sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Prestígio social e a banalização do erro

ROMERO JUCÁ, MICHEL TEMER, GEDDEL VIEIRA LIMA E RENAN CALHEIROS - Eles cometem erros graves e o pessoal tranquilinho em casa?

A banalização do erro humano cria uma moral seletiva. Pessoas que cometem erros pequenos mas são desprovidas de prestígio social são seriamente criticadas, enquanto outras, que cometem erros gravíssimos e até crimes de arrancar os cabelos, são poupadas e vistas apenas como pessoas que cometem pequenas molecagens.

O Brasil começa a viver uma crise de status quo, porque é justamente nas pessoas dotadas de alguma superioridade, como na idade, no dinheiro, na fama, no diploma e no poder exercido de alguma forma é que se observam os erros mais graves e preocupantes, o que deixa os deslumbrados ainda acomodados na sua indiferença, vivendo na doce ilusão de que os "tarimbados", quando erram, apenas "erram como todo mundo".

O "errar como todo mundo", sob a desculpa de dizer "quem nunca erra?" ou "somos gente como a gente" faz com que haja essa complacência. O governo de Michel Temer, por exemplo, é uma terrível e assustadora catástrofe política e as pessoas não parecem preocupadas com isso. Até pouco tempo atrás, era o mesmo pessoal que se enfurecia só de ver a cara de Dilma Rousseff na TV.

Imagine você sendo passageiro de um navio que navega em águas revoltas num momento de tempestade e o timoneiro e a tripulação, além de cometerem delitos - digamos que eles cheguem até a furtar objetos das bagagens dos passageiros - , se desentendem seriamente a ponto de haverem casos de agressões físicas entre os conflituosos.

Imagine se o timoneiro deixa de guiar o navio por causa dessa confusão toda, que cria um caos nos bastidores e a embarcação ainda está rumando em direção a um rochedo. Você, passageiro do navio, permaneceria tranquilo numa situação dessas, acrescentando que o céu apresenta trovoadas, o ar se movimenta em vendaval e no mar se formam ondas gigantes?

A situação é como essa metáfora e o governo Michel Temer, que só pode ser considerado "governo" por uma simples formalidade, pois mais parece desgoverno, é recheado de tantos e graves deslizes e escândalos que só mesmo o surrealismo para explicar a serenidade das pessoas e a ingenuidade (ou cinismo?) de uns em rir desses escândalos, como se a tragédia fosse uma comédia?

São erros cometidos pelo próprio Temer e seus associados: Romero Jucá, Henrique Meirelles, Alexandre de Moraes, José Serra, Geddel Vieira Lima, Renan Calheiros, Rodrigo Maia, Aécio Neves, ou mesmo Gilmar Mendes, Carmem Lúcia e os irmãos donos das Organizações Globo (José Roberto, João Roberto e Roberto Irineu Marinho). A plutocracia política, econômica, jurídica e midiática revela erros muito graves que o status social quer que sejam vistos como "coisa menor".

Com o nível de responsabilidades que têm os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário - é bom deixar claro que até o "super-herói" Sérgio Moro tem irregularidades graves em sua trajetória - , é assustador que haja tantos e tantos escândalos, porque o Brasil é deixado à deriva num momento em crises sociais profundas, algo que mais parece véspera de catástrofe.

No Rio de Janeiro, então, a serenidade de pessoas indiferentes a isso faz com que famílias entrem num restaurante mesmo quando um caminhão de lixo fedorento, cujo ar fétido flui em contato com a comida a quilo, contaminando os alimentos, e todos vão felizes fazer sua refeição sem saber que o contato do lixo com a comida pode produzir, após a ingestão, uma intoxicação alimentar.

A felicidade dos cariocas, não só eles mas principalmente eles, é um retrato surreal do país que mergulha em gravíssimas crises, que hoje culminam com as rebeliões nos presídios que não só envolvem a chamada "nata do banditismo" nacional, mas também envolvem supostos fornecedores de entorpecentes consumidos por gente rica nas festas.

É uma situação de calamidade pública, de provocar insônias e não sonos tranquilos, de inspirar apreensão e não tranquilidade, e que não permite relativismos do tipo "todo mundo erra". Isso é até uma hipocrisia, porque as elites são tão distintas em qualidades positivas, mas quando erram têm que ser niveladas ao cidadão comum, mesmo sendo erros graves de gente rica ao lado de erros pequenos de gente pobre ou de classe média.

E O "MOVIMENTO ESPÍRITA"?

A complacência ao erro também é muito comum no "espiritismo" brasileiro. A deturpação que teve em Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco seus maiores propagandistas é uma gravidade sem tamanho que empastelou, de forma deplorável e irresponsável, o legado de Allan Kardec.

