segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Por que o 'marketing' da superação é tão perverso?


"Quanto pior for a desgraça, é neste momento que as bênçãos de Deus pousam em sua alma". "É no silêncio que o sofredor fará ser ouvido por Deus". "Suporte o sofrimento, sem se queixar, aguente tudo com fé e alegria".

São frases que parecem bonitas, da forma como são organizadas, e é esse lindo desfile de palavras que se torna uma armadilha para as pessoas, que veem nisso lições supremas de amor, caridade, perseverança e superação.

Isso é um grande engano. O sentido destas frases é extremamente perverso, seguindo a tradição de perversidade do Catolicismo medieval. É isso que corresponde ao ideário da Teologia do Sofrimento, aquela que atribui o sofrimento à suposta purificação espiritual tida como necessária para garantir o ingresso do sofredor ao "reino dos Céus" ou coisa parecida.

É uma espécie de interpretação um tanto paternalista do sofrimento de Jesus de Nazaré, sob o ponto de vista de imperadores romanos e, depois, pelos sacerdotes do Vaticano. É uma visão perversa porque vem do ponto de vista de quem condena e não do ponto de vista de quem está sofrendo alguma desgraça.

O Brasil é marcado por uma tradição moralista que ilude muitos. Até porque as decisões e os destinos sempre estão nas mãos dos privilegiados, o "novo" sempre necessita de acordo com o "velho", evitando as naturais rupturas. Usa-se o fungicida nos limites em que se deva preservar o mofo na medida do possível.

É isso que faz com que injustiças sociais sejam sempre mantidas ou, quando muito, amenizadas. A filantropia, no sentido de uma atividade subsidiária dos movimentos religiosos, deve ser feita no sentido de não prejudicar o sistema de privilégios existentes. Tanto é assim que os religiosos de vários tipos, inclusive "espíritas", sempre apelam para nunca nos inquietarmos contra algozes, tiranos e outros abusadores de privilégios de qualquer tipo.

É uma estranha misericórdia vertical, Ser piedoso não para quem está no lado de baixo da pirâmide social, mas para quem está em cima e abusa. O sofredor sofre desgraças porque "tem razões para isso" enquanto o privilegiado cometeu erros graves pela "pressão das circunstâncias".

E só resta ao sofredor sobreviver a uma avalanche de desgraças, ter um "jogo de cintura" e aguentar em silêncio qualquer cilada. E aí, se sobreviver, ganha o prêmio da vida próspera, como se a vida fosse uma gincana militar, com provas extremamente duras e impiedosas para os participantes.

Mas o mais deplorável é que o chamado "marketing da superação", que tanto encanta muita gente, se revela não mais do que uma forma sutil de sentir prazer com o sofrimento alheio. Uma coisa é sorrir quando vemos cegos e paraplégicos vencerem uma competição nas Paraolimpíadas, e ver nisso um ponto positivo de pessoas que mostram que são capazes.

No entanto, há aquele sentimento religioso que diz, com aparente doçura mas com um cinismo cruel, que o sofrimento "dignificou" tal pessoa, que a desgraça é um "benefício" e, por isso, são os piores infortúnios que "trazem os benefícios" para as pessoas, daí a "vitória pela derrota".

Isso tudo está presente em muitos pensamentos religiosos. Infelizmente, isso fez a fama de Francisco Cândido Xavier, o ídolo religioso protegido pelos barões da grande mídia. Pois Chico Xavier sempre dizia, se utilizando do tentador aparato de palavras bonitas, que o sofrimento era o "caminho do progresso", palavras que adoçam corações, confortam emoções mas envenenam vidas.

A mancenilheira de palavras de Chico Xavier é um exemplo de como o marketing da superação só serve para alimentar vaidades e o orgulho dos corações duros dos pregadores religiosos, insensíveis com a desgraça alheia, até porque é através dos sofrimentos dos outros que as religiões expandem suas instituições, criando uma "indústria do sofrimento" para forjar o "altruísmo de resultados".

Daí o caráter perverso das instituições religiosas, que se envaidecem quando pessoas desgraçadas se superam, sem saber o duro que as pessoas tiveram para isso. Os palestrantes religiosos acham ótimo que as pessoas tenham sofrido desgraças muito graves para chegar à posição próspera que atingiram, e isso é muita crueldade, embora muitas pessoas entendam esse sentimento como "bondade".

Erasto havia alertado, em mensagem publicada em O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, sobre a suposta bondade dos deturpadores "espíritas": "Conheces todos os segredos de tua alma?". O caso de Chico Xavier, pastichador e plagiador de livros, demonstra o quanto ele se serviu da Teologia do Sofrimento para tirar vantagem e promover seu arrivismo como ídolo religioso.

Ele sempre pedia para ninguém questionar nem reclamar nem contestar para que ele não fosse desmascarado por suas fraudes. E ele usava a Teologia do Sofrimento, com seu jogo discursivo de derrotas e vitórias, em causa própria. Quando era duramente criticado, era só Chico Xavier reagir em silêncio ou bancar o coitadinho para depois levar vantagem com seu triunfalismo.

Daí a perversidade que a Teologia do Sofrimento e o marketing da superação representam para os ídolos e palestrantes religiosos, alimentando vaidades pessoais às custas do sofrimento alheio e se promovendo através de ideias moralistas que parecem bondosas mas expressam um conservadorismo austero e perverso. Até porque não são os ídolos religiosos que sofrem as desgraças maiores da vida.

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