quarta-feira, 20 de setembro de 2017
Arrivismo: uma receita de sucesso?
O Brasil tem um hábito estranho. É a teimosia de aventureiros de qualquer causa se projetarem através de uma trajetória cheia de graves erros, impasses e encrencas, e depois de conquistar o que queriam, passam a bancar os "certinhos", menos por aprenderem as lições do que por saberem o que fazer para levar vantagem.
Há muitos exemplos nesse sentido, o que faz com que uma parcela de pessoas, de uma forma associadas a valores retrógrados, se aventurem em alguma causa considerada de vanguarda, buscando obter visibilidade, causar impressão e obter privilégios, além de evitar ser tragado por alguma decadência que tornasse os valores retrógrados originais obsoletos.
Esse é um tipo muito comum do que se considera ser o arrivismo, um método de ascensão social movido pelas conveniências e pelas ambições, nem sempre por métodos ou posturas corretos. É um tipo de aventureiro social que busca atingir uma meta da qual não se identifica necessariamente, mas da qual depende de um vínculo permanente para obter vantagens pessoais.
Isso não deve ser confundido com as mudanças eventuais que pessoas que antes defenderam valores ultrapassados adotam ao perceber que os valores mais avançados valem mais a pena. Mas o contexto pode discernir as pessoas que, originalmente defensoras de valores ultrapassados, mudam por verdadeiro aprendizado e outras que apenas embarcam em valores avançados para obter visibilidade e prestígio social.
No entanto, num Brasil marcado pelas acrobacias retóricas que fazem com que até direitistas se apropriando de causas de esquerda se esforcem para parecer "esquerdistas exemplares", e fazem muitos machistas violentos conseguirem conquistar novas namoradas surpreendentemente inteligentes, emancipadas e feministas, os arrivistas sempre vestem a capa daqueles que "aprenderam novos valores e mudaram de verdade".
Quantas atitudes hipócritas, que deixam passar algum posicionamento mais retrógrado, surgem de repente, fazendo o arrivista se arrepiar diante de uma ameaça de encrenca, pondo sua causa oportunista a perder. Quantos impulsos do caronista vindo da retaguarda aos "excessos" dos vanguardistas são dados, criando sérios problemas que, com muito custo, o arrivista tenta abafar e passar por cima.
O Brasil é um país em que o penetra luta para ser o convidado vip de uma festa. O país tem o vício de sempre negociar novidades com forças velhas, não tem uma tradição de romper com valores obsoletos, preferindo condicionar valores novos sempre ao agrado de forças retrógradas que querem permanecer no poder, com uma parcela delas se apropriando e buscando um vínculo tendencioso com o novo.
O arrivista tenta parecer flexível, volúvel, como um canastrão circunstancial. O canastrão é um incompetente que finge que quer aprender tudo, se dizendo pronto para qualquer aventura. E o arrivista é uma espécie de "canastrão de vanguarda", aquele que fura a fila da realidade para se aventurar numa causa em que não se identifica mas na qual deseja ter vínculo permanente por pura vantagem.
O Espiritismo foi vítima desse vício brasileiro. E criou arrivistas como Francisco Cândido Xavier, um católico ortodoxo que passou a ser, de maneira bem arrivista, um suposto guia da doutrina originária da França.
Retrógrado e ultraconservador, Chico Xavier foi o maior arrivista do Brasil, ele mesmo criando confusões, agindo errado, às vezes por influência de outrem, mas não raro sob decisão e vontade próprias, com a exata consciência de seus atos.
Ele deturpou a Doutrina Espírita de forma gravíssima, com efeitos devastadores e danosos, emporcalhando o legado espírita original e desqualificando o trabalho árduo que, no passado, foi feito por Allan Kardec. Foi algo feito, sim, com muito propósito, e não pode ser visto como acidente, porque foi feito para um público muito grande e durante muitos anos e através de muitas obras.
A deturpação do Espiritismo por Chico Xavier e seguidores, dos quais se destaca Divaldo Franco, não pode, de forma alguma, ser considerada "um errinho de nada" ou um efeito acidental de incompreensão. Se fosse realmente uma mera incompreensão, porque essa "incompreensão" foi mantida durante muito tempo e espalhada para multidões através de um grande acervo de obras?
Os dois "médiuns" já haviam sido alertados da deturpação há muito tempo. Eles mesmos "catolicizaram" o Espiritismo com muito propósito e consciência plena de seus atos. Se tivessem cometido um acidente de incompreensão, não teriam lançado tantas obras, por muito tempo e com grande repercussão, com conteúdo abertamente igrejista e moralista conservador.
Mas, como arrivistas, os "médiuns" também tentaram dissimular - o arrivista é alguém que costuma dissimular muito suas posturas, até para ocultar aspectos retrógrados de sua personalidade e seus pontos de vista - e eles tentaram expor, na aparência discursiva, a correta teoria kardeciana, como se quisessem "provar" que "aprenderam a lição".
A complacência social acaba cedendo e danoso é aquele vanguardista que dá ouvidos a um arrivista, dando-lhe visibilidade às custas de um figurão mais moderno e avançado. O "espiritismo" brasileiro, mesmo com conteúdo medieval, igrejista, mistificador, mitificador e cheio de devaneios religiosos retrógrados, conseguiu, de arrivismo em arrivismo, passar uma falsa imagem de "progressista", "científico", "racional" e "moderno", aliciando os mais modernos setores da sociedade civil.
Isso é muito ruim, porque o arrivista, num dado momento, acaba sempre freando e evitando as transformações sociais necessárias, minimizando seus efeitos e mantendo intatas as estruturas de poder vigentes. Mesmo que personalidades retrógradas possam ir à ruína, a ação de arrivistas minimiza esses danos, na medida em que permite que aventureiros das novas causas sempre apareçam para levar vantagem e fingir solidariedade ao "novo".
E é isso que, no caso do "espiritismo", cria a doce ilusão de que os próprios deturpadores atuarão na recuperação das bases doutrinárias espíritas originais. A promessa de "aprender a lição" volta à tona, diante da profunda crise vivida pelo "movimento espírita", e existem até arrivistas que forçam a barra, apelando, da boca para fora, para "não só aprender Kardec, mas viver Kardec no dia a dia!".
Sim, existem demagogos que forçam a barra em simular uma postura "plena" da causa que não se identificam. Quantos "espíritas" falam mal da "vaticanização" que eles mesmos praticam, com muito entusiasmo! Quantos deturpadores falam em "viver Kardec", e que, com sua dramaticidade oratória, muitas vezes pomposa mas em outras "mais simples", evocam aquilo que nem se dispõem a fazer, que é a recuperação das bases espíritas originais.
É sempre a mesma desculpa da raposa prometer reconstruir o galinheiro. E quantas raposas se fazem de moradoras do galinheiro, como se já tivessem nascido galinhas! Esse é o problema do arrivismo que sempre brecou as transformações sociais, mantendo o Brasil num atraso social que não só tem dificuldades de ser mantido como ameaça retroceder cancelando os poucos avanços sociais conquistados ao longo dos tempos.
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