufóricos. No dia seguinte, estavam no Rio. 

A reportagem foi publicada no dia 12 de agosto com uma lacuna estranha. Ela não mencionou como os jornalistas conseguiram passar o vidente para trás. Nasser jogou fora a chance de lançar a dúvida: Se Chico tem um guia e tem acesso aos espíritos, como foi enganado tão facilmente? 

Chico leu o texto e ficou apavorado, O juiz não teria dúvidas. O rapaz já imaginava o veredicto: todos os indícios levam a crer que Francisco Cândido Xavier imitou o estilo de Humberto de Campos. Culpado. Sacudia-se, em meio à violenta crise de choro, quando Emmanuel voltou. Estava inspirado: 

Chico, você tem que agradecer. Jesus foi para a cruz e você foi só para O Cruzeiro. 

O réu não conseguiu achar graça. Por que Emmanuel não evitou aquele vexame? Por que não desmascarou a fraude e revelou a identidade dos jornalistas? 

Só trinta anos depois, uma reportagem publicada por O Dia, em 28 de abril, e assinada por João Antero de Carvalho, revelaria, em detalhes, os bastidores daquela saga de David Nasser e Jean Manzon. A confissão foi feita por um Nasser arrependido, o mesmo capaz de definir Chico Xavier como “o maior remorso da minha vida”. 

O repórter voltou no tempo e reconstituiu a noite em que passava para o papel seu furo jornalístico, dois dias depois do encontro com Chico Xavier. Já era madrugada, quando ele foi interrompido por um telefonema de Jean Manzon. O fotógrafo parecia nervoso.  

- David, você trouxe aquele livro que o homem nos ofereceu?

- Claro que sim.

- Pois bem, abra-o na primeira página e leia a dedicatória. Nasser largou o telefone fora do gancho e, curioso, correu à procura de seu exemplar. Levou um susto ao deparar com a frase:  

“Ao irmão David Nasser, oferece Emmanuel”. 

- Que negócio é esse, Manzon, alguém revelou nossa identidade? 

O fotógrafo e o motorista também foram pegos de surpresa. Diante do mistério, os três fizeram um pacto de silêncio. A reportagem saiu sem aquele episódio.  


Segundo Nasser, a verdade, em jornalismo, era menos importante do que a verossimilhança. 

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