quinta-feira, 30 de junho de 2016

O "funk" e sua mania de coitadismo

MC LEONARDO, EX-PRESIDENTE DA APAFUNK

O "funk" é uma espécie de Chico Xavier da música brasileira. Retrógrado, se faz de progressista e, irregular, quer o reconhecimento pleno da sociedade e nenhum questionamento a respeito. Desde uns quinze anos atrás o "funk" vive essa mania de coitadismo que, à sua maneira, viveu o anti-médium mineiro e hoje é trabalhado por herdeiros e seguidores.

O "funk" sofreu a mais nova repercussão negativa com o recente episódio do estupro coletivo de uma jovem no Rio de Janeiro, alguns de seus 33 estupradores haviam citado uma música de "funk proibidão", o sucesso "Mais de 20 Engravidou", do ex-crooner da Furacão 2000 (equipe que tendenciosamente pegou carona numa manifestação a favor de Dilma Rousseff), MC Smith, que jura só "mostrar a realidade das periferias".

Diante disso, um dos maiores ideólogos do gênero, o ex-presidente da APAFUNK (Associação de Profissionais e Amigos do Funk), MC Leonardo, tentou argumentar sobre o caso, dizendo que o "funk" não "veio de Marte", e por isso é "machista, patriarcalista e erotizado" por causa da sociedade.

O "funk" é um ritmo muito estranho. Surgiu de uma ruptura de DJs emergentes da noite suburbana carioca, como DJ Marlboro e Rômulo Costa (dono da Furacão 2000), com as lições do antigo funk de James Brown e derivados. Reduzido a um primário karaokê, o chamado "funk carioca" sucumbiu a um rigoroso formato estético que só era mudado conforme as circunstâncias e a vontade dos DJs.

O ritmo sempre foi comercial e nunca teve pretensões artísticas nem culturais. Era só entretenimento, como se espera em qualquer pop dançante em todo o planeta. Mas, nos últimos 15 anos, o "funk" passou a sofrer uma intensa e forte blindagem intelectual, que criou um discurso que passou a monopolizar toda narrativa relacionada ao gênero: uma suposta etnografia de conteúdo ativista que era tida como vinculada à realidade das periferias.

O discurso chegava a penetrar setores das esquerdas, o que travou boa parte do debate em torno dos problemas culturais no Brasil. Afinal, o "funk" abordava as classes populares de maneira caricatural e estereotipada, mas analisar essa problemática era vista como "preconceito". Ou seja, contraditoriamente, o "funk" queria combater o preconceito mantendo uma visão preconceituosa sobre as classes populares.

O "funk" tenta penetrar na mídia esquerdista pela porta dos fundos. Seja pela atuação de jornalistas e intelectuais solidários, como Pedro Alexandre Sanches (descrito por especialistas como discípulo não-assumido de Otávio Frias Filho, da Folha de São Paulo) e pelo próprio MC Leonardo, a manobra tenta disfarçar o real vínculo histórico em que o "funk carioca" se consolidou: sua aliança com as Organizações Globo.

Muito antes dos ídolos do "funk" se passarem por "discriminados pela grande mídia", coisa que nunca foram, eles estabeleciam parcerias com veículos das Organizações Globo, como a gravadora Som Livre e a hoje extinta emissora carioca 98 FM.

A popularização do "funk" também teria sido feita por programas da Rede Globo de Televisão, como o Xou da Xuxa e Caldeirão do Huck, considerados por estudiosos da Comunicação como dois dos maiores instrumentos de manipulação do inconsciente coletivo pela rede televisiva, juntamente com o Jornal Nacional.

Apesar disso, os partidários do "funk" alegam que isso é "mera coincidência". Mesmo assim, até MC Leonardo, que tem coluna no periódico esquerdista Caros Amigos, também foi beneficiado pelas Organizações Globo: seu antigo sucesso com o irmão MC Júnior, "Rap das Armas", foi resgatado pelo cineasta José Padilha para a trilha sonora do filme Tropa de Elite.

Padilha é um dos membros do Instituto Millenium, composto por integrantes do establishment da mídia ultraconservadora, dos quais se destacam Pedro Bial, Rodrigo Constantino, Otávio Frias Filho, Guilherme Fiúza, entre outros. O Millenium é uma espécie de clube do qual são também sócios ou membros honorários nomes como Merval Pereira, Reinaldo Azevedo e até a blogueira cubana Yoani Sanchez.

