sábado, 6 de junho de 2015

A lição de humanismo de Roger Waters

O BAIXISTA ROGER WATERS (E), AO LADO DO GUITARRISTA SYD BARRETT, NOS PRIMÓRDIOS DO PINK FLOYD, EM 1965.

Dias atrás, o músico inglês Roger Waters, que havia sido integrante do extinto grupo Pink Floyd, deu uma grande lição de humanismo com sua preocupação com a carnificina que acontece há décadas contra o povo palestino.

A política sanguinária de Israel, país-cliente (ou seja, país subordinado) dos EUA e seu projeto imperialista de controlar as reservas de petróleo no Oriente Médio, promove atentados terroristas e anexações territoriais abusivas, oprimindo e exterminando os povos palestinos sob o pretexto de combater o terrorismo de uns poucos fundamentalistas radicais.

No meio do caminho morre todo mundo: políticos, ativistas, trabalhadores, religiosos, ateus, mulheres, crianças, homens, jovens, idosos, mendigos, desempregados etc. Quem está no caminho dos atentados perde a vida de qualquer jeito, até os próprios terroristas aceitam morrer para exterminar quem estiver à sua frente.

Os israelenses até conseguiram uma conquista digna que é a criação do Estado de Israel, como foi denominada a nação considerada prometida pelos judeus. Mas Israel, logo depois, se subordinou à influência política dos EUA e impedem que o povo palestino também conquista a sua própria nação.

Que nações são divisões terrenas, isso é verdade. Mas admite-se que a religião, vista como cultura, possa influir na delimitação de países ou outros tipos de territórios. Se a cultura religiosa é um critério social de juntar um tipo de povo, e se essa opção é compartilhada por uma expressiva maioria de pessoas, isso é até saudável.

E o povo palestino sofre por não ter uma nação, que pudesse representar um espaço para sua cultura e seus modos de vida. E infelizmente o domínio de Israel, antes um símbolo da conquista do povo judeu, hoje um "serviçal" do imperialismo norte-americano, não reconhece essa necessidade, principalmente agora, sob a gestão do autoritário premiê Benjamin Netanyahu.

Ativistas tentam chamar a atenção da opinião pública sobre as atrocidades de Israel contra os palestinos. E o músico inglês Roger Waters decidiu chamar a atenção dos brasileiros Caetano Veloso e Gilberto Gil para que eles boicotassem a apresentação em Tel Aviv, prevista para o próximo dia 28. Uma carta aberta foi escrita pelo inglês apelando para os baianos aderirem à causa.

Aparentemente, as assessorias dos dois músicos negaram que eles tivessem interesse em boicotar Israel. A declaração decepcionou muitos fãs de MPB, que já não achavam Caetano e Gil tão "sagrados" quanto antes. E hoje, época de crise da MPB e da música brasileira como um todo, há quem já esperasse essa posição passiva de não boicotar uma apresentação em Israel.

Roger, no entanto, agiu de forma humanista, e deu um banho até mesmo no "movimento espírita" brasileiro que, metido a humanista, se limitaria a dizer que os israelenses "se esquecem dos ensinamentos do Cristo" e que o povo palestino é "reencarnação de antigas milícias sanguinárias que agiram na Judeia e adjacências".

Vamos ler então a carta de Roger Waters e seu apelo para que Caetano e Gil boicotassem um festival de música em Tel Aviv, como um protesto contra a opressão sanguinária das forças israelenses contra o povo palestino. Vamos lá:

CARTA ABERTA DE ROGER WATERS A CAETANO VELOSO E GILBERTO GIL

Caros Caetano e Gilberto,

Quando olho para suas fotos, escuto suas músicas, leio a história de suas lutas pessoais e profissionais, lembro de todas as lutas de todos os povos que resistiram a um domínio imperial, militar e colonial através do milênio, que lutaram pelos aprisionados e pelos mortos. Nunca foi fácil, mas sempre foi certo.