Não se trata de algo acidental ou feito sem propósito, apoiado por boa-fé ou cometido pela falta de tempo. Chico Xavier e Divaldo Franco deturparam com muito gosto e propósito o legado kardeciano, mas seus fanáticos seguidores insistem que isso foi apenas efeito de "falta de tempo para estudar" os postulados espíritas, tese muito bonita e bem articulada, mas sem veracidade nem consistência.

A "falta de tempo para estudar" não procede como motivo da deturpação "acidental" porque tanto Chico quanto Divaldo produziram vários livros cujo conteúdo contraria severamente os postulados originais da Doutrina Espírita, e não se produz farto material por causa de um "pequeno erro de atenção" ou "falta de aprendizado".

Se fosse assim, qualquer calouro de faculdade já teria pronta sua tese de mestrado, com monografia pronta na base do achismo e enfeitada com linguagem empolada. O que os dois "médiuns" fizeram é de extrema gravidade e feita de puro propósito. Eles deturparam porque quiseram e gostaram, essa é a verdade mais crua, embora difícil de ser aceita por muitos.

Chico Xavier já tinha "dez anos de espiritismo", como se atribuía oficialmente, quando elaborou o livro Nosso Lar em 1943. O livro mostra uma "colônia espiritual", coisa que Allan Kardec em nenhum momento julgou plausível em suas obras, devido à inexistência de estudos que apontassem sequer um único indício de tais lugares no mundo espiritual. A vida espiritual apenas tinha existência aceita por argumentos lógicos, mas carecia de estudos para ver como ela era.

O "movimento espírita" criou práticas que mais parecem arremedos do que se fazia na Igreja Católica, como "água fluidificada" (nome que soa redundante), em lugar da "água benta" e o "auxílio fraterno", espécie de "confessionário". Nos "centros espíritas" brasileiros, a reunião de estudo tão citada pelo pedagogo de Lyon foi substituída por uma missa em que a única ruptura ocorreu no ritual do senta-e-levanta dos ritos, além do aparato pomposo de batinas, órgão etc.

Não há um aspecto do cientificismo de Allan Kardec que tenha sido adotado. Em primeira instância, porque a FEB teve como propósito original dar preferência a Jean-Baptiste Roustaing, que criou as raízes do "espiritismo" que conhecemos. Só depois, com a fase dúbia, nos anos 1970, é que se fez um "roustanguismo sem Roustaing", supostamente fiel aos postulados originais de Kardec.

E o que acontece? Acontece que os erros dos "espíritas" também são encarados como coisinhas pequenas. O fato deles admitirem que "erram o tempo inteiro", declaração que esconde uma falsa modéstia e um medo de sofrer os efeitos de suas irregularidades, revela o quanto o prestígio religioso serve não só para alimentar vaidades pessoais, mas também de proteger contra os efeitos naturais de suas decisões e práticas desacertadas.

Não há uma tradução de um livro sequer de Franz Anton Mesmer, o estudioso de Magnetismo que inspirou o professor Rivail a estudar os fenômenos espíritas e adotar o codinome Allan Kardec, e por isso os passes, não bastasse o caráter "passebo" (trocadilho com "placebo", relacionado a supostos remédios de efeitos inócuos), se reduzem apenas a um espetáculo de sacudir de mãos no ar ou tocando no corpo de alguém.

São erros cometidos de propósito, que por isso mesmo não podem ser minimizados nem relativizados. E os erros de Chico Xavier foram de uma gravidade imensa, que derrubam, como uma onda do mar atingindo um castelo de areia, sua reputação de "iluminado" e "espírito puro". Ele causou muita confusão e isso não é culpa dos que o questionaram, porque, no caso dos pastiches literários, os fatos mostram que os críticos literários que contestavam o "médium" estavam certos.

Não há como servir de "carteirada religiosa" para minimizar os erros gravíssimos vistos no "movimento espírita". Não há como atribuir, quando uma pessoa sofre desgraças em excesso, a culpabilidade da vítima, porque isso acaba revelando um juízo de valor severo, injusto e, portanto, muito cruel dos "espíritas", algo que se torna digno de processo por danos morais.

Os erros de Chico, Divaldo e seus semelhantes são de muita gravidade. Eles envolvem tanto o desprezo conceitual aos postulados espíritas originais quanto à indisposição de obter o rigor necessário das práticas mediúnicas, que no Brasil se reduziram a um faz-de-conta usado como propaganda religiosa.

São erros graves, porque os "espíritas" assumiram responsabilidades que pressupunham a consciência de virtuais erros, o que mostra que os "espíritas", principalmente os "médiuns" tão festejados e adorados, assumiram o risco diante dos deslizes que cometeram ao longo dos anos.

Achar que, só porque "todos erram", os "espíritas" devem ser eximidos de responsabilidade e, portanto, de sofrer os efeitos drásticos de seus atos, é ainda mais deplorável, porque isso revela o orgulho e o medo de ver sua reputação ser reduzida a nada diante da revelação de tão graves erros. É como se tivessem medo de caírem do alto da escada que constroem para o Céu.

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