terça-feira, 22 de agosto de 2017

A indiferença generalizada com o atual momento


"Puxa, quer dizer que não posso ser feliz, na moral?", diz o cidadão médio, quando questionado por outrem sobre a alegria extrema que vive nos últimos momentos, desde quando, em maio de 2016, o governo Dilma Rousseff se encerrou de forma abrupta, forçada pela pressão oposicionista exercida pelos poderes Legislativo e Judiciário.

O momento atual é de profundos retrocessos sociais e não há como ser feliz num momento desses, se comportando como se o país vivesse a melhor fase de sua História. Não vive, e tal felicidade mais parece uma sensação de egoísmo do que de otimismo.

Os retrocessos são imensos. A economia do Brasil irá se enfraquecer, com o "crescimento" só se refletindo para as elites financeiras e uma parcela da classe média conservadora. As conquistas sociais estão sendo desfeitas uma a uma. Mulheres e negros estão cada vez mais atingidos pela violência que voltou com tudo. E reacionários de extrema-direita parecem cada vez mais esperançosos em conquistar o poder.

O momento é de reflexão, de apreensão e até de indignação. Se as pessoas tivessem vontade de se unir para protestar contra Michel Temer com maior intensidade do que andaram fazendo, seria melhor. Mas Temer está feliz, governando às costas do povo, derrubando obstáculos jurídicos que poderiam afastá-lo do governo, impondo uma pauta que trará danos irreparáveis nas vidas de muitos brasileiros.

E o "espiritismo", que estufa o peito para declarar "fidelidade absoluta" a Allan Kardec, mas a este comete traições, "oito dias por semana", com postulados igrejeiros medievais, nem está aí. Os "espíritas" apoiam Temer, não pela declaração explícita, mas pelos apelos insistentes para os infortunados "amarem o sofrimento" e manterem fé mesmo na pior das agonias.

Esses apelos demonstram o quanto o "espiritismo" vestiu a camisa da Teologia do Sofrimento, a corrente católica medieval que nem todos os católicos aceitam, mas os "espíritas" em sua grande maioria defendem, sem declarar explicitamente. Aliás, no discurso, os "espíritas" se dizem "surpresos" com tal constatação, pois se acham "progressistas" e nunca assumiriam teoricamente a apologia ao sofrimento humano.

É aquela coisa. Praticam, mas não assumem. Defendem, apelam, apoiam a tese da "aceitação do sofrimento", desenvolvem as falácias do "inimigo de si mesmo", que só empurram o sofredor para o suicídio (para este, tudo é pior seja na vida ou na morte), e fazem isso com todas as palavras e pontuações.

Mas quando alguém melhor informado lhes diz "Isso é Teologia do Sofrimento, é catolicismo medieval", os "espíritas" choram aos berros e tentam dizer "não é bem assim". Só que até os católicos que assumem a Teologia do Sofrimento também vêm com esse papo de "não é bem assim". Ninguém quer levar fama de carrasco.

Em todo caso, o "espiritismo" brasileiro demonstrou apoiar Temer e achar positivos os retrocessos sociais em marcha. Se a negociação entre patrões e empregados perdeu a regulação da lei, os "espíritas" acham isso ótimo, acreditando em "acordo entre irmãos", nos quais o empregado testará seu espírito de renúncia e abnegação e aceitar as restrições que o patrão irá impor, para "resolver a crise" e garantir para o empresário aquela turnê Miami-Nova York-Los Angeles com a família.

O salário vai reduzir? "Que bom, grande oportunidade para o desapego!". Desapega-se do necessário para garantir o apego dos outros ao supérfluo! A aposentadoria vai para o fim da vida? "Que maravilha, os proventos serão liberados no além-túmulo, quem sabe o 'de cujus' (falecido) poderá calcular o valor da aposentadoria e receber em bônus-hora quando estiver numa colônia espiritual".

Haverá mais privatização de empresas e instituições públicas? A Educação e a Saúde, com verbas públicas congeladas, serão entregues à "ajuda generosa" dos investidores privados? "Que bom, assim o Brasil terá menos responsabilidades e poderá ter mais tempo de pregar o Evangelho, conforme as maravilhosas profecias de Francisco Cândido Xavier".

Enquanto uma grande maioria de pessoas é "convidada" a "aceitar o sofrimento", "abrir mão de tudo", enquanto o sofrimento humano é defendido pelos "espíritas" até depois que o sofredor se arrepende de seus erros (a defesa do sofrimento continuando após o remorso soa como um "estelionato moral" da religião), os privilegiados precisam ser protegidos nos seus abusos e até perversidades. A ideia é ser sempre caridoso com um egoísta para ele praticar seu egoísmo em paz.

Vivemos um período sombrio, em que o "alto da pirâmide", em acelerado processo de perecimento, já fedendo a cadáver podre em vida, tenta resistir a tudo e a todos, se tornando não só senhor das circunstâncias, mas tentando ser o senhor do passado, do presente e do futuro. De machistas a coronelistas, de entreguistas a obscurantistas religiosos, a turma "de cima" luta para não perecer, para não morrer, para não decair, empurrando encrencas e condenações com a barriga.

Por isso, vivemos, no Brasil, um período dos mais sombrios. As tentativas de progressos vindas de 1808 até mais ou menos 2007 - quando cresceu, nas redes sociais, uma onda de reacionarismo de internautas - parecem ter sido em vão, porque as forças retrógradas de todo tipo hoje reagem de forma bastante violenta para forçar a marcha-a-ré evolutiva da sociedade brasileira.

Não se pode ver atenuantes no status quo social em crimes, gafes e erros graves cometidos por gente privilegiada. Corrupção de políticos do PMDB e PSDB não são piada de humorístico da TV, são casos graves que podem botar o país a perder. Feminicídio praticado por homens privilegiados não é ato de proteção aos valores da Família, mas um possível "higienismo" gradual que, além de reduzir o número de mulheres no Brasil, impede também o nascimento de novos brasileiros.

As pessoas devem ficar aflitas e indignadas. Se é possível ficar alegre, não se pode exagerar. O clima hoje não é de paraíso nem de algo parecido. A situação está grave para todos, e o jeito é reconhecer o quanto o "alto da pirâmide" está apodrecido e vermos que muitos valores declinarão, muitos "heróis" terão que ser abandonados e muitos paradigmas, alguns aparentemente valiosos, terão que cair.

Até o nosso "espiritismo" está insustentável, não valendo mais aquela velha promessa de 40 anos atrás dos mesmos deturpadores "aprenderem melhor as lições de Allan Kardec". De que adianta eles estudarem a Doutrina Espírita original e exporem a sua teoria se depois vão praticar o igrejismo que entra em choque com os postulados kardecianos? Além disso, deve-se sempre abrir mão da ideia confortável da raposa sempre ser chamada para reconstruir o galinheiro que destruiu.

Dá para ser alegre, animado, e estar de bem com a vida. Só não se pode exagerar, como se vivesse um clima de tempos áureos. Até porque isso pode sugerir alienação ou egoísmo, pois nem todos compartilham dessa "incrível felicidade" que apenas uns poucos, privilegiados ou desavisados dos tempos sombrios de hoje, vivem. Ainda que uma esperança seja possível, o momento é de reflexão e até de preocupação.

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