Mesmo assim, o ritmo carioca que não incomoda gente como Luciano Huck e Danilo Gentili tenta se desvincular, no discurso, do poder midiático, com MC Leonardo na Caros Amigos superestimando a abordagem dos noticiários policialescos como a única maneira da grande mídia abordar o "funk".

No texto "Deixem o Funk em Paz!", um "indignado" MC Leonardo não conseguia explicar por que estava preocupado com a culpabilização do "funk" no caso do estupro coletivo. Entra em contradição dizendo que o "funk" é apenas reflexo da sociedade em que se vive, e quer eximir o gênero das responsabilidades que assumiu quando fazia um discurso apologético.

O que se observa no discurso dos defensores do "funk" é esse rodízio de contradições. Quando as circunstâncias e as abordagens são agradáveis, o "funk" se diz "com um compromisso de transformar a sociedade". Mas diante de aspectos negativos, o "funk" que se dizia responsável por se mobilizar contra os problemas sociais, não quer se responsabilizar por tal omissão.

É a mesma mania de coitadismo. "Querem incriminar o funk", lamentam seus defensores. Mas isso reflete na verdade, uma série de contradições e equívocos para um ritmo que nunca deveria ter adotado um discurso ativista nem militante, se apropriando de referenciais que nunca lhe foram próprios, da Semana de Arte Moderna de 1922 ao punk rock.

O "funk" sempre se pautou pela mediocridade sonora. Musicalmente ruim, dizendo de forma mais direta. Ele sempre foi um projeto ideológico de DJs associados com a Rede Globo, com o governo Fernando Collor e seus políticos fluminenses associados - "bailes funk" dos anos 1990 eram patrocinados por vários políticos da Baixada Fluminense - para abordar de forma caricatural a "realidade" das classes populares.

Até mesmo o discurso de "periferia", segundo apontam especialistas diversos, revela que o discurso intelectual que passou a fazer apologia ao "funk" remeteu a uma ideia vinculada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que estabeleceu teorias econômicas e sociológicas que foram a base do seu neoliberalismo, definindo sociedades subdesenvolvidas como "periferias".

O vínculo conservador do "funk" mostra o quanto a sociedade pobre era vista como se sua pobreza, ignorância e associação aos valores retrógrados é "fatalista": mesmo o suposto feminismo de suas intérpretes era vinculado aos padrões machistas de "mulher-objeto" ou, quando muito, a um sentimento de misandria (aversão a homens), que mais parece uma sutil campanha depreciativa à formação de estruturas familiares.

Essa campanha inverte as coisas, criando uma heterofobia quando a verdadeira defesa da causa LGBT não requer uma rejeição das estruturas familiares tradicionais (marido, mulher e filhos). O verdadeiro ativismo LGBT apenas pede a aceitação de novas estruturas, mas o respeito às estruturas tradicionais através do direito de escolha.

No "funk" e em outras ideologias das "periferias", a ideia é desestimular as relações heterossexuais entre pessoas de dentro das periferias, criando uma misandria de classe, onde rapazes e moças pobres com afinidades pessoais são estimulados pela propaganda midiática a nunca ficarem juntos.

O "funk" mostra casos graves como esses e nunca se empenhou em agir contra. Dotado de rigor estético ferrenho, sempre fez apologia à ignorância e à pobreza. Criou coisas estranhas como o "orgulho de ser pobre", uma forma sutil de prender os pobres nas favelas, residências consideradas provisórias e retratos de injustiça social (o IBGE já descrevia a injustiça de viver em favela há 60 anos), e a apologia ao lamentável trabalho de prostituição.

Diante de tantos retrocessos defendidos pelo discurso do "funk", como é que o ritmo tenta insistir num coitadismo, recusando-se a assumir a culpa pelos erros que deixou ocorrer? Quando era badalado pela retórica intelectualoide, envolvendo até mesmo teses acadêmicas e filmes documentários, o "funk" era sempre exaltado pelo potencial supostamente transformador da humanidade.

Daí que todo esse discurso "ativista" e "militante" é falso. Só serviu para atrair o apoio do mercado, da alta sociedade, de estilistas de moda porraloucas e DJs estrangeiros em busca de algum modismo pitoresco. Todo esse papo de "movimento cultural" só serviu para o "funk" ganhar mais dinheiro diante de tanto proselitismo.

O "funk" nunca passou de um mero ritmo dançante e comercial e deveria ser considerado somente como entretenimento, sem pretensões artísticas e culturais. Com a retórica pretensiosa que passou a adotar, o "funk" passou a ser defendido por um discurso intelectualoide e coitadista que começa a ficar repetitivo e chato. O coitadismo do "funk" está começando a cansar.

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