terça-feira, 8 de agosto de 2017

A incoerência de defender o sofrimento humano


O que é trabalhar com as palavras. No Brasil, o ditado popular "de boas intenções, o inferno está cheio", poderia muito bem ser adaptado para "de belas palavras, o inferno está cheio". A Teologia do Sofrimento é uma das grandes aberrações ideológicas que se servem de palavras bonitas só para forçar alguém a aceitar seus próprios prejuízos.

É verdade que as pessoas aprendem com dificuldades e limitações, mas soa um grande desrespeito dizer que o sofrimento beneficia as pessoas. E os maiores pregadores da Teologia do Sofrimento parecem ser pessoas de pouco sofrimento, sendo malabaristas das palavras que vivem a ilusão de pregarem "ensinamentos positivos", quando o que fazem é tão somente pregar moralismo severo sob o aparato da beleza das palavras.

As pessoas fazem malabarismos com as palavras, para justificar retrocessos e arbitrariedades aqui e ali. Os egoístas são aqueles que se servem de argumentos os mais objetivos, pragmáticos e paliativos possíveis, tudo para dar o máximo disfarce às suas intenções egoístas, fazendo os outros crerem que se trata da pessoa mais altruísta que apenas "aconselha" outrem a aceitar "sacrifícios necessários", eufenismo para prejuízos.

A Teologia do Sofrimento é originária do Catolicismo medieval, famoso por suas atrocidades. É uma ideologia ultraconservadora, um "holocausto do bem", um repertório ideológico tão retrógrado e severo, apesar dos "bons conselhos", que a gente imagina que os tiranos da nossa história poderiam ser "santificados", com toda a sua crueldade de genocídios, se fossem oradores mais dóceis e atribuíssem às suas vítimas um "pagamento" de algum "erro grave" mais antigo.

A Teologia do Sofrimento, então, justificaria o holocausto aos judeus na Segunda Guerra Mundial, porque o nazismo atribuiu aos judeus uma "conduta usurpadora" do dinheiro público, e os campos de extermínio foram construídos sob a desculpa de "limpar a humanidade das impurezas deixadas por parte da humanidade". Daí a Teologia do Sofrimento, mesmo com suas "mensagens positivas", ser uma ideologia muitíssimo perigosa e nociva.

JOÃO MOHANA PREGOU A TEOLOGIA DO SOFRIMENTO, MAS FOI CHICO XAVIER QUEM A POPULARIZOU

Não há um palestrante muito conhecido, entre os brasileiros, que fosse ligado oficialmente à Igreja Católica. Mas um dos pregadores, que pelo menos ficou conhecido entre os católicos mais entrosados, foi o padre católico João Mohana, que viveu entre 1925 e 1995 e era maranhense.

Ele não escreveu só textos sobre Teologia do Sofrimento, escrevendo também sobre outros temas sob o prisma católico, como as relações entre casais. Mas João Mohana lançou um livro caraterístico desta corrente, intitulado Sofrer e Amar - Psicologia e Teologia do Sofrimento, lançado pela Editora Agir em 1973, com os mesmos argumentos "bonitos" sobre a "importância do sofrimento humano".

A abordagem do livro, embora adotasse um estilo de argumentação envolvente e típico de um livro de autoajuda, é bastante parcial. Ela fala apenas dos "pontos positivos" que o sofrimento traz à pessoa, sem perceber que não é o sofrimento que traz benefícios, mas a reação da pessoa para superar esse incômodo destino.

João Mohana chega mesmo a apelar para o "amor ao sofrimento". Sobre a dor da desgraça, o autor escreve sobre o "cristão": "Encara-a com coragem, e sobretudo com confiança, sendo que muitos até com alegria".

Mesmo católico, ele parece usar os mesmos argumentos dos "espíritas", que popularizaram a Teologia do Sofrimento. Ele cita até mesmo a dicotomia "materialista" X "espiritualista" que dá água na boca nos pregadores "espíritas": "Só o espiritualista entende a linguagem misteriosa do sofrimento e sabe perfeitamente o que ele quer dizer: ao passo que o materialista acaba derrotado pelo sofrimento, sem achar razão para ele".

