quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Quando a teoria, no "movimento espírita", é mais fácil


(De Norberto Machado, por e-mail)

Prezados amigos, o texto de que se extraíram os itens abaixo parece, à primeira vista, ter sido feito com a melhor das intenções, vide a profunda crise em que se situa o tal do movimento espírita. Mas o conhecido cidadão que escreveu seu texto faz parte de uma tendência igrejista do Espiritismo e devemos observar esses itens com cautela e um certo senso crítico.

Isso porque o autor desse texto já havia elogiado dois portadores de muitos desses defeitos, os arrivistas Chico Xavier e Divaldo Franco, e suas crenças em muitos momentos se afinam com muitos dos tais "desvios". Para ajudar a leitura desses textos, com um pé atrás, vamos interpretar cada item com um comentário conciso apontando os principais problemas.

a. Desviamos o foco quando colocamos em plano secundário o estudo espírita que orienta e esclarece o frequentador, ajudando-o na superação das dificuldades próprias e formando trabalhadores para o bem geral;

O problema é que o "bom espiritismo", do qual o autor tanto exalta, já põe o estudo espírita em plano secundário, preocupado mais com o aspecto igrejista, religioso, em que a fé religiosa se torna um fim em si mesmo. Era esse desvio de foco que marcou a trajetória de Chico Xavier, é bom deixar claro.

Além disso, o próprio Espiritismo feito no Brasil se constituiu numa Teologia do Sofrimento, como vários de seus críticos alertam, uma verdadeira apologia às dificuldades humanas para as quais só uma devoção cega pode, ainda que parcialmente, resolver. Em outras palavras, você tem que ser escravo da fé religiosa, ou seja, um beato, para ter um mínimo de benefícios da vida, ante os prejuízos que terá que aguentar de uma forma ou de outra.

b. Desviamos o foco quando introduzimos práticas estranhas ao Espiritismo, prejudicando o andamento e fluir natural do conhecimento que constrói adeptos esclarecidos que estudam e se esforçam por agir conforme se esclarecem;

O prezado autor desconhece os estragos que o sr. Chico Xavier e seu pupilo Divaldo Franco deixaram na Doutrina Espírita, eles os inimigos internos de Kardec que Erasto havia prevenido com muita antecedência.

Vejam os livros de Xavier e seus seguidores (Divaldo inclusive), de um igrejismo pegajoso, perdido em narrativas piegas, crenças místicas medievais e moralismo conservador que, explicitamente, fugiram da natureza da obra kardeciana. Essa constatação não é fruto de inveja contra os "médiuns", mas da leitura atenta e desprovida de paixões religiosas, por sinal bastante perigosas.

A ideia ficcional das "cidades espirituais", às quais Kardec alertou nunca haver noção plausível sob a luz da Lógica, e a aberração chamada "crianças-índigo", que criou um sensacionalismo tão bárbaro que causou até divórcio de um casal que lançou essa tese, pela ganância financeira, são dois delírios que fazem Chico e Divaldo estarem em situação bastante deplorável.

c. Desviamos o foco quando transformamos a tribuna em locais de projeção pessoal ou para defesa de ideias pessoais incompatíveis com a Doutrina Espírita;

O autor do texto comete aqui mais uma incompreensão. No Brasil, a própria maneira como se desenvolveu a figura do médium tornou-se uma aberração assustadora. Na França de Kardec, o médium era uma pessoa discreta, quase oculta, semi-anônima e que apenas divulgava a mensagem de um espírito e ponto final.

Aqui, porém, o médium virou um astro, uma celebridade, não é mais o canal de contato entre o espírito do além e os entes queridos, em muitos casos o espírito nem "fala", o médium inventa e vira cartaz com isso. O mais grave é que, não bastasse o culto da personalidade que todo médium se destina a ter, de propósito e sob a conivência da sociedade e até da Lei, os supostos médiuns espíritas ainda têm a mania de bancar os dublês de filósofos, se tornando pretensos sábios.

