quarta-feira, 22 de junho de 2016

A estranha felicidade numa palestra "espírita" para ricos


Muito estranha a postura do "movimento espírita" em tempos de crise como as de hoje. Diante de um governo armado por um golpe parlamentar, jurídico e midiático, os "espíritas" parecem alheios a tudo e ficam falando em "esperança", "paz" e ainda acham que "nunca o Brasil esteve tão melhor hoje".

É uma postura até menos sincera do que a de 1964. Segundo alerta o historiador Jorge Ferreira, biógrafo de João Goulart, na Marcha da Família Unida com Deus pela Liberdade, ocorrida no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, em 19 de março daquele ano, vários movimentos religiosos participaram daquele evento patrocinado pelo governador paulista Adhemar de Barros, conhecido na época como o "rouba mas faz".

Ferreira afirma que até mesmo "kardecistas" (eufemismo usado pelo "movimento espírita" para definir o movimento que nada tem de Allan Kardec e tudo de Francisco Cândido Xavier) participaram daquele evento que hoje seria conhecido como o "Fora Jango" e que influenciou os militares a iniciarem o processo de derrubada do presidente.

A postura do "movimento espírita" era mais sincera. Chico Xavier defendia a queda de João Goulart, para desespero dos esquerdistas de hoje que tão ingenuamente manifestaram sua admiração pelo sinistro "médium", entorpecidos pelo seu estereótipo de "gente humilde" e de "filantropo".

Uma blogueira chegou a cometer uma gafe reclamando que o filme As Mães de Chico Xavier era boicotado pela grande mídia, mesmo sendo uma co-produção da Globo Filmes, das mesmas Organizações Globo que controlam a Rede Globo e tendo narrativa típica de novela "global".

A postura do "movimento espírita" era tão grave que Chico Xavier ainda se mantinha golpista quando era entrevistado no programa Pinga-Fogo, da TV Tupi, em 1971. E mais grave ainda porque a ditadura, em 1971, era mais escancarada do que a de 1964, que fingia ser "democrática". E isso quando até o golpista exaltado Carlos Lacerda estava na oposição.

Mas hoje o que prevalece é a postura "dúbia" no "movimento espírita". Uma postura dissimulada, contraditória, de "dizer uma coisa e fazer outra", distante de um roustanguismo mais aberto e assumido de outros tempos. Essa postura vem mais ou menos desde 1975, embora já fosse latente nos anos 1960. Mas foi em meados dos anos 70 que ela se oficializou e tenta resistir até hoje.

Diante disso, vemos o caótico governo Michel Temer, que mais parece um desgoverno por ser uma coleção de escândalos. Até a edição deste texto, três ministros caíram e vários membros do primeiro e segundo escalão do governo interino estão sob risco de caírem, por conta de denúncias de corrupção. E parte de seus mentores, como Eduardo Cunha, Aécio Neves e José Serra, este um dos ministros, também mostram a batata queimando de tanto assar.

PALESTRA CARÍSSIMA SOBRE...SER FELIZ!

E como reagem os "espíritas"? Alheios a tudo. Embora oficialmente eles não tenham se pronunciado pelo "Fora Dilma", tão "bondosos" e "misericordiosos" que são com tudo e todos, eles parecem muito felizes diante do cenário bagunçado que se formou em Brasília.

Vemos então figuras como Divaldo Franco, maior deturpador vivo do Espiritismo, espalhador de muitas mentiras mistificadoras protegido pelo verniz da "sabedoria" e da "bondade", realizando uma palestra intitulada "Felicidade Possível" num hotel caríssimo em Salvador, o Hotel Fiesta.

Divaldo é um reflexo de uma sociedade confusa. É erroneamente tido como "filósofo" e "sábio" por conta de uma população desinformada, que conhece as coisas da vida pela metade, sem um hábito de leitura atenta de bons livros e que prefere investir no preguiçoso hábito de colecionar frases curtas de intelectuais e celebridades como se isso lhe trouxesse alguma sabedoria.

É um público que tanto faz aceitar um desordeiro como Gilmar Mendes, um jurista corrompido que levanta a bandeira do PSDB (recentemente ele fez manobras para tentar livrar o senador Aécio Neves de ser investigado pela Operação Lava-Jato). Um público que não conhece as leis, e que em parte prefere pautar sua vida em textos religiosos de dois mil anos atrás do que da Constituição Federal de 1988 (com artigos reparados pelas emendas que vieram ao longo dos anos).

