quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A escravidão que foi apoiada pelo Dr. Bezerra de Menezes

DR. BEZERRA E SEU LIVRO DE CABECEIRA.

O médico e político cearense Adolfo Bezerra de Menezes foi um político sem muito diferencial. Pode-se até dizer que foi um político regular, nos níveis de algum parlamentar do PMDB de hoje em dia, com alguma vocação democrática mas com algum fisiologismo político.

Para quem não sabe, o fisiologismo político, conhecido jargão da ciência política de nossos tempos, consiste no agente político, seja governador, prefeito, deputado, vereador, senador etc, adotar medidas que deem preferência às vantagens pessoais em detrimento do interesse público, embora, em muitos casos, esse interesse seja usado como uma falsa justificativa.

Bezerra até escreveu um livro simpático de propostas abolicionistas, A Escravidão no Brasil e as Medidas que Convém Tomar para Extingui-la sem Dano para a Nação, publicado em 1869. Nele o médico e parlamentar até dá sugestões interessantes para o fim do regime escravo no Brasil.

Todavia, Bezerra acabou tendo menos destaque na História por isso. Talvez outros parlamentares tomaram a dianteira no processo, que só foi consumado em 1888 (e olhe lá!), e nesses tempos - virada dos anos 60 para os 70 do século XIX - , era crescente a oposição da sociedade ao regime escravocrata vigente no Brasil.

O grande problema é que Bezerra de Menezes, que deu sua pequena e simpática ajuda para encerrar o período da escravidão no Brasil, acabou apoiando o desenvolvimento de uma nova escravidão, o suplício do Espiritolicismo que tão cedo deturpou as lições arduamente pesquisadas e analisadas pelo professor Allan Kardec.

Pois o chamado "Kardec brasileiro", infelizmente, havia deixado o professor francês de lado, para aderir aos delírios descritos por Jean-Baptiste Roustaing através de um processo mediúnico por este encomendado a uma única médium, o livro Os Quatro Evangelhos (1866).

Com o subtítulo oportunista "A Revelação da Revelação", o delirante livro de Roustaing cria uma fantasia de fazer os psicodélicos viciados em LSD nos anos 1960 parecerem realistas intransigentes, que é a tese do ser humano voltar a virar animais, plantas ou até vermes e micróbios para "expiar" as faltas da encarnação precedente.

Durante muito tempo Roustaing era tido como "espírita moderno", em detrimento do "antiquado" Allan Kardec, que, infelizmente, foi desprezado até mesmo pelos franceses, pois mesmo os amigos e seguidores do professor lionês preferiram deturpar e diluir suas lições precisas em prol de um "espiritismo" mais domesticado e condizente ao poderio católico da França de então.

E o Brasil acabou se tornando um terreno fértil para o Espiritolicismo que já começava a esboçar na França, no período entre o falecimento de Kardec, o final da década de 1860, e a fundação, no país sul-americano, da FEB.

Mesmo um dos ex-aliados de Kardec havia entrado em contato com Bezerra de Menezes, e Roustaing, o advogado de Bordeaux desafeto do professor lionês, foi o autor recomendado para a leitura do médico brasileiro.

Os delírios de Roustaing guiaram as primeiras atividades e ideias do dito "movimento espírita". Em outras palavras, Roustaing fundou o "espiritismo" brasileiro. Durante muitos anos, foi ele que norteou as diretrizes da doutrina, diante de um Kardec mal lido, quase nunca estudado e apenas bajulado como se fosse "mestre e colega" de Roustaing.

Só depois de tantos conflitos e divergências, principalmente por alguns espíritas sérios que acharam um absurdo sermos predestinados a voltar à encarnação até mesmo na forma de protozoários, alertando sobre o absurdo da expressão "criptógamos carnudos" ("criptógamos" é uma expressão da botânica e se refere somente a plantas), a situação "mudou" um pouco.

A questão da reencarnação como lesmas - que é o que enfatizava o discurso roustanguiano - foi deixada de lado, o nome de Roustaing, sem ser boicotado ou marginalizado pela FEB (Os Quatro Evangelhos estão no mercado até hoje), foi colocado "na geladeira", como diz o jargão de hoje, em relação ao discurso ideológico "espírita" brasileiro.

A primeira manobra foi atribuir a Allan Kardec os delírios místicos de Roustaing - descontados a surreal tese dos "criptógamos carnudos", que foi abandonada depois de controvérsias e pesadas desavenças - e o jornalista Guillon Ribeiro, que traduziu Roustaing, foi designado a "suavizar" os textos de Kardec na tradução de sua bibliografia.

A segunda manobra foi "abrasileirar" as distorções roustanguianas - ainda deixando de lado os "criptógamos carnudos" - criando um outro mito, a do médium mineiro Chico Xavier, que seria o responsável oficial por uma outra "releitura" das ideias de Allan Kardec.

Bezerra faleceu em 1900, mas acabou abrindo o caminho para essa deturpação, para essa verdadeira escravidão da espiritualidade com os dogmas místicos e moralistas que passaram a constituir o "espiritismo" brasileiro.

Com isso, o que poderia significar um horizonte de descobertas preciosas no ramo da espiritualidade se reduziu a um engodo religioso que mistura misticismo delirante, moralismo austero, autoritarismo dogmático, idolatrias mórbidas e tudo de ruim que se consiste o chamado "espiritismo" brasileiro, a verdadeira escravidão da fé cega supostamente espiritualista.

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