sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O topo da pirâmide apodrece


A roupagem financeira, jurídica e midiática, aparentemente, tornou-se suficiente para que forças retrógradas recuperassem o poder e buscassