quinta-feira, 11 de junho de 2015

Caso de roqueiro fictício explica a unicidade das encarnações


"Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um dia", escreveu Nelson Motta no poema musicado por Lulu Santos, "Como uma Onda", que os "espíritas" cantarolam felizes sem saber do que diz a letra.

Eles mesmos, os "espíritas", são muito insensíveis a respeito das mudanças do tempo. Pouco se importam se pessoas de perfil diferenciado morrem cedo, deixando uma missão por fazer, porque pensam que reencarnação é tudo igual, é um sofrer aqui e ser consolado acolá, um pecado ali e um perdão mais adiante, etc.

O "movimento espírita" subestima a vida material e isso não o impede de ser materialista. Parece contradição, mas não é, a de que os materialistas são os que menos valorizam a vida material, porque para eles o espírito e a matéria estão em conflito e a vida material não serve, sob este ponto de vista, senão como uma forma qualquer de sobrevivência sob condições até rasteiras.

Por isso há o desprezo à qualidade de vida e o pouco caso que se faz com as lutas do cotidiano, a superação das injustiças e a busca por prazer. O "espiritismo" parece que só vê a "vida futura" e para seu moralismo conservador tanto faz viver de qualquer modo. E seu "ativismo" se limita tão somente à apologia do sofrimento e à "caridade" paliativa das esmolas aos pobres.

Daí que os "espíritas" acreditam que, só porque existem várias encarnações, se pode viver a mesma coisa e ter os mesmos planos na encarnação seguinte. Não faz em uma, faz em outra, só esperar uns 20 e tantos anos entre a desencarnação precedente e a maioridade na encarnação posterior. Só que não é bem assim que acontece.

Se dentro da própria encarnação, sabemos que o tempo dá muitas voltas e até decepções se encontram no caminho - aquela paixão de adolescência que se casou com outro alguém, aquele amigo de infância que se drogou, o colega de trabalho que o traiu - , fora casos em que moradores de certas áreas deixam suas casas em ordem e, após um furacão, voltam e veem tudo destruído.

O próprio Nelson Motta já não é mais aquele jornalista moderno e vanguardista que atuou nos anos 1960, 1970 e 1980 e o autor de versos como "agora há tanta vida lá fora e aqui dentro" é membro do ultraconservador Instituto Millenium, onde pensadores neo-medievais como Olavo de Carvalho são considerados membros de honra.

O CASO DO ROQUEIRO FICTÍCIO

Vamos citar um caso do roqueiro fictício que faleceu nos anos 1980 e, reencarnando pouco tempo depois, tentou seguir os mesmos projetos de carreira. Daremos um nome imaginário, Zé Luau, pedindo desculpas se há alguém na vida real com esse codinome, já que aqui não nos relacionamos com qualquer referência ligada a personagens reais.

Zé Luau, digamos, era um rapaz nascido em 1957, que desde os 20 anos batalhava para consolidar sua carreira musical como cantor e guitarrista numa banda carioca de rock, Marcianos de Saturno (espera-se também não haver uma banda já com esse nome na realidade).

O grupo estava com um repertório autoral trabalhado desde 1978, depois que o grupo iniciou carreira tocando covers de Beatles, Rolling Stones, Who, Thin Lizzy, King Crimson, Jimi Hendrix, Led Zeppelin, Deep Purple e dos brasileiros Raul Seixas e Sá, Rodrix e Guarabyra. Era um hard rock beirando ao new wave que começava a ser descoberto na época.

O grupo havia gravado umas quatro demos e uma amostra de uma apresentação ao vivo, tudo de forma caseira e vigorosa. Seus músicos eram culturalmente bem informados e eles decidiram, em 1982, enviarem material para a Rádio Fluminense FM, de Niterói, emissora especializada (mesmo) em cultura rock (autêntica).

As músicas tinham alta rotação e, quando o grupo estava para ser convidado para uma entrevista na rádio, juntamente com a notícia de uma proposta de uma gravadora para lançar compactos e LP, Zé Luau morreu, com apenas 25 anos, num acidente de moto, na altura do Baixo Leblon. Sem ele, o grupo acabou e seus músicos foram se dedicar a outras atividades.

Aí Zé Luau reencarna em 1987 e, com 20 anos de idade, depois de uma certa batalha na vida, decide formar uma banda de rock, os Caramelos Azedos. Como reencarnado, adota o codinome Cacá Ameixa. É certo que o talento de guitarrista se assemelha com o de sua encarnação anterior, mas ele vê que o cenário não é mais o mesmo.

De que adianta ver o Leblon com garotas saradas, surfistas espertos, gente ébria, fumando ou se drogando, pessoas falando palavrão e contando piadas, se o contexto é realmente outro? Cacá Ameixa mal consegue absorver a influência dos Beatles nos Caramelos Azedos, que mal conseguem saber a diferença entre Guns N'Roses e Led Zeppelin (dando preferência ao primeiro, aliás).

A informação musical de seus colegas é bastante rasteira e superficial. Mal conseguem saber os acordes de "Smoke on the Water", única música que conhecem do Deep Purple. Até a Legião Urbana lhes é pouco conhecida, senão pelos grandes sucessos. E Cacá Ameixa tem que caprichar em ser um excelente guitarrista tocando composições mornas feitas com os demais músicos.

E, para divulgar o trabalho? Aí que a coisa mudou de vez. O que era a Fluminense FM virou uma rádio de notícias. Mandar demo para Ricardo Boechat não seria uma má ideia, mas ele não iria tocá-la na rádio e talvez passasse adiante para algum parente ou amigo. O que fazer?

Aí, em 2014, ano em que Cacá Ameixa tem a oportunidade de seguir o trabalho que ele, como Zé Luau, havia interrompido em 1982, a única rádio que toca rock é uma emissora medíocre, chamada Rádio Cidade (a mesma que era FM pop em 1982), cuja equipe não tem vocação nem qualquer tipo de especialização ou identificação natural com o rock.

Se ele divulgar a demo, a Rádio Cidade irá tocar apenas em alguns horários. E, além do mais, até o tipo de locução nada tem a ver com as vozes de gente de verdade da Fluminense, mas com o estilo afetado de locução pop, com aquele timbre constrangedor de animador de festas infantis.

Para piorar, esses locutores, que não entendem bulhufas de cultura rock, poderão mesmo assim dar seu pitaco dizendo que os Caramelos Azedos deveriam soar meio Foo Fighters, meio Red Hot Chili Peppers e o vocalista teria que cantar como se fosse uma versão comportada do Supla.

A primeira entrevista que tiveram a oportunidade de ter na Rádio Cidade foi num programa de humor, Hora dos Perdidos, e Cacá Ameixa só recebeu perguntas idiotas sobre o nome da banda e sobre quais são os times de futebol carioca que os integrantes torcem. Nenhuma pergunta visceral ou substancial sobre rock.

Isso é uma piora e tanto de uma encarnação para outra. Uma queda de qualidade muito grande de um contexto sócio-cultural. E o pior que a Rádio Cidade persiste no mercado de radialismo rock sem ter 0,0000001% da competência e da vocação da antiga Fluminense. E, mais terrível ainda, não há uma reação organizada e firme contra a Cidade. Com um Rio de Janeiro "bovino" como o de hoje...

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