Diante desse nível de incompreensão, que favorece o jornalismo decadente em que vivemos, que mais deforma do que informa as pessoas, é que temos um povo confuso que aceita um Judiciário corrompido e parcial na interpretação das leis, e diante disso tanto faz que um ídolo religioso seja visto como "filósofo", só faltando ensinar Chico Xavier e Divaldo Franco nos cursos de Filosofia para a coisa cair no ridículo de vez.

Divaldo é, aliás, o anti-filósofo, porque seu discurso é mistificador, deturpador, obscurantista. Um filósofo tem uma oratória simples e direta. A de Divaldo é rebuscada e prolixa. Um filósofo não se preocupa com as certezas, mas com as questões. Divaldo tenta expor certezas. Um filósofo não tem a pretensão de saber tudo. Já Divaldo lança livros de respostas prontas para qualquer tema.

E aí temos ele fazendo uma palestra num seminário caríssimo, feito em um hotel de luxo, há poucos dias, em Salvador. Um palestrante "espírita" equivocadamente descrito como "professor" e erroneamente definido como "cientista" e "filósofo" fazendo uma "importante" exposição cujo tema é, simplesmente... "Felicidade possível".

Ficamos refletindo o que é a manobra discursiva dos "espíritas". Em palestras para gente rica, é adotado um discurso de "esperança" e "felicidade", de se trabalhar a "prosperidade" para desenvolver a "caridade" e o "amor ao próximo". Talvez seja uma forma de botar adoçar as almas depois que, na saída das palestras, algum burguês fique calmo depois de, rendido por um assaltante, agradeça a Deus por ter seu carro roubado.

Por outro lado, quando é com os pobres, o discurso é outro. "Aguente a barra, que está muito pesada, mas confie em Deus que tudo passará (leia-se "para daqui a cem anos ou, com melhor sorte, na proximidade da velhice")", é o discurso mais típico.

As pessoas não imaginam que o "espiritismo" brasileiro professa a Teologia do Sofrimento, uma herança de Jean-Baptiste Roustaing que seus adeptos, tão metidos a se dizer fiéis seguidores de Allan Kardec, não conseguiram se livrar. Esquecem eles que o roustanguismo pode ter "desaparecido" no Brasil na forma que se conheceu na França, mas todo esse legado foi devidamente adaptado à realidade brasileira por Chico Xavier e seus seguidores, inclusive Divaldo Franco.

Portanto, é um agravante que o "movimento espírita" finge que não existe, ou então supõe que é conversa de gente invejosa ou de evangélico querendo bancar o moralista. Mas, infelizmente, é a dura realidade: o "movimento espírita", com a Teologia do Sofrimento, prova ter assumido, mais até do que a Igreja Católica de hoje em dia, a herança do Catolicismo medieval português.

E aí nota-se a estranheza de um "espiritismo" que, nesses momentos de crise e caos, falar em "felicidade" e descrever um fantasioso otimismo, supondo que "nunca o mundo esteve tão feliz" e "nunca fizemos tanto bem quanto antes".

Uma religião como essa não consegue entender a complexidade dos conflitos cotidianos, da desigualdade de interesses, em que aqueles que mais precisam não têm o necessário e aqueles que nem precisam de tanto obtém até o mais supérfluo dos supérfluos, e ver que "tudo está melhor" com esse desgoverno que vemos no Palácio do Planalto é uma alegação vergonhosa partida da tal "religião da bondade" que não resolve suas próprias contradições.

O Brasil sofre um risco de ser governado pela extrema-direita, diante de uma multidão que passionalmente pode ser guiada a apoiar um Jair Bolsonaro ou algum outro tirano que vier escondido das mangas do poder midiático e econômico, e os "espíritas" felizes cantando a "vitória do Bem". Talvez se o tirano se chamar Benjamim possamos realmente dizer que o "Bem" dominará nosso país. E todo mundo cantando canções de paz quando for escravizado em campos de concentração.

Triste sina de uma religião que se diz "a mais avançada do país". Uma religião moldada na Teologia do Sofrimento medieval - é só observar as frases de Chico Xavier sobre o sofrimento, ele deixou clara essa postura - e que tenta dissimular isso com um pretenso otimismo.

Enquanto isso, desigualdades e injustiças imensas ameaçam se agravar diante da explosão colérica dos reacionários que primeiro tiraram uma chefe de Estado para depois retomar os retrocessos que com tanto trabalho combatemos ao longo dos séculos.

A "esperança" dos "espíritas" demonstra ser um otimismo frágil diante dos tempos terríveis em que vivemos. É como alguém que, feliz da vida, diante das trovoadas que se anunciam, sugere para as pessoas se protegerem debaixo de uma árvore. Só que a árvore conduz eletricidade e, quando um raio a atingir, a árvore e as pessoas sob ela situadas também serão fatalmente atingidas.

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