segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Chico Xavier e Wantuil de Freitas preferiram a omissão em relação a Jean-Baptiste Roustaing


O livro Testemunhos de Chico Xavier, de Suely Caldas Schubert, é, sem dúvida alguma, uma das maiores obras de defesa do mito do anti-médium mineiro. No entanto, ele é, ironicamente, um excelente documento para os contestadores do "espiritismo da FEB", na medida em que apresenta, sem querer, omissões e contradições.

É o caso de um capítulo sobre a inclusão de Jean-Baptiste Roustaing no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, como um dos "auxiliares" de Allan Kardec na propagação da Doutrina Espírita no mundo. Jean-Baptiste é citado na sua forma aportuguesada, "João Batista", numa época em que se traduziam nomes estrangeiros.

O capítulo então descreve a previsão "triste" de Chico Xavier, em carta dirigida ao então presidente da Federação "Espírita" Brasileira, Antônio Wantuil de Freitas, demonstrando certa apreensão e profunda tristeza, nos seguintes termos:

"(...) Li a carta que o Mundo Espírita publicou. Encomendemo-nos à Misericórdia Divina. Também, como tu, pedi ao Ismael nada responder. Seria muito triste 'lançar gasolina nesse fogo'. Há casos em que todo comentário é difícil. Por minha vez, estranho o que ocorre, de tal modo que só vejo uma saída: Levar o coração em silêncio para a casa da prece.

Não te incomodes com a declaração havida de que o trecho alusivo a Roustaing, em Brasil (Coração do Mundo, Pátria do Evangelho),  foi colocado pela Federação. Quando descobrirem que a casa de Ismael seria incapaz disso, dirão que fui eu. De qualquer modo, eles falarão. O adversário tem sempre um bom trabalho - o de estimular e melhorar tudo, quando estamos voltados para o bem".

Suely deixa passar vários equívocos a respeito do episódio, se limitando, sem dar o devido esclarecimento, a descrever a inclusão de Roustaing como algo perverso e escandaloso. A própria autora trata a acusação, que veio depois, de que Chico Xavier e a FEB haviam incluído J. B. Roustaing no referido livro, como "absurda".

Sem dar a devida explicação, Suely se limita a dizer que Chico não era "um mineirinho do interior, ingênuo e desprevenido", nem um "ingênuo caboclinho", como citou em várias passagens do capítulo, mas "uma pessoa pura de intenções, pura nos seus ideais e na sua fé", "um autêntico missionário" e "continuador" da Doutrina Espírita.

OMISSÃO

O que se viu, nessa atitude de Chico e Wantuil descrita na carta daquele, é que os dois preferiram agir em omissão. É bom deixar claro que, diante da fragilidade da argumentação lógica, uma pessoa tem dois caminhos: o da agressão e o da omissão.

Eles preferiram o da omissão. Deram sua choradeira, se julgando vítimas só porque "estão ligados à missão do bem". Aí a autora preferiu bajular Chico Xavier em vez de explicar por que a inclusão de J. B. Roustaing num livro do anti-médium é tão perversa.

Ela chegou mesmo a mencionar Allan Kardec, descrevendo um comentário dele num livro sobre suas viagens, alegando que o professor lionês reagia em silêncio diante dos ataques e críticas severas que recebeu em sua tarefa de codificador espírita.

Isso é uma interpretação equivocada. Kardec sempre procurou responder aos ataques na medida do possível. Daí seus muitos artigos na sua Revista Espírita. O silêncio não é a Constituição dos sábios, mas uma saída de emergência quando as reações adversárias podem representar um risco diante da contra-argumentação exposta aos discordantes.

O argumento, a crítica, o questionamento são necessários quando é possível apresentar razões e motivos pertinentes. Mas, quando questionar passa a ser uma tarefa de alto risco - mesmo hoje, já que há, por incrível que pareça, um forte reacionarismo na Internet - , o silêncio é a solução de emergência, mas nunca a "palavra maior" da sabedoria.

Isso seria desperdiçar a razão humana pelo vácuo de palavras. E isso deixa as coisas inexplicadas, sem qualquer esclarecimento. Isso mais parece um recuo, conforme Chico havia escrito, em relação a Parnaso de Além-Túmulo: "Tive medo do barulho, porque o ruído atrapalha".

Não houve explicação alguma, mesmo para tentar renegar a influência de Roustaing. Houve, sim, o medo, a covardia, porque não é o silêncio corajoso da serenidade, mas o silêncio covarde do medo de trazer à luz argumentos mais convincentes. E não são os adversários que beneficiam Chico e a FEB, mas estes é que beneficiam os adversários pelos erros feitos.