Em uma de suas músicas, Gil, você menciona o arcebispo Desmond Tutu. Eu não falo português, mas assumo que vocês dois aplaudam a resistência do arcebispo Tutu ao racismo e ao apartheid que acabaram derrubados na África do Sul. Eram dias impetuosos, quando a comunidade mundial de artistas estava lado a lado com seus irmãos e irmãs oprimidos na África. Nós, os músicos, lideramos o levante naquele momento, em apoio a Nelson Mandela, a ANC, ao povo africano oprimido e a todos os aprisionados e mortos.

Estamos diante de uma oportunidade igualmente significativa agora. Estamos em um ponto culminante. Aqueles de nós que estamos convencidos que o direito a uma vida humana decente e à autodeterminação política devem ser universais estamos, em consonância com 139 nações da Assembleia Geral da ONU, focados na Palestina.

Após o ataque brutal de Israel à população palestina de Gaza, no último verão, a opinião pública, acertadamente, pendeu a favor das vítimas, a favor dos oprimidos e dos sem privilégios, a favor dos aprisionados e mortos.

O primeiro-ministro de Israel, Netanyahu, com seu governo de extrema-direita, lembra-me da história da "Nova roupa do imperador"; com certeza nunca houve um gabinete mais exposto em sua calúnia como este. Eles se condenam mais a cada fôlego, a cada discurso racista. "Olha, mamãe, o imperador está nu!"

Tive a oportunidade, recentemente, de escrever uma carta a um jovem artista inglês, Robbie Williams; eu compartilhei com ele o destino de quatro jovens palestinos que jogavam futebol numa praia de Gaza, mortos por artilharia israelense. Por que eu traria à tona uma praia e futebol? Por quê? Porque eu amo o Brasil, eu tenho a praia de Ipanema nos olhos da minha mente; eu lembro de shows que fiz em São Paulo, Porto Alegre, Manaus e Rio. Como poderia esquecê-los? Eu tenho uma camiseta de futebol, assinada: "para Roger, de seu fã Pelé".

Quando estive aí pela última vez, uma criança inocente tinha acabado de ser morta, arrastada por um carro dirigido por criminosos que escapavam da cena do crime. O remorso nacional era palpável, era todo abrangente, vocês, todos vocês, importavam-se com aquela pobre criança. De tantas maneiras, vocês são um foco de luz para o resto do mundo.

Como vocês sabem, artistas internacionais preocupados com direitos humanos na África do Sul do apartheid se recusaram a atravessar a linha de piquete para tocar em Sun City. Naqueles dias, Little Steven, Bruce Springsteen e cinquenta ou mais músicos protestaram contra a opressão cruel e racista dos nativos da África do Sul. Aqueles artistas ajudaram a ganhar aquela batalha, e nós, do movimento não-violento de Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS) pela liberdade, justiça e igualdade dos palestinos, vamos ganhar esta contra as políticas similarmente racistas e colonialistas do governo de ocupação de Israel. Vamos continuar a pressionar adiante, a favor de direitos iguais para todos os povos da Terra Santa. Do mesmo modo que músicos não iam tocar em Sun City, cada vez mais não vamos tocar em Tel Aviv. Não há lugar hoje no mundo para outro regime racista de apartheid.

Quando tudo isso acabar, nós iremos à Terra Santa, cantaremos nossas músicas de amor e solidariedade, olharemos as estrelas através das folhas das oliveiras, sentiremos o cheiro da madeira queimando das fogueiras de nossos anfitriões, estimaremos essa lendária hospitalidade.

Mas, até que isso termine, até que todos os povos sejam livres, nós vamos fincar nosso emblema na areia, há uma linha que não cruzaremos, nós não vamos entreter as cortes do rei tirano.

Caros Gilberto e Caetano, os aprisionados e os mortos estendem as mãos. Por favor, unam-se a nós cancelando seu show em Israel.

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