Quanto às ideias pessoais incompatíveis com a Doutrina Espírita, o autor do texto se esquece que seus ídolos Chico Xavier e Emmanuel foram os que justamente lançaram ideias de tal espécie, praticamente contaminando de forma devastadora o legado tão trabalhosamente deixado por Kardec.

d. Desviamos o foco quando o personalismo nos domine e nos tornamos tiranos na condução das instituições sob nossa responsabilidade, considerando-nos exclusivos detentores da razão e pretensos dominadores da liberdade alheia;

Esquece o autor que o personalismo e a tirania foi ou é praticado justamente pelos seus ídolos, seja até mesmo os supostos humildes Chico Xavier e Divaldo Franco, e seus seguidores mais "admiráveis", que até não dizem, no discurso, que são "detentores da verdade", mas sempre se esforçam para ficar com a palavra final, fazendo prevalecer suas visões igrejistas, por mais que tentassem fingir que Allan Kardec estivesse com a razão.

O personalismo do médium é algo que muita gente não percebe no Espiritismo feito no Brasil, porque a pessoa já recebe a aberração pronta, o que já surge deturpado se passa por autêntico, diante da desinformação generalizada muito comum no Brasil.

O médium que não quer ser intermediário, quer ser o centro das atenções, por mais que se esconda sob o aparato da "bondade pura", está praticando o personalismo, que se torna pior ainda quando há todo um aparato desesperadamente armado de "humildade" e "caridade". Quantas vaidades traiçoeiras se escondem sob a propaganda acidental de multidões de humildes ou sob desenhos ilustrativos de corações vermelhos e fofinhos?

e. Desviamos o foco quando transformamos nossas instituições em cópias perfeitas de outras práticas religiosas  – embora o respeito que mereçam – por meio de músicas, rituais, gestos, roupas e condicionamentos que tornam os adeptos dependentes de práticas distantes da clareza e naturalidade prática espírita;

O autor não olhou em sua volta. O Espiritismo que ele defende tem forte acento católico, vide o caso escancarado de Chico Xavier. Além disso, elementos diversos de outras religiões são introduzidos, como arremedos de crenças hindus (como Ramatis, adorado por Divaldo), práticas evangélicas (a defesa da meritocracia e o rompimento com a ritualística e vestuário católicos) e pastiches de crenças orientais (como a pseudofilosofia esotérica), são identificados neste "bom espiritismo".

O padrinho de Chico Xavier, o ex-presidente da FEB Antônio Wantuil de Freitas, já havia se interessado por umbanda, coisa que recentemente foi objeto de interesse de Robson Pinheiro, o médium-estrela do momento. Tudo isso confunde quem quer se interessar em conhecer melhor o Espiritismo e a culpa toda partiu de Chico Xavier, e não adianta chorar.

f. Desviamos o foco quando condicionamos a prática espírita em práticas esdrúxulas de rituais, roupas especiais, apetrechos ou utensílios totalmente dispensáveis;

A única ruptura real que o Espiritismo feito no Brasil fez com o Catolicismo é o uso de rituais e vestuários pomposos, além de outros adereços e enfeites. Até porque precisa oferecer um diferencial para impressionar as pessoas, uma suposta simplicidade, uma falsa modéstia desta doutrina que se denomina kardecista sem jamais ter nada de Kardec.

Foi pensando nisso que, para competir com a ascensão dos pastores eletrônicos R. R. Soares e Edir Macedo, nos anos 70, a Globo copiou o que a BBC fez com Madre Teresa de Calcutá e promoveu Chico Xavier como "símbolo de caridade plena", uma farsa publicitária feita para deslumbrar os fanáticos religiosos sem que o pessoal desconfie que se trata de uma concorrência religiosa explícita, daí ser ótimo os espíritas brasileiros usarem de falsa modéstia para evitar comparações com católicos.

g. Desviamos o foco quando afirmamos que o estudo é dispensável ou que já sabemos tudo e somente valorizamos o passe ou a reunião mediúnica como, distanciando-nos de outras atividades;

