quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

O Brasil e uma minoria que acha que pode fazer o que quer


O Brasil está sendo tomado por uma minoria retrógrada, que na verdade se ascendeu ao poder na primeira metade dos anos 1970 com o AI-5 e o "milagre brasileiro", e que, 40 anos depois, se insurgiu quando via que seu poderio estava terminando e resolveu apoiar o golpe político de 2016.

Reduzido a um "balneário de espíritos atrasados", o Brasil está apegado a velhos paradigmas dominantes na sociedade civil dos anos 1970, seja o arrocho salarial, as privatizações, a bregalização cultural, a padronização visual nos ônibus, a impunidade aos feminicidas e assassinos de camponeses, ao moralismo religioso de "espíritas" e neopentecostais, ambos, pela forma com que se apresentam hoje, subprodutos da fé conservadora herdada do período ditatorial.

O apego é tão doentio que mesmo feminicidas idosos não podem ter sua doença noticiada, por soar "ofensivo", tamanho o medo de ver eles morrerem a qualquer momento. Pelo menos os EUA estão aprendendo a viver sem Charles Manson, os brasileiros é que ainda tremem de pavor só de imaginar Doca Street, Pimenta Neves e Darly Alves nas listas dos obituários mensais do Wikipedia.

No Brasil, uma minoria retrógrada acha que pode fazer o que quer. Pratica corrupção político-empresarial e não quer ser punida com isso. Promove a degradação do mercado de trabalho e quer receber aplausos por isso. Pessoas que matam os outros por nada também massacram seus organismos com drogas, álcool, má alimentação, remédios e fumo, e não querem morrer cedo mesmo com o corpo "pedindo pra cair".

O "alto da pirâmide" não quer cair. Os privilegiados de toda sorte, do porte de arma ao prestígio religioso, passando pela grana, pelo poder político e empresarial e pela visibilidade midiática, acham que não podem sofrer as consequências de seus atos. Se acham no Olimpo social que não pode ser destruído e ainda se passam por vítimas quando seus abusos produzem consequências negativas a seus executores.

O calote moral é grande, num cenário de degradação social e econômica. Empresas agora fazem abertamente a degradação do investimento em mão-de-obra, reduzindo salários e encargos, obrigando trabalhadores a aumentarem a carga horária para manter a remuneração de outrora, e tudo fica nisso. Processos trabalhistas agora parecem mais O Processo de Franz Kafka, pois, se o empregado processar o patrão por abusos trabalhistas e perder a causa, terá que pagar uma multa, caríssima (com valor de cinco ou seis dígitos para "custeamento jurídico), com o dinheiro que não tem.

A cultura popular foi privatizada e o que vemos não são artistas, mas subcelebridades que, entre uma música ruim e outra pior ainda, promovem sua fama e popularidade com factoides bestas que só servem para alimentar sensacionalismo. Para piorar, veteranos da decadência musical agora vendem a falsa imagem de "gênios da MPB", ainda que seja a constrangedora dupla Chitãozinho & Xororó lembrando a cover de "Evidências", do cantor brega José Augusto.

O "funk carioca" tenta promover uma imagem caricata da população pobre, difunde o machismo e a erotização, inclusive infantil, como "novos valores das periferias", e devolve as classes populares a padrões sociais anteriores a 1905, quando o Rio de Janeiro iniciou um processo de urbanização. Mesmo assim, o "funk" vende uma falsa imagem de "progressista" a ponto dos movimentos de esquerda se tornarem reféns do ritmo patrocinado pela Rede Globo e pela CIA.

No ramo da política, as ditas reformas, a trabalhista e a previdenciária - que incluem embustes como o "trabalho intermitente", a "terceirização total" e a "flexibilização dos acordos trabalhistas" - também são vendidas como "novidades", quando elas também retrocedem os padrões de mercado de trabalho até antes de 1888, embora sob o pretexto de dizer que a "CLT está velha, com 74 anos de existência". Trocar uma lei de 1943 pelos padrões de trabalho do século XIX não são "o novo".

OS "ESPÍRITAS" TAMBÉM FAZEM O QUE QUEREM

Os "espíritas" também estão nessa. A atual linhagem do "movimento espírita" se ascendeu nos últimos 40 anos, dentro da "fase dúbia" - o "kardecismo" ou "roustanguismo com Kardec", que bajula Allan Kardec mas segue as "lições" de Jean-Baptiste Roustaing - , e nunca os "espíritas" fizeram o que queriam, animados em não pagar pelas consequências, sofrendo mais calote moral do que políticos corruptos, latifundiários assassinos, feminicidas, banqueiros e especuladores financeiros.

