sábado, 30 de agosto de 2014

Mal do Brasil, a subserviência tem raízes religiosas


O Brasil sofre de um terrível mal. O da subserviência. Em vários aspectos da vida humana, seja na cultura, na política, na economia, na justiça, na religião, na mobilidade urbana, há o hábito das pessoas que, na sua zona de conforto, aceitam qualquer imposição na vida, por mais cruel e desastrada que seja, acreditando nas tais "ordens superiores".

As pessoas aceitam as coisas, ou seus representantes, ou certos valores e procedimentos, sem verificar se eles são realmente vantajosos, honestos, íntegros ou satisfatórios. Não verificam o passado sombrio de certas pessoas nem os aspectos equivocados de seus procedimentos ou ideias.

Às vezes até certas pessoas defendem causas ou indivíduos que, na verdade, não são grande coisa assim, e arrumam até desculpas prontas: "Não é 100%, mas é melhor do que nada", "É preciso passar por certos sacrifícios" ,"Até que isso é bom demais, você está de chilique" etc etc etc.

Essa postura pode até ser histórica no nosso país, mas ela se tornou mais intensa da década de 1990 para cá, quando o Brasil misturava seu coronelismo, seu provincianismo e seu fisiologismo político-institucional com mitos religiosos e alguma pressa em parecer moderno para os olhos do mundo, mesmo ostentando um atraso matuto difícil de disfarçar.

E aí surgem pessoas agressivas, arrogantes, irritadas, que não aceitam tais críticas. Por que elas defendem coisas, pessoas e ideias tão retrógradas com tamanha convicção, a ponto de se irritarem com discórdias alheias, que os fazem, em casos extremos, a reagir com ofensas e calúnias?

Simples. É a ilusão que essas pessoas, que defendem o "estabelecido" de valor duvidoso, de acreditarem que tal sistema de valores, coisas e pessoas, por terem sido fruto de decisões vindas "de cima" - seja de autoridades, tecnocratas, acadêmicos e líderes religiosos - , ou seja, vindo de decisões que eles consideram "sábias" e "necessárias", por mais problemáticas que possam ser.

Em outras palavras, essas pessoas tratam tais decisões como se elas se equiparassem às decisões divinas, e mesmo a fúria dessas pessoas têm um fundo ligado ao religiosismo mais retrógrado, a uma fé cega que os faz reagir, em certos casos com violência e sarcasmo, a qualquer um que conteste tais valores, ideias e pessoas.

"PAIS" E "DEUSES"

Na Internet, se observa isso. De repente um político retrógrado e corrupto, mas com alguma imunidade social - quando mesmo a mais cruel oposição popular não arranha em todo sua reputação no meio político-institucional - , decide algo claramente antipopular e danoso, sem consulta popular, mas que de repente recebe algum apoio de certos segmentos sociais.

Aí você contesta esse projeto antipopular e os internautas não gostam. Às vezes eles fazem comentários do tipo "Ah, lá vem você e seu amiguinho dizendo a mesma coisa!", dando margem a ataques irritados, por vezes zombeteiros, porque o projeto antipopular tem que ser "popular" e ninguém pode estragar a "festa".

Esse reacionarismo dos internautas que pensam o "estabelecido" desta forma possui bases emocionais influenciadas pelo catolicismo medieval que ainda domina o inconsciente popular brasileiro e que já impulsionou até mesmo um golpe e uma ditadura militar, entre 1964 e 1985 (as "marchas da família" não nos deixam mentir).

Essa visão credita as decisões arbitrárias, vindas "de cima", como análogas às determinações divinas, numa visão católico-medieval de "sacrifícios", de "benefícios futuros" que nunca vêm, de pessoas abrindo mão de qualidade de vida para aceitar o que "está aí".

É como se as pessoas dessem a essas decisões arbitrárias um poderio de imposição divina como se o fato de "não escolhermos" quem serão nossos pais - pelo menos no sentido materialista do termo, porque lá do "outro lado" escolhemos, sim -  pudesse também se estender à "não escolha" de quem comandará a mobilidade urbana, a cultura rock, a espiritualidade etc.