Os espíritas brasileiros é que fogem do legado kardeciano, embora finjam segui-lo ou aderem a traduções deturpadas (Guillon Ribeiro e Salvador Gentile), que, ao transformar Kardec num padre e não num pedagogo, já sonegam em boa parte o estudo da obra do professor de Lyon, e não adianta ir além do passe ou da reunião mediúnica se o conteúdo do "estudo espírita" já é deturpado. Estudar mais e mal não é buscar o bom entendimento.

h. Desviamos o foco quando não valorizamos o movimento espírita e achamos que apenas a “nossa casa” é importante, desvalorizando esforços alheios e permanecendo indiferente com o que outros confrades e instituições realizam;

Essa desunião das chamadas "casas espíritas" é efeito natural da deturpação e dos jogos de interesses envolvidos. Desde que Roustaing ganhou preferência sobre Kardec, até hoje, mas Roustaing foi deixado para trás como o hoje detento Eduardo Cunha na política atual, os nossos espíritas não se valorizam.

Dentro dos seguidores de Chico Xavier, há até os que se desentendem com a fantasia da data-limite, sendo de um lado Ariston Teles que diz incorporar o médium e de outro Geraldo Lemos Neto (e pupilos como Juliano Pozati), o primeiro não acreditando na tal profecia e o segundo defendendo.

Mas o verdadeiro movimento que não é valorizado é o do próprio Allan Kardec, que pagou com seu próprio dinheiro as viagens de pesquisas e outras atividades, que tinha um projeto educacional que estimulava o senso crítico (contrário a religiosamente correta Escola Sem Partido defendida até por Divaldo Franco) e teve seu legado violentamente deturpado por aqueles que se dizem "os mais fiéis seguidores" no Brasil.

i. Desviamos o foco quando nos portamos dependentes das comunicações espirituais, creditando a supostos mentores aquilo que nos compete realizar;

O que dizer da apreciação da obra retrógrada de Emmanuel, que com seu ultraconservadorismo com sutis passagens racistas, machistas e moralistas, que os espíritas brasileiros que se dizem autênticos, sem perceber a aberrante contradição do mentor de Chico Xavier com a obra kardeciana, entendem como uma bússola para o entendimento da vida?

j. Desviamos o foco quando a vaidade ou a prepotência nos domine;

A atividade mediúnica, muitas vezes apenas uma brincadeira de faz-de-conta, já a partir de Chico Xavier constituiu num culto à personalidade dos mais levianos, um personalismo que se agrava quando médium passa a ser também sinônimo de "sábio", como se observa nos fenômenos do próprio Chico e de Divaldo Franco.

Recentemente, o curandeiro João de Deus, latifundiário nas horas vagas, deve ter se explodido de vaidade quando uma atriz ateia e de esquerda, Camila Pitanga, recorreu a ele para agradecer a uma sobrevida a um acidente. Camila agiu por indicação de alguém na Globo e caiu na armadilha, sem saber que ela poderia ter feito meditação em sua casa ou bastasse apenas a gratidão ao ator Domingos Montagner, vítima do acidente fatal, que impediu a colega de mergulhar com ele.

Não adianta revestir as atividades dos pretensos médiuns com filantropia, porque isso é como uma falsa modéstia a ocultar a fogueira das vaidades de médiuns que nada fazem senão serem os centros das atenções, e maior é a vaidade que, com medo das consequências, foge para o primeiro aparato de simplicidade que lhe serve de abrigo, na tentativa de disfarçar os gozos da propaganda pessoal.

k. Desviamos o foco se não prestarmos atenção se o que estamos fazendo, seja em apresentações artísticas, pela música ou teatro, por exemplo, não observamos a coerência doutrinária, que nos pede prudência e respeito pelos próprios postulados do Espiritismo para não cairmos nos caminhos da vulgaridade ou do fanatismo;

Não se pode falar em coerência doutrinária numa doutrina que, já exaltando o exemplo de Chico Xavier, assina um atestado de incoerência ao legitimar um suposto médium que publicou 400 livros que trazem contradições preocupantes em relação ao legado de Kardec e mostram um conteúdo confuso, prolixo, rebuscado e de valor bastante duvidoso.