Isso é grave. Se esses demais entes do "alto da pirâmide" gozam do mais puro calote moral - os banqueiros, por exemplo, com toda a riqueza nababesca que possuem, não sofrem um milésimo do ódio social que se reserva, por exemplo, aos petistas - , os "espíritas" levam isso às últimas consequências, o que permite um "médium" de decidir errar e não ser responsabilizado pelos próprios erros, ao menos a ponto de ter que enfrentar consequências que lhe são desagradáveis.

Os "espíritas" traem Allan Kardec o tempo todo, com igrejismo feito aos moldes do Catolicismo jesuíta que prevaleceu no Brasil no período colonial. Mas, hipócritas, os "espíritas" criticam a "vaticanização", condenam os "Constantinos" do "movimento espírita", bajulam Erasto, e têm o cinismo de se autoproclamarem "científicos" mesmo praticando o mais gosmento e mofado igrejismo.

O "espiritismo" virou um "vale-tudo" religioso, que em certos aspectos é pior do que as seitas neopentecostais derivadas do protestantismo evangélico. É certo que seitas como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Assembleia de Deus defendem o mais puro obscurantismo social, às custas de uma roupagem falsamente moderna, mas os "espíritas", embora mais sutis e dissimulados, não fazem coisa muito diferente, não.

O "espiritismo" brasileiro, que em seu histórico defendeu o golpe militar de 1964 e apoiou a ditadura até o fim - mesmo quando parte da direita passou a fazer oposição ao regime - , apoiou também o golpe político-jurídico de 2016, para tristeza das esquerdas que haviam demonstrado admiração pelos "médiuns espíritas".

O apoio dos "espíritas" ao golpe de 2016 é fato, seja pela definição de grupos como Movimento Brasil Livre (dos constrangedores Kim Kataguiri e Fernando Holiday) como "responsáveis pela regeneração da humanidade", pelo apelo aos sofredores à aceitação das desgraças - apoio subliminar às reformas trabalhista e previdenciária - , seja pela aparição de "médiuns espíritas" ao lado de políticos retrógrados como João Dória Jr. e o próprio Michel Temer.

Num contexto em que até a grande mídia noticia o que quer - não raro os noticiários antes confiáveis (embora sempre conservadores, parciais ou tendenciosos) apelam para as chamadas fake news, que hoje aparecem até numa Globo News ou Veja da vida - , grandes grupos de Comunicação como Globo, Folha e Abril expressam seu poder sem limites, além de concentrar o poder econômico de maneira impune e abusiva.

Na Bahia, a Rádio Metrópole - que tem como contratado o "médium" José Medrado - , do ex-prefeito de Salvador, Mário Kertèsz, segue um tendenciosismo diferente, preferindo cooptar os movimentos de esquerda para impedir que as esquerdas sigam livres no Estado.

Outras forças que também seguem abusando demais de seus privilégios e vantagens, como o Poder Judiciário / Ministério Público / Polícia Federal - a atuação da Operação Lava Jato se revelou um festival vergonhoso de irregularidades e violações à lei e aos direitos humanos - , e o mercado financeiro - os banqueiros e especuladores financeiros são os que mais dinheiro recebem no governo Michel Temer - , revelam o quanto poucos fazem o que querem no Brasil e não querem "pagar a conta".

O Brasil está sofrendo a "revolta do bolor", quando forças retrógradas tentam se fazer prevalecer no presente e no futuro. Movimentos ideologicamente retrógrados, que defendem de retrocessos econômicos, como a venda das riquezas naturais para empresas estrangeiras, à supremacia racial, como os grupos neonazistas, articulam a adesão de muitos jovens com mentes velhas que existem, num cenário absurdo em que o "velho" se traveste de "novo".

As redes sociais simbolizam isso, esse Brasil que não suporta ver o ano de 1974 terminar. O ano que representou, para as elites, um "parâmetro ideal para o Brasil", com a predominância de valores conservadores sobre os progressistas e moderado, mas firme, controle social das classes populares, nunca acabou de verdade e a influência de 1974 pode ter reduzido de uns anos para cá, mas o ano continua existindo na sua essência e na atuação abusiva e inconsequente de seus privilegiados.

Espera-se que 2018 represente o final de 1974, e que o "topo da pirâmide" tomado de mofo e bolor não tenha um novo Feliz Ano Novo da perpetuação de seus abusos, de seu poder e seus privilégios, e que seus detentores possam assumir as consequências de seus atos abusivos e parar com o calote moral de décadas. Afinal, enquanto uns fazem o que querem, outros perdem até o necessário para viver com dignidade.

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