segunda-feira, 23 de outubro de 2017

E se Aécio Neves fosse um "médium espírita"?

AÉCIO NEVES: O LÍDER QUE CHICO XAVIER SONHOU PARA COMANDAR O "CORAÇÃO DO MUNDO E PÁTRIA DO EVANGELHO"?

Na semana passada, Aécio Neves escapou de ser afastado do Senado Federal e continuar sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal por acusações de corrupção e outros crimes de ordem político-financeira. No entanto, ele saiu tão desgastado que as chances dele voltar a assumir a presidência de seu partido, o PSDB, se tornam cada vez menores.

Aécio Neves, neto do político Tancredo Neves, não tem a mesma trajetória digna do avô. É certo que Tancredo cometeu erros e tinha defeitos, mas nada comparável com o apetite desmensurado pelo poder de seu neto, que, derrotado nas eleições de 2014, articulou um golpe político com o deputado federal Eduardo Cunha e o vice-presidente da rival Dilma Rousseff, Michel Temer, para tirar a presidenta do poder.

Aécio Neves é acusado de envolvimento em diversos esquemas de corrupção, seja no âmbito local de Minas Gerais, seja no âmbito nacional, seja específico do PSDB, como a compra de votos para a emenda da reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso, nos anos 90, seja nos esquemas tucanos do "mensalão" e do "petrolão" (este alvo de investigação da Operação Lava Jato).

Apesar disso, Aécio Neves sempre foi beneficiado pela blindagem da Rede Globo e da sociedade plutocrata em geral, sempre ávida em procurar um perfil de político "bonitão" e considerado "moderado" (eufemismo para "conservador") para assumir no futuro a Presidência da República.

Depois de Fernando Collor de Mello, as elites encontraram problemas para defender futuros "moderados", de 1990 para cá, dois possíveis candidatos a políticos "moderados" que poderiam ter algum carisma, como Luís Eduardo Magalhães, filho de Antônio Carlos Magalhães, e Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco, morreram prematuramente, em 1998 e 2014, respectivamente.

Sob a ótica do "espiritismo" brasileiro, Aécio Neves se encaixa nas expectativas que o "médium" Francisco Cândido Xavier expressava sobre o governante do "Brasil futuro", definido pelo religioso como "coração do mundo e pátria do Evangelho". Aécio Neves é profundo admirador de Chico Xavier, e é possível que a recíproca ocorresse. Se estivesse vivo em 2014, Chico Xavier apoiaria Aécio Neves para a Presidência da República.

Chico Xavier também é alvo, mesmo postumamente, de forte blindagem da grande mídia e da sociedade. Só foi hostilizado pelas Organizações Globo até os anos 1960, quando a corporação da família Marinho era respaldada por católicos ultraortodoxos (devemos nos lembrar que Chico era católico ortodoxo, mas dotado de aparente paranormalidade). Mas a partir da década de 1970, Chico Xavier virou um protegido da Rede Globo.

Desde então, os "médiuns espíritas" passaram a ser blindados, sustentados pela mesma mitologia que se construiu para Madre Teresa de Calcutá a partir do documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), do inglês Malcolm Muggeridge. O roteiro de Muggeridge, que sugeria um padrão conservador de "bondade humana", que estabeleceria o domínio social sobre as populações pobres, praticamente sustenta o bom-mocismo dos "médiuns" brasileiros.

Recentemente, o "médium" Divaldo Franco se envolveu numa enrascada. Organizando o encontro Você e a Paz em São Paulo, ele decidiu dedicar o evento ao prefeito de São Paulo, João Dória Jr.. Só que Dória, além de não ser carismático, estava sofrendo uma grave decadência política, e no evento decidiu lançar, sob o consentimento da organização do Você e a Paz, um alimento de valor nutricional, ético e social duvidoso, a "farinata", depois denunciada pelos movimentos sociais.

A adesão de Divaldo Franco a esse alimento, condenado por entidades nutricionais sérias, foi uma postura gravíssima e potencialmente fatal para os "espíritas", o que poderia ter causado um escândalo de grandes proporções. Mas a blindagem da grande mídia a Divaldo, como seria a qualquer "médium", é de fazer inveja a qualquer figurão do PSDB, devido ao silêncio absoluto que se fez à sua participação no evento.

Nem o fato de João Dória Jr. ter divulgado o perigoso alimento (que, feito de restos de comida de procedência duvidosa, podem causar desnutrição e intoxicação alimentar, com consequências que podem ser fatais) ostentando o tempo todo a camiseta do Você e a Paz, com o crédito do nome de Divaldo Franco e tudo, despertou a atenção dos jornalistas.