l. Desviamos o foco nas disputas e em discussões absolutamente dispensáveis;

O que dizer de palestras incansáveis e caríssimas sobre "felicidade"? Muitas delas são despejadas em seminários caríssimos como os feitos por Divaldo Franco, com sua verborragia habitual. Ou nas doutrinárias dos chamados centros espíritas que falam trivialidades familiares, criando análises e discussões muitas vezes vãs, se perdendo no lindo desfile de palavras que, por mais que não traga insinuações maldosas explícitas, também não traz contribuição alguma para o conhecimento humano.

O que dizer também de tantas análises sobre o "amor", teorizando demais a caridade, a fraternidade e o amor ao próximo, criando entulhos retóricos e discursivos que nem de longe contribuem para melhorar as práticas humanas?

Quanto às disputas, de que adianta condenar os conflitos que, por exemplo, ocorrem com a discordância da visão dominante do movimento espírita, que é a dos místicos, contra os científicos, estes ligados ao pensamento original de Allan Kardec, e defender uma união "de cima", uma falsa fraternidade em torno da causa dominante, nem sempre a mais coerente e benéfica a todos?

m. Desviamos o foco quando nossos esforços se concentram mais na obtenção de recursos do que na divulgação, no estudo e na própria vivência espírita.

A própria blindagem do mito de Chico Xavier, quando muitos esquecem, ignoram ou se recusam a admitir que ele nunca passou de uma combinação de um realizador de pastiches literários e missivistas com a de um beato e moralista religioso dos mais conservadores, já tem o objetivo de ganhar dinheiro e obter recursos para o movimento espírita brasileiro.

Essa blindagem já mostra isso porque, pelo menos, Chico Xavier era bom em sensacionalismo. Daí a complacência com seus erros preocupantes, com a confusão que ele causou no meio intelectual, com as deturpações gravíssimas em relação ao legado kardeciano, com a defesa aberta à ditadura militar, com tantos outros aspectos sombrios da figura do suposto médium.

Isso não tem como objetivo "promover a bondade", mas a defesa radical de um ídolo religioso que rende muito dinheiro à FEB e a quem for associado, principalmente a Rede Globo de Televisão. Ídolos religiosos são verdadeiros midas que enchem os cofres dos ricos com dinheiro sob o disfarce da humildade e da bondade.

Daí que Chico Xavier é o único a realizar erros gravíssimos, como usurpar em causa própria autores falecidos consagrados, como Humberto de Campos, "catolicizar" a Doutrina Espírita, expor excessivamente as tragédias familiares e ainda defender a ditadura na pior fase, quando boa parte dos que a apoiaram estavam na oposição, e sair imune a tudo, não porque é um "bondoso frágil" que contornou qualquer obstáculo, mas porque é um ídolo religioso que rende muito dinheiro.

Isso é tão certo que os defensores de Chico Xavier, que se autoproclamam dotados de energias ditas elevadas, são os que mais se enfurecem quando são contrariados. E mostra a contradição que sempre simbolizou Chico Xavier, seja na vida, seja na posteridade, pois o suposto médium que dizia defender o desapego e a desobsessão virou objeto de apego e obsessão por parte de seus seguidores, atingindo níveis preocupantes.

A conclusão que se tem é que o esforçado palestrante do movimento espírita que falou do tal "desvio de foco" deveria olhar para o seu lado. Tão zeloso pelos ensinamentos de Jesus, o autor se esquece de uma frase famosa do mestre andarilho: ver o argueiro no olho do outro e não ver a trave no seu.

É no Espiritismo tão defendido pelo tal palestrante que ocorrem os piores e mais preocupantes desvios de foco, com a mediunidade totalmente constituída de tantos personalismos, tão levianamente acobertados pelo aparato da humildade e do simulacro de bondade. Na teoria, pedir "coerência" no movimento espírita é fácil, mas a prática isso fica bem mais difícil.

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