segunda-feira, 13 de novembro de 2017
A viciada contradição em torno dos "médiuns espíritas"
O episódio da "farinata" quase derrubou um "médium espírita". Quase, porque a complacência generalizada e o silêncio da mídia fizeram vista grossa diante do envolvimento de Divaldo Franco e seu evento Você e a Paz no lançamento oficial do condenado alimento do prefeito de São Paulo, João Dória Jr..
Nem a imprensa de esquerda observou o caso, ficando em silêncio sepulcral, mesmo quando o "espiritismo" é blindado pela Rede Globo e embarca em bandeiras como a defesa do aborto até mesmo em casos de estupro e ameaça à saúde da mãe, que são contrárias aos interesses dos movimentos sociais, que defendem o aborto nestas situações.
Isso porque os "espíritas" gozam de uma imunidade a níveis estratosféricos, superando o PSDB em termos de blindagem, ainda mais numa época em que os políticos tucanos começam a ser questionados até pela imprensa conservadora que os protegia. Talvez seria hora dos tucanos adotarem a atividade de "médiuns" e mudar o partido para ESPÍRITAS, se quisessem manter a antiga blindagem.
Os "médiuns espíritas" brasileiros gozam de uma reputação engraçada. Quando cometem ações acertadas, são associados a uma ideia de "perfeição espiritual", "superioridade moral", "sabedoria plena" e "capacidade de decisão". Mas, quando cometem ações erradas, mesmo graves, são considerados "imperfeitos", "falíveis", que "fizeram sem saber" e "nunca foram eles que decidiram isso". Fala-se até que os "médiuns" foram "manipulados por obsessores".
Que vida mansa. Nunca foi tão fácil ser "médium" na vida. Os "grandes" Francisco Cândido Xavier, Divaldo Franco, João de Deus e José Medrado fazem das suas, e saem ilesos. Divaldo ofereceu seu Você e a Paz para divulgar a "farinata" de João Dória Jr. e saiu de fininho. A imprensa de esquerda deixou tudo para lá: só falta acusar o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer de ter apresentado J. B. Roustaing aos "médiuns espíritas".
O "médium" pode ser considerado "humilde" mesmo excursionando pelo país e pelo mundo, fazendo palestras para ricos. São "ativistas" mesmo fazendo a filantropia medíocre do Assistencialismo (que ajuda muito pouco e sobrepõe o "benfeitor" ao necessitado, ao garantir-lhe a promoção pessoal). Pode fazer psicografias ou psicopictografias fake que são consideradas "autênticas" mesmo apontando aberrantes irregularidades de estilo. E por aí vai.
Os "médiuns espíritas" traem os ensinamentos de Allan Kardec, não apenas por romperem com a função intermediária, mas por desempenhar papéis considerados negativos pela obra seminal, mas nem sempre agradável a muitos, O Livro dos Médiuns. Cometem traições de arrancar os cabelos e que podiam causar apreensão em qualquer um, mas oficialmente os "médiuns" brasileiros são considerados, erroneamente, como "rigorosamente fiéis ao legado kardeciano original".
A trajetória de Chico Xavier foi cheia de muita confusão. Ele se valeu de usar nomes de grandes literatos - praticando aquilo que é claramente condenado por Kardec, o uso de "nomes ilustres" para impressionar a opinião pública - em supostas psicografias, causou muita confusão e desordem e, no entanto, saiu não só impune, mas também recorrendo ao vitimismo para forçar a comoção pública.
Fotos tiradas por Nedyr Mendes da Rocha, fotógrafo "espírita" solidário a Chico Xavier, mostrando claramente o "médium" acompanhando todos os preparativos da farsa da também suposta médium Otília Diogo, observando inclusive a jaula da qual sairia a falsa Irmã Josefa, dão fortes indícios de que Chico foi cúmplice de Otília, desmascarada anos depois. Mas oficialmente Chico foi considerado "enganado" pela farsante, quando provas fotográficas de gente a favor dele desmentem essa visão.
MESMO SOB INTUIÇÃO DE "OBSESSORES", "MÉDIUNS" NÃO SÃO INOCENTES POR SEUS MAUS ATOS
É surreal e aberrante a visão de que os "médiuns" são, ao mesmo tempo, "perfeitos e imperfeitos, sábios e desprevenidos, decididos e manipulados, infalíveis e falíveis". A ideia de que o "médium" só deve ser responsabilizado por atos positivos é uma leviandade que, com toda a certeza, Kardec condenaria com toda a firmeza e clareza de seus ensinamentos.
Mesmo quando os "médiuns" são intuídos por espíritos inferiores, considerados "obsessores", a fazerem maus atos ou caírem em armadilhas, mesmo assim eles não são isentos de responsabilidade de seus atos, porque um simples consentimento revela consciência plena de seus atos. O apoio, o consentimento, a aceitação, tudo isso feito de maneira consciente, não pode significar que o "médium" tenha sido enganado se caso uma farsa foi desmascarada.
