terça-feira, 13 de junho de 2017

Por que o Brasil deprecia tanto a mulher solteira?


No Brasil, ocorre uma coisa estranha. Mulheres associadas a ideias independentes, de perfil mais classudo e sem a obsessão de serem objetos sexuais são geralmente comprometidas, em muitos casos sendo esposas de empresários, médicos, engenheiros, advogados, economistas e outras posições masculinas associadas ao poder e ao sucesso.

Enquanto isso, o paradigma da solteira é o da falsa hedonista. A da mulher que só se ocupa em noitadas, no culto ao corpo físico, no exagero de colocar silicones e tatuagens gigantescas ou se tornar um símbolo de hipersexualização, ainda que disfarçado de "causa feminista" e desculpas como "liberdade do corpo" e "direito à sensualidade".

No Brasil, pelo menos quatro mulheres expressam constantemente essa imagem mercadológica da "mulher solteira" trabalhada pela mídia corporativa: as funkeiras Andressa Soares, a Mulher Melancia, Renata Frission, a Mulher Melão e Valesca Popozuda e a ex-competidora da Banheira do Gugu do programa Viva a Noite, Solange Gomes.

Através delas, a imagem da mulher solteira acaba sendo depreciada através de um conteúdo ideológico bastante confuso e contraditório. Num dia, a mulher é uma "solteira feliz". Noutro, ela reclama da falta de um "príncipe encantado". No terceiro, quando encontra o "príncipe encantado", ela o descarta porque ele é "tudo de bom, mas ele é só um bom amigo".

Isso reflete em efeitos negativos à mulher que quer ser independente, e que é convencida pelo discurso da grande mídia "popular" - que transmite frequentemente uma visão bastante preconceituosa e depreciativa das classes populares - de que a mulher solteira é uma "desocupada", uma "vadia", uma "vendida" e uma "permissiva", e acaba preferindo correr atrás do primeiro marido que simbolizar algum "sucesso" na vida profissional.

No Primeiro Mundo, há uma maior permissão para mulheres serem solteiras sem se vincularem à hipersexualização. Mas, no Brasil, mesmo quando a "solteira" estereotipada pela grande mídia assume diversos assuntos, ela sempre se associa à agenda sexual, seja o sensualismo obsessivo ou a apropriação da causa LGBT.

Situações que exemplificam isso são, por exemplo, tratamentos de beleza e cosmética, aparição em exposições de carros (sugerindo a presença de "aviões", como são chamadas as mulheres consideradas atraentes). Ou então apropriações tendenciosas como em obras como Madame Bovary de Gustave Flaubert ou na vida da atriz Leila Diniz (1945-1972), para não dizer na de Marilyn Monroe (1926-1962).

Por que o Brasil insiste em explorar uma imagem bastante pejorativa ou depreciativa da mulher solteira, mais preocupada em se tatuar, botar piercing, silicone ou ficar "sensualizando demais", enquanto pouco está se preocupando com o intelecto ou com valores culturais mais relevantes?

Há uma combinação de interesses comerciais. Afinal, a hipersexualização é um filão que está vinculado a setores reacionários da grande mídia dita "popular" (mas, não raro, controlada por ricas oligarquias regionais e nacionais) e das redes sociais, antro do mais extremo conservadorismo social, que nos últimos 25 anos contagia uma boa parcela da juventude brasileira. Não por acaso, é nestas redes que há um grande público das mulheres siliconadas.

O mercado é bastante rentável e movimenta muitos e muitos reais só por visualizações na Internet e vendas de revistas. Em muitos casos, as funkeiras se destacam menos por suas músicas (por sinal, ruins) e mais pelo "apelo sensual". O mercado também permite ao poder midiático fazer parcerias com dirigentes esportivos e carnavalescos, além das indústrias de cerveja, entre outros empreendimentos.

O sexo torna-se um mercado que o poder midiático usa para controlar as mentes dos homens e, frequentemente, serve como "analgésico social" para frear os ímpetos de mobilização social. No período ditatorial, o erotismo nas revistas pornográficas de segundo escalão foi estimulado para evitar que os homens possam pensar em protestar contra a ditadura.

A solteirice feminina, associada à hipersexualização, torna-se então um mercado bastante promissor e que traz lucros exorbitantes aos detentores deste mercado, executivos homens que estão por trás dessas mulheres "sensuais" que insistem em não ter vínculos com qualquer figura masculina. Existe até a regra de que "ser solteira vende mais", no que se refere ao mercado "sensual" predominante no Brasil.

Nos últimos anos, porém, a suposta associação de nomes como Valesca Popozuda ao ativismo social cria entre o público uma visão politicamente correta desse mercado machista. Mas isso nem de longe minimiza o grau de hipersexualização nem o apelo machista, por mais que seja desenvolvido um discurso pretensamente feminista e pró-LGBT.

Isso até piora as coisas, já que a causa LGBT passa a ser trabalhada, no Brasil, de maneira estereotipada e espetacularizada, como se gays e lésbicas se limitassem aos protótipos caricaturais das drag queens e das mulheres-sapatão, ignorando os novos aspectos de comportamento sexual que existem nos países desenvolvidos.

No caso da imagem da mulher solteira, a coisa ainda se torna mais prejudicial, uma vez que a imagem da mulher que vive sem a companhia do homem é insistentemente associada a um estereótipo de pretenso hedonismo, que trabalha uma imagem depreciativa da mulher "libertina", "irresponsável" e "oferecida", causando um grande desestímulo das mulheres emancipadas que passam a ficar horrorizadas com esta triste projeção da imagem da solteirice feminina.

Daí que isso se torna mais um ponto para o machismo brasileiro, e a mulher que quer viver de maneira emancipada, mas não quer ser objeto sexual, vai correndo a uma festa chique buscar um marido "poderoso" e "influente", para não ficar com a imagem de "oferecida" e "sensual demais". A sociedade machista é a maior beneficiada do mercado de depreciação da mulher solteira pela mídia.

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