sexta-feira, 14 de abril de 2017

Religiosa, São Gonçalo assusta pela violência crescente


Já se falou que São Gonçalo, embora seja uma cidade com um dos maiores números de casas religiosas no Estado do Rio de Janeiro, é também uma das mais violentas. A violência chega a ocorrer à luz do dia e faz as pessoas evitarem sair à noite e provoca fechamento de casas e até prédios comerciais.

Embora boa parte da sociedade imagine a religião como instituição que sempre resgata a vida dos cidadãos, a cada vez mais a realidade mostra o lado contrário, pois boa parte das manifestações de ódio nas mídias sociais vem de pessoas que, de alguma forma, professam alguma religião.

A campanha de ódio que tirou do poder a presidenta Dilma Rousseff e colocou no lugar seu vice, Michel Temer, que a traiu em prol de um projeto político voltado a medidas amargas que desfazem conquistas sociais históricas e que representam um grave retrocesso social que retomaria as velhas estruturas de rigorosa desigualdade social do Brasil colonial.

O efeito aparentemente benéfico da religião começa a ser questionado, principalmente pelo fato dos internautas mais reacionários serem "cristãos": muitas das práticas de cyberbullying são feitas por pessoas que se dizem "acreditar em Jesus" e que atribuem à imagem de Satanás qualquer desafeto, desde aquele que contesta o "estabelecido" até um político de um partido de esquerda.

Surge a notícia de que os evangélicos vão defender a candidatura de Jair Bolsonaro, uma das mais perigosas figuras da política brasileira, pelo extremo reacionarismo e pelas confusões com que se envolveu e que os noticiários comprovam. Isso é muito grave, não bastasse as medidas que o Congresso Nacional, cada vez mais indiferente ao povo, impõe à população, como a reforma previdenciária e a reforma trabalhista, cujo aperitivo é a já aprovada terceirização generalizada.

O modo "religioso" de ver as arbitrariedades e erros, vários gravíssimos, de gente dotada de algum privilégio social, da fama à religião, do porte de armas ao diploma, do domínio de informática à concentração do capital, também preocupa.

Dependendo do prestígio social, mesmo crimes de morte passam a ser encarados de forma atenuante. Confusões que podem pôr uma humanidade a perder são vistos com gracejos, como se não fossem graves confusões, mas demonstrações do senso de humor.

Arbitrariedades que mais prejudicam a população - como, no Rio de Janeiro, a pintura padronizada nos ônibus que confundia as pessoas na hora do ir e vir - são aceitas de maneira submissa sob a ilusão de "sacrifício necessário", uma falácia que aqueles que se escondem pelo prestígio tecnocrático do diploma, do dinheiro ou poder político usam para impor medidas injustas e nocivas sob a falsa promessa de um "benefício maior".

Parece até Teologia do Sofrimento. E é, aplicada fora da religião. através da ilusão de que as supostas atribuições técnicas e racionais de uma elite de políticos, administradores e tecnocratas lhes permite prejudicar a população, forçando-a a aceitar o próprio prejuízo em prol de pretensos benefícios que não se tem certeza se serão benéficos ou se eles realmente existirão.

A "religiosização", que é atribuir missões divinas a ações que na verdade parecem medíocres ou nefastas, e que se manifesta pela pós-verdade - a mania de criar uma retórica racional para ideias nada racionais - , também faz com que certas pessoas se achem no direito de praticar certas maldades porque, depois, a religião irá "limpar" as "sujeiras" que fez.

Em muitos casos, atrocidades são justificadas por pretextos moralistas. O feminicídio conjugal, por exemplo, usa as desculpas da "defesa da honra" e, não raro, evoca valores da "família" e, pasmem, até do "amor". A violência latifundiária contra os camponeses também evoca uma "causa nobre", a defesa da "propriedade", não raro "garantida por Deus".

O histórico do Catolicismo da Idade Média, portanto, revela o quanto a religião também pode cometer crueldades. A supremacia da fé e a ilusão do vínculo divino - lembrando que a figura de Deus é ainda muito enigmática e sem comprovação científica - permitiu aos católicos praticar o "banho de sangue" em níveis comparáveis aos do holocausto nazi-fascista, movimentos políticos que se ascenderam pela "religiosização" da política.

Atualmente, seitas neopentecostais e o "movimento espírita" buscam herdar o espólio do Catolicismo medieval enquanto a Igreja Católica propriamente dita busca se atualizar. Seitas como a Igreja Universal do Reino de Deus se ancoram na leitura medieval do Velho Testamento, enquanto o "espiritismo" brasileiro adota a leitura do Novo Testamento, também em abordagem medieval. IURD e FEB também têm braços midiáticos, respectivamente a Record TV e a Rede Globo.

Diante desse suporte midiático, as religiões se ampliam num contexto cada vez mais conservador. A própria grande mídia é divinizada, exercendo poderes sagrados de impor até mesmo gírias e ídolos. Poucos percebem, mas a Globo usou Chico Xavier e o glorificou para fazer frente a Edir Macedo e R. R. Soares na disputa pela supremacia religiosa.

Dito isso, é ilustrativo que locais onde há muitas casas religiosas são também redutos de grande violência. Não é a religião que se instala em locais violentos para eliminar a criminalidade, embora, em tese, seja seu propósito, mas é a violência que é liberada pela lógica emocional e justiceira da fé.

Não por acaso, muitos dos "centros espíritas" e tempos neopentecostais se localizam em áreas que, depois, têm sua violência agravada. Áreas como Pau da Lima e Uruguai, em Salvador, Madureira no Rio de Janeiro, e Viradouro e Fonseca, em Niterói, se tornam redutos preocupantes de violência, com assassinatos e assaltos ocorridos até à luz do dia e diante de muito movimento de pessoas.

Da mesma forma, São Gonçalo também se torna reduto. E isso cria um prejuízo tão grave que os roubos de cargas refletem até nos preços das mercadorias, com aumentos de até 35%. Os índices de homicídios chegam a uma média de 25 por dia, quase uma vítima por dia. Para se proteger, cercas e portões com material cortante e portas gradeadas são instaladas até em vilas.

Bairros como Salgueiro e Jardim Catarina demonstram ser os mais violentos e os que mais oferecem dificuldades para a ação policial. Mas outros bairros, como Pacheco, Santa Isabel e o entorno do Jardim Alcântara e Galo Branco também mostram episódios preocupantes de assassinatos e roubos.

Que a violência existe em qualquer lugar e sob qualquer contexto, isso é verdade. Mas a religião, que se anuncia como a solução para reduzir os índices de criminalidade, acaba os estimulando, até pelo fato de que seitas conservadoras servem mais para poupar os algozes, numa suposta "misericórdia" ou "ressocialização" que só lhes restitui os privilégios e o poder, do que os mais necessitados, que continuam sofrendo desgraças. Diante dessa desigualdade, o crime só tende a aumentar.

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