POR QUE ROUSTAING ASSUSTOU

Quem acompanha o meio da viagem não percebe o itinerário percorrido antes. E a polêmica de Jean-Baptiste Roustaing pode ser compreendida quando se volta ao tempo e relembra os primórdios da FEB, que criou suas bases ideológicas a partir dos volumes de Os Quatro Evangelhos, lançado pelo advogado de Bordeaux, não discípulo, mas desafeto de Kardec.

Roustaing foi descoberto pelos primeiros membros da FEB, a partir do médico Adolfo Bezerra de Menezes. Durante muito tempo Roustaing foi mais valorizado que Kardec, e este foi jogado ao limbo, desprezado por parecer "científico demais".

Roustaing foi mais de acordo com as convicções católicas que ainda batiam nos corações dos membros da FEB. E a referida publicação até hoje é publicada por sua editora, mas uma polêmica explica o fato de Roustaing ser colocado debaixo do tapete da "federação".

Os Quatro Evangelhos apostavam em duas ideias controversas: a de que as pessoas poderiam reencarnar em animais, plantas, fungos e até vermes (havia até a risível ideia de "criptógamos carnudos", já que criptógamo é um termo referente a plantas e não a animais) e a de que Jesus não teria sido homem, mas um mero corpo fluídico.

As duas ideias repercutiram mal. Sobretudo a do "Jesus fluídico", que não teria sofrido as dores humanas nem sentido o martírio da cruz. E olha que mesmo esse mito controverso que feriu a reputação da FEB influenciou a publicação de livros como Jesus, Nem Deus, Nem Homem, de autoria de Guillon Ribeiro, o mesmo tradutor que "guillotinou" os livros de Kardec.

A Igreja Católica caiu de pau, porque, apesar dela acreditar na figura de Jesus como "Deus vivo na Terra", admitia que Jesus tinha a forma semelhante a de um humano comum, tanto que há a tradicional valorização de seu sangue como símbolo católico de sua luta pela humanidade.

Mas também, dentro do movimento espírita, a tese do "Jesus fluídico" provocou dissidências diversas, que afastaram da FEB figuras como Angeli Torteroli - um dos primeiros a reclamar do "espiritismo" brasileiro o resgate das obras de Karedc - e, mais tarde, Deolindo Amorim, Carlos Imbassahy e Herculano Pires, após o vexame do Pacto Áureo.

A carta de Xavier data de 25 de março de 1947, dois anos antes do Congresso da FEB que realizou o Pacto Áureo - que estabeleceu as diretrizes ideológicas da instituição - , e já mostrava Roustaing não como o mestre maior da FEB, mas como um "anel" que, de tão pesado, não era exposto ao público dentro do contexto do "espiritismo" brasileiro.

Depois da má repercussão das teses lunáticas de Roustaing, a FEB preferiu deixá-lo aparentemente de lado, sem bani-lo (tanto que seu livro está no mercado até hoje), mas criar artifícios que atenuassem seus efeitos.

Os "criptógamos carnudos" foram substituídos pela simpática e alegre "reencarnação de animais". Ninguém precisaria acreditar que os humanos reencarnariam como animais, plantas ou outros seres, mas poderia ficar alegre em acreditar que haverá cachorrinhos, gatinhos e coelhinhos felpudos no mundo espiritual.

O Jesus fluídico foi embora, e Roustaing foi mantido nos outros aspectos, como o misticismo católico e o messianismo religioso, só que às vezes atribuído (equivocadamente) a Allan Kardec, e em outras traduzido no contexto brasileiro por Francisco Cândido Xavier.

Dessa forma, Roustaing poderia ser "banido" pelo discurso febiano. Ele virou uma pessoa incômoda demais, pelas polêmicas pesadas que causou, através de teses bastante surreais para serem aceitas mesmo nos limites da fé mística e do proselitismo religioso espiritólico.

Mas sua exclusão parcial da retórica do "espiritismo" brasileiro mostra a opção do silêncio, da "humilde" omissão de Wantuil de Freitas e de um Chico Xavier preferindo orar para si em silêncio do que dar as devidas explicações para a humanidade. Porém, quem deve, teme.

Daí tal postura, que na verdade é uma maneira de evitar que as sujeiras da FEB sejam expostas. Mesmo assim, as acusações de que Chico e Wantuil teriam incluído Roustaing no livro não foram negadas, o que mostra também outra conhecida frase: "Quem cala, consente".

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