Ele enumera grandes personalidades que, segundo o autor, fizeram grandes realizações "a partir do sofrimento", como se obter desgraças apenas gerasse pessoas brilhantes, esquecendo o autor que o sofrimento extremo pode produzir, de outra forma, tiranos, criminosos, corruptos, trapaceiros e usurpadores:

"Beethoven foi obra do sofrimento. Santo Agostinho foi obra do sofrimento. Bizet, Haendel, foram obras do sofrimento. Edison, Francisco de Assis, Inácio de Loiola, Franklin, Thomas Jackson, Léon Bloy, Madame Curie, Pierre Curie, Chopin, Schubert, Hellen Keller, José do Egipto, Gema Galgani - todos eles fazem parte de uma das inúmeras galerias do museu do sofrimento".

É muito perigoso teorizar o sofrimento e dizer que a desgraça humana é benéfica por si mesma. O próprio autor se contradiz quando fala que o sofrimento não é um tema a ser debatido, embora ele mesmo se arrisque em "discutir o tema" dentro de uma abordagem pretensamente filosófica:

"O sofrimento é destes problemas que não podem ser discutidos como se discute política, história, arte ou economia, porque o sofrimento fere, ataca diretamente, e quando ele marca um encontro conosco, vem pronto para nos laçar, para nos atraiçoar, pois mete-se na roupa bonita do prazer e depois a gente se surpreende quando descobre que era a dor que estava vestida de homem".

O autor também se contradiz, no parágrafo acima, quando define o sofrimento como disfarçado na "roupa bonita do prazer". De que sofrimento ele está falando? O prazer é sofrimento e o sofrimento é prazer? O que é o prazer? A religião conservadora condena o prazer, independente da forma sadia ou doentia que ele seja exercido, e acaba defendendo a desgraça como "salvação da vida".

O livro é cheio de argumentações bonitas que podem servir de armadilha para a pessoa aceitar viver em desgraça. Aliás, a Teologia do Sofrimento é perigosa porque pode produzir masoquistas, que passam a ter prazer pelo sofrimento e, em muitos casos, isso pode trazer preguiça e até depressão, disfarçada de uma mórbida e falsa alegria que pode ser autodestrutiva.

O mito do "inimigo de si mesmo" é outro aspecto dessa ideologia medieval. Esse conceito, extremamente perigoso, pode induzir a pessoa ao suicídio, porque prega o "combate a si mesmo". "Você é seu inimigo, combata-o", diz o pregador religioso, sem excluir os "espíritas", que são os que mais apelam para essa falácia, com enérgica firmeza. Só depois das críticas é que os "espíritas" alegam que foi apenas "metáfora", mas até isso acontecer vários suicídios podem ter sido cometidos.

Os "espíritas" pregam a Teologia do Sofrimento sem assumir (aliás, os "espíritas" iriam assumir alguma coisa, já que a religião é marcada pela dissimulação?). Pelo contrário, nas "casas espíritas" os palestrantes tentam alegar o contrário: "ninguém nasceu para sofrer", é o que costumam dizer.

Mas é só ler os livros retrógrados de Francisco Cândido Xavier para verificar o quanto a Teologia do Sofrimento foi adotada pelo "espiritismo" brasileiro. Chico Xavier apelava, com suas próprias palavras, para as pessoas "sofrerem sem demonstrar sofrimento", "nunca reclamarem da vida", "nunca questionarem" etc etc etc.

Claro que isso é manobra para ninguém ficar desconfiando das obras fake que Chico Xavier produzia creditando autoria aos mortos. Mas também era uma demonstração de que o "médium", ídolo religioso protegido da Rede Globo, era um seguidor entusiasmado da Teologia do Sofrimento.

Os "espíritas", que não costumam assumir seus aspectos sombrios (eles se limitam a dizer apenas que são "imperfeitos" e "falíveis"), ficam assustados quando alguém lhes identifica como seguidores da Teologia do Sofrimento. Acham que isso é "injusto", por se acharem "progressistas" e "nunca iriam fazer apologia da desgraça humana" em suas palestras. "Nunca iriam fazer", mas sempre fazem.

Se observarmos livros como Os Quatro Evangelhos de Jean-Baptiste Roustaing, e Sofrer e Amar, de João Mohana, veremos que os dois livros poderiam ter sido escritos por algum "espírita" brasileiro, que é roustanguista e adepto da Teologia do Sofrimento, mas se horroriza quando é identificado como tal. Falta sinceridade entre os "espíritas", que, pelo menos, deveriam assumir seus aspectos mais retrógrados.

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