domingo, 2 de outubro de 2016

A estranha "caridade" da Teologia do Sofrimento


Estranho padrão de "caridade" da Teologia do Sofrimento, a corrente medieval da Igreja Católica que, no Brasil, foi adotada pelo "movimento espírita" através de Francisco Cândido Xavier. A ideia de glamourizar o sofrimento e pedir para o sofredor não só aceitar suas desgraças mas, se possível, ajudar algum algoz, parece "positiva", mas não é.

Servir a quem já comete abusos e se afoga na cegueira de seus privilégios e de sua ganância nem de longe é considerado caridoso. Veremos os dois lados desse ritual de "caridade" e "misericórdia" que o discurso religioso serve para o deleite de seus seguidores, iludidos com a doçura plena das palavras.

De um lado, a pessoa sofrendo desgraças sucessivas, praticamente se esforçando em vão para superá-las. De outro, o privilegiado orgulhoso, que abusa de sua situação confortável para explorar os outros, enquanto detém seus benefícios pessoais com um egoísmo preocupante.

O sofredor serve o privilegiado, mas não a simples colaboração natural ou ajuda espontânea, mas algum ato subserviente. Não é um serviço, é uma servidão. E o que acontece no discurso religioso diante de situação tão humilhante?

O discurso religioso exalta, glorifica, aplaude. O sofredor está "purificando sua alma", obtendo o passaporte das bênçãos - sabe-se lá o que isso significa - e a "superação" se realiza com esse ato de subserviência e servidão. Pode ser duro escrever isso, mas para o discurso religioso, escravidão é "caminho para a libertação".

Ficamos imaginando como tiranias seriam vistas se seus déspotas usassem das palavras melífluas que os palestrantes religiosos fazem. Os governos fascistas passariam imunes à contestação pública se seus tiranos usassem um discurso dócil no qual o sofrimento humano era apenas um meio de "purificar as almas"?

Madre Teresa de Calcutá se revelou uma megera quando jornalistas sérios, a partir do trabalho do hoje falecido Christopher Hitchens, revelaram que suas "casas de caridade" abrigavam doentes, bebês e idosos em condições altamente degradantes, incluindo enfermos graves expostos ao contágio uns aos outros e a reutilização de seringas que só eram limpas com água de torneira (que já não é o primor de higiene).

Teresa foi considerada santa, por um motivo bastante absurdo. De dois supostos milagres, sua santificação se apoiou apenas no segundo, um factoide de um engenheiro brasileiro que disse ter sofrido um coágulo cerebral fatal e se curou por causa de uma medalhinha e umas preces. A Teresa que em vida deixava os doentes morrerem virou santa por uma suposta cura, em circunstâncias bastante estranhas.

Ela é adepta da Teologia do Sofrimento, que pelo jeito anda em alta no Brasil, embora muitos nem sequer sabem desse conceito. Mas, na prática, quando se deseja que alguém sem privilégios sofra demais para conseguir algum benefício, isso é Teologia do Sofrimento, um "prazer pelo sofrimento alheio" justificado por uma retórica de moralismo religioso.

Chico Xavier também difundiu a Teologia do Sofrimento. Em várias de suas frases, Chico revelava-se sádico e perverso: "não comunicar sofrimento aos outros", "aceitar as desgraças sem reclamar", "servir ao algoz com misericórdia e respeito", "sofrer amando para receber as bênçãos futuras" são algumas das sínteses da "filosofia" (sic) do anti-médium mineiro.

E é esse estranho padrão de "caridade" que faz com que os palestrantes religiosos, supostos mediadores dos conflitos entre sofredores e privilegiados, se envaideçam com a posse que presumem eles da verdade e da palavra final, sentindo a ilusão de que a condição de "servos de Deus" lhes garanta algum lugar no reino dos puros.

Eles acham que o equilíbrio moral virá quando pessoas que sofrem desgraças tolerem privilegiados que abusam de seus direitos, como se o evitamento de conflitos garantisse a paz social da humanidade. Mas isso é apenas botar a sujeira debaixo do tapete, e adiar a solução de injustiças para mais uma encarnação não é confiança na eternidade, antes fosse uma preguiçosa procrastinação.

O discurso religioso se revela uma grande farsa, porque essa "caridade" só serve para alimentar ainda mais as vaidades pessoais dos privilegiados, enquanto não garante muitas vantagens para o sofredor, que não raro continua nas suas severas limitações pessoais, obtendo pouco resultado nos seus esforços dentro dessas condições desumanas.

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