Mas, ainda que essa blindagem partisse da Globo, da Folha ou da Abril - que, novamente, tenta vender a encalhada edição especial de Superinteressante com Chico Xavier - , é compreensível, porque a mídia conservadora protege os "médiuns espíritas" como se fossem "sacerdotes sem batina", num esforço de neutralizar a ascensão das seitas evangélicas de tendência pentecostal, que já contam também com uma parcela de veículos midiáticos de propriedade direta (Record) ou indireta (arrendamento de espaços).

O problema é quando a imprensa de esquerda, que serve de contraponto para o discurso oficial da mídia hegemônica e é capaz de investigar os bastidores do circo político-midiático conservador, sem medo de desafiar totens consagrados, torna-se, no entanto, impotente diante dos "médiuns espíritas", por mais que estes sejam blindados pela Rede Globo e representem um padrão de "bondade humana" que está mais próximo da teledramaturgia "global" do que da realidade em que vivemos.

Imagine uma festa na qual algum convidado, que recebe as maiores homenagens, apresenta uma ideia absurda que depois se reconhece prejudicial a um grande número de pessoas. É certo que esse convidado tem culpa pelo seu ato, mas o anfitrião não pode ser inocentado, porque ele mesmo decidiu homenagear o convidado, mesmo tendo condições prévias de conhecer o embuste e cancelar a homenagem por isso.

O agravante do apoio de Divaldo Franco a uma comida potencialmente estragada é que o "médium" mantém uma reputação, ainda que postiça, de "sábio", o que sugeria que ele pudesse ser advertido pelos benfeitores espirituais da farsa alimentícia do prefeito da capital alimentícia, o que o faria decidir pelo cancelamento da homenagem.

Mesmo que isso fosse causar um conflito com católicos e evangélicos, sobretudo a Arquidiocese de São Paulo, na pessoa do arcebispo dom Odilo Scherer, isso seria compreensível para os seguidores de Divaldo, se fizesse realmente sentido a imagem de "líder" que o "médium" exerce não só entre os "espíritas", mas também entre os que não seguem essa religião. Seria criada uma polêmica, mas com efeitos bem menos danosos do que o consentimento de Divaldo à "ração humana".

Com o consentimento, Divaldo Franco foi para os mais baixos planos de sintonia espiritual, derrubando de vez a imagem de "sábio", "ativista", "pensador espírita" e outras qualidades "iluminadas". Como um "humanista" vai apoiar um projeto alimentar que trata o pobre faminto de maneira desumana, equiparado a um cachorro de rua?

Vêm à tona até mesmo as lembranças de que o espírita autêntico, o jornalista Herculano Pires, certa vez definiu Divaldo como um "impostor", episódio hoje abafado pelo "espiritismo" brasileiro. Mas a blindagem da grande mídia a Divaldo Franco agora espera que a "farinata" caia no esquecimento e o "médium" volte à imagem "divinizada" que sempre o consagrou.

Só que o silêncio dado ao episódio acaba expressando também a decadência da sociedade que prefere proteger ídolos religiosos do que a humanidade como um todo. As esquerdas acabam sendo cúmplices, e essa complacência a pessoas ou instituições que, em sua propaganda, apresentam imagens de pobres sorridentes, revela o quanto as esquerdas são vulneráveis a certas armadilhas.

O caso do "funk" mostra o quanto as esquerdas morderam a isca e deixaram o governo Dilma Rousseff ser ceifado de graça. A ilusão de que o "funk" é "progressista" pela suposta associação à "felicidade do povo pobre", mesmo quando o gênero não passa de um subproduto do poder midiático, apoiado abertamente pela Rede Globo, fez os movimentos sociais serem esvaziados, porque a população pobre deixou o ativismo social para "descer até o chão".

A imagem dos "médiuns espíritas" acaba sendo dominadora e isso é terrível. A imagem associada a crianças negras e pobres sorrindo, paisagens floridas, céu azul com nuvens brancas e sol, nas quais se inserem retratos do respectivo "médium" e suas frases, todos esses apelos dóceis acabam seduzindo as pessoas como se fossem cantos-de-sereia modernos.

Ficamos imaginando se Aécio Neves, que é da mesma geração do "médium" José Medrado, conterrâneo de Divaldo, tivesse sido um "médium espírita", mesmo com toda a atividade política que exerce.

Imagine Aécio lançando livros "mediúnicos", dizendo frases de efeito sobre "lições de vida", associado a imagens "amorosas" e exercendo atividades supostamente filantrópicas, mesmo que elas sejam também fonte de seu conhecido esquema de corrupção. Talvez a blindagem de Aécio se tornasse completa e a execração popular, num país em que "médiuns" fazem o que querem e nem de longe respondem por seus atos, fosse bastante minimizada. É triste, mas é a nossa realidade.

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