Muitos ficam apavorados diante da hipótese de que a "farinata" derrubou Divaldo Franco, como o caso Otília Diogo poderia ter feito com Chico Xavier. Em 1970, Xavier também saiu de fininho e, no ano seguinte, já recebia a blindagem total dos Diários Associados, não apenas pela TV Tupi - cujo programa Pinga Fogo havia recebido o "médium" - , mas pela revista Cruzeiro que antes era hostil a ele.
Por ironia, foi Chico Xavier ser apoiado pela revista Cruzeiro (antes chamada O Cruzeiro) e sua obra Nosso Lar ser adaptada por Ivani Ribeiro para a novela A Viagem, da TV Tupi, para os Diários Associados entrarem em falência e a TV Tupi ser extinta, em 1980. Cruzeiro encerrou, oficialmente, mais cedo, em 1975, mas chegou a ser produzida por dez anos com uma linha editorial e um padrão gráfico diferente dos originais.
"LÓGICA DE FACEBOOK"
O que contribui para essa visão complacente sobre os "médiuns", que só "sabem o que fazem" quando acertam, mas, quando erram, "agiram sem saber", é um raciocínio, ao mesmo tempo raso, confuso mas persistente que predomina nas redes sociais. É uma forma de compreensão cheia de contradições e equívocos, marcada por uma insistente teimosia em usar desculpas, chamada de "ginástica mental".
A "ginástica mental" - que, no contexto de hoje, pode ser também apelidada de "lógica de Facebook" - se dá quando uma pessoa com um ponto de vista equivocado sobre um assunto insiste em argumentar em defesa do mesmo, como se fosse "dono da verdade". Faz de tudo para argumentar, mesmo à mercê de cometer contradições e gafes, no esforço desesperado de ficar sempre com a palavra final sobre o referido assunto.
No caso dos "médiuns", é intensa a ginástica mental que blinda sobretudo Chico Xavier - ídolo no Facebook, reduto de forças conservadoras e reacionárias e acusado de dificultar, sob mecanismos técnicos, a divulgação de páginas de conteúdo mais progressista e voltado aos movimentos sociais - e Divaldo Franco.
Recentemente, um adepto de Divaldo Franco se infiltrou numa página dedicada aos ateus (?!) para defender, com a habitual "ginástica mental", a validade do risível título de "maior filantropo do Brasil" que a Rede Globo, através do Fantástico, deu ao "médium" baiano.
Um cálculo sobre o número de beneficiados em 63 anos da Mansão do Caminho, em torno de 163 mil, revela que o número é medíocre e não faz jus ao título dado a Divaldo, pois, só em relação a Salvador, a relação entre o número de beneficiados e os anos de existência da instituição não chega a representar 1% da população soteropolitana. Em índices nacionais, o índice se torna ainda mais ínfimo, o que desqualifica completamente o título que já rendeu tantos aplausos ao "médium".
Não é coincidência o fato de que Chico Xavier e Divaldo Franco tenham bom cartaz nas redes sociais, antros de profundo reacionarismo e hostilidade às forças progressistas. Os dois agradam ao padrão médio do internauta das redes sociais, um arrivista social que, conforme as conveniências, pode atribuir perfeição e imperfeição para si mesmo, num estado de confusão moral que o faz ser o "dono da verdade" e, ao mesmo tempo, orgulhoso de seus erros ("quem nunca errou na vida?").
Isso dá a tônica do quanto os "médiuns" sofrem em blindagem, já superando, de longe, os políticos do PSDB, que começam a sofrer seu inferno astral. A blindagem dos "médiuns" é tanta que, no mercado literário, se priorizam os livros fakes atribuídos a Humberto de Campos através de Chico Xavier, enquanto as obras originais do autor maranhense se encontram condenadas ao esquecimento.
Isso completa a situação aberrante num país cheio de aberrações que é o Brasil. No tempo de Kardec, médium era apenas um anônimo prestador de serviços, sem pretensões de intelectualismo barato e messianismo religioso. Mas, no Brasil, os ditos "médiuns" vivem do culto à personalidade, praticam Assistencialismo, fazem obras de auto-ajuda barata de igrejismo piegas, mas que são tidas como "obras filosóficas" e ainda são tidos como "símbolos de humildade e ativismo social".
Assim fica fácil. Daqui a pouco, as pessoas vão começar antes a fazer carreira com pretensas obras mediúnicas e construir supostas casas de caridade para obterem a impunidade mais absoluta. Assim, se cometerem erros graves, desses de arrancar os cabelos, a simples função de "médium" garantirá a isenção de qualquer efeito drástico de seus atos nefastos. Se a Justiça não pega tucano, muito menos se empenha em pegar um "médium".
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