Para cada contexto, cria-se até mesmo seus "deuses" específicos, quase sempre santificados nas principais páginas da busca do Google. Pode ser Jaime Lerner, Luciano Huck, Neymar Jr., DJ Marlboro, Paulo César Araújo, Ivete Sangalo, Michael Sullivan e tantos outros que nem são lá grande coisa, mas que têm o privilégio de parecerem "divindades" para uma parcela da sociedade.

POUCO IMPORTAM OS DEFEITOS, É O QUE "ESTÁ AÍ"

Pouco importa se a instituição ligada a tal serviço é incompetente, possui um passado criminoso, ou faz um mau trabalho. Se as decisões "de cima" a escolheram para representar tal tarefa, deve-se aceitar sem reclames. É o que "está aí", queiram ou não queiram.

O mesmo quanto às pessoas. Se o indivíduo representa uma doutrina ou um projeto, ele deve ser aceito e manter sua reputação no plano mais alto possível. Se é "imperfeito" ou "falho", pouco lhes importa, os defensores do "sistema" têm que aceitá-lo com seus erros - alguns desastrosos e extremamente danosos - porque é ele o "eleito" para tal tarefa, "doa a quem doer".

Essa visão subserviente se vê em vários setores. Até mesmo na cultura rock brasileira há duas rádios impostas "de cima", como a paulista 89 FM e a carioca Rádio Cidade - que tratam o fã de rock feito um débil mental ao gosto dos moralistas que rejeitam o gênero - que seguem essa visão "messiânica" de que elas foram escolhidas "lá do alto" para tal tarefa.

"ESPIRITISMO" SEM ALLAN KARDEC, MAS SEMPRE COM CHICO XAVIER

No "espiritismo" brasileiro se encontra um dos exemplos mais típicos. Embora teoricamente calcado na Doutrina Espírita de Allan Kardec - de início abertamente desprezado, para depois virar alvo de bajulação - , a doutrina carrega a sina de ser representada, para sempre, pela figura duvidosa do anti-médium Francisco Cândido Xavier.

É um "espiritismo" que pode até esquecer Allan Kardec e jogar as ideias originais do professor lionês no lixo, mas sempre terá que manter Chico Xavier no pedestal, mesmo quando seus piores erros vão sendo revelados.

Chico é visto como se fosse um "mensageiro divino", ele está no pedestal do imaginário "espírita" brasileiro porque também é fruto de uma decisão "de cima" (que sabemos ser da Federação "Espírita" Brasileira), e também porque reúne numa só pessoa os estereótipos confortáveis de velhice, humildade, generosidade, fé e filantropia.

Daí a submissão das pessoas a respeito de Xavier, não apenas os seus adeptos mais apaixonados, mas também os questionadores mais tímidos, uma visão submissa, condescendente e subserviente que se amplia também a outros seguidores do mineiro, como Divaldo Franco e José Medrado.

Graças a isso, eles podem cometer fraudes diversas, seja na materialização, na psicografia, nas pinturas mediúnicas, na psicofonia, que há até mesmo uma minoria de pessoas que, à maneira de quem vê cabelo em ovo, tenta ver autenticidade nessas armações grotescas.

E não adianta nós apontarmos provas e argumentos lógicos dizendo que os anti-médiuns não estão evocando pessoas falecidas, mas por vezes fazendo falsetes, usando pessoas se fantasiando de fantasminhas de teatro mambembe com fotos de falecidos coladas nas caras sob panos ou plagiando obras literárias e de artes plásticas para supostas artes mediúnicas.

Os defensores desses totens escolhidos "de cima" insistem em acreditar nas suas fantasias, até se irritando quando o questionamento torna-se mais severo. Eles pensam serem beneficiados por sua fé, como pessoas predestinadas a um benefício futuro, mas no fundo se tornam escravas de visões ao mesmo tempo falsas e danosas, e um dia cairão na desilusão dolorosa e inesperada.

Os tempos mudam. Quem vive na ilusão de aceitar tudo que vem "de cima" acaba sendo atingido também pelo peso das "pedradas" que caem no decorrer da vida. E chega um tempo em que esses escravos do "sistema", de tão enfraquecidos pela desilusão e desolação, não terão força para reagir furiosos ou zombeteiros para defender seus absurdos e suas ideias de valores duvidosos.

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