sábado, 25 de fevereiro de 2017

Papa Francisco dá recado que serviria muito bem para "espíritas dúbios"


Numa missa realizada a poucos dias no Vaticano, o papa Francisco I fez um sermão no qual reprovava o comportamento escandaloso dos ditos católicos, citando um comentário muito comum da sociedade no qual seria melhor ser um ateu do que um católico hipócrita.

"O que é um escândalo? É dizer uma coisa e fazer outra, é a vida dupla. ‘Eu sou muito católico, vou sempre à missa, pertenço a esta ou à outra associação, mas a minha vida não é cristã, não pago com justiça aos meus empregados, aproveito-me das pessoas, faço negócios sujos", disse o pontífice.

É claro que o papa estava falando de Igreja Católica, hábitos católicos e coerência de caráter dentro desta perspectiva. Mas o recado do papa também serve para ser usado em outro contexto, o da postura "dúbia" dos "espíritas" que exaltam o cientificismo de Allan Kardec mas praticam o igrejismo.

É irônico que Divaldo Franco, certa vez, tentou visitar o papa, que por limites de agenda só cumprimentou rapidamente vários visitantes. O comentário em questão se dirige justamente a ele e outros astros da "fase dúbia" do "espiritismo" brasileiro, pela vida dupla que levam.

O contexto varia porque não é por "falta de cristianismo", mas talvez até pelo seu excesso. A vida dupla dos "espíritas" segue um outro aspecto, mas é tão escandaloso quanto a vida fútil dos católicos mencionados pelo papa Francisco.

O "espiritismo" é marcado pela desonestidade doutrinária, pela falsa mediunidade e pelo moralismo ultraconservador que, de maneira nunca oficialmente assumida, se volta para a Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica e, portanto, não compartilhada pelo papa.

É assustador que os "espíritas" fiquem falando o tempo todo sobre "aceitar o sofrimento", "perdoar os algozes nos seus abusos", "desgraças são desafios, sofrimentos são aprendizados" dentro desse cenário político catastrófico do governo Michel Temer, marcado por uma avalanche de desordens e abusos. Fica parecendo que o "movimento espírita" está com Temer. PMDB e PSDB são partidos "espíritas"? Ou talvez o "espiritismo" seja a religião da Rede Globo.

A frase "É dizer uma coisa e fazer outra, é a vida dupla", como definição de escândalo, arrepia os "espíritas". Há casos de palestrantes que, num artigo, exaltam a "propriedade oportuna" dos avisos de Erasto, mas depois falam na "sabedoria" de Emmanuel. Bajulam o trabalho de Allan Kardec, comentando a "vigorosa atualidade" de seus textos, mas, em outro artigo, derramam os mais diabéticos elogios à "missão humana" e as "mensagens de paz" de Chico Xavier.

Isso é a "fase dúbia". E o maior ícone da "fase dúbia" é Divaldo Franco, que se ascendeu nesta etapa do "movimento espírita", vigente desde os anos 1970. Chico teria vivido seu auge, pois, embora surgido ainda durante o roustanguismo assumido da FEB, o "médium" mineiro teve seu mito "reinventado" com a ajuda da Rede Globo, que presenteou a federação com um estereótipo "limpo" de suposto filantropo, nos moldes que Malcolm Muggeridge fez com Madre Teresa de Calcutá.

Na "fase dúbia", o "espiritismo" tornou-se bem mais hipócrita do que quando assumia a herança de Jean-Baptiste Roustaing, descartado apenas por meras simbologias. Roustaing estava associado ao alto-clero da FEB, que brigou com as federações regionais, criando, mesmo depois de um acordo, uma "divergência" na qual os regionalistas - apoiados no mineiro Chico e no baiano Divaldo - usavam o nome de Kardec por mera formalidade e conveniência.

Nesta hipocrisia, o "espiritismo" passou a fingir que recuperava as bases doutrinárias originais. "Mensagens" atribuídas a Adolfo Bezerra de Menezes eram forjadas e o termo "kardequizar" citado numa delas dá a senha da postura "dúbia", pois, embora o neologismo se relacione ao pedagogo francês, é também uma corruptela do termo "catequizar", referente ao Catecismo, a pedagogia católica.

É essa a "vida dupla" dos "espíritas". Num momento, se acham intelectualizados, esclarecedores, questionadores, filosóficos e científicos, dizendo-se afeitos ao trabalho criterioso de Allan Kardec, se julgando ter "fidelidade absoluta" e "respeito rigoroso" aos postulados espíritas originais.

Num outro momento, se derramam num igrejismo piegas, lacrimoso, medieval, obscurantista, ritualístico e dogmático, exaltando o deturpador Chico Xavier até não lhe caberem mais elogios, recomendando até romances "espíritas" que, de tão medíocres, parecem terem sido folhetins tirados do lixo das diretorias das redes de TV.

Para se tornar ainda mais hipócrita, essa "vida dupla" é tida como "equilibrada", como se contradição fosse sinônimo de equilíbrio, e sabemos que não é. E, o que é mais grave, usa-se a filantropia como um falso elo de ligação entre pontos de vista que nunca se batem, como se pensar uma coisa e fazer outra fosse válido se fosse "voltada para a caridade".

O "espiritismo" virou um intragável engodo ideológico. Se nos basearmos na mensagem do papa Francisco, seria melhor que os "espíritas" se assumissem católicos e roustanguistas. Antes eles se assumissem medievais, igrejeiros, beatos, obscurantistas e admitissem que a filantropia que eles defendem não pode mexer nos privilégios das elites. Seria uma postura menos confortável e menos atraente, porém muito mais sincera do que a postura "dúbia" e suas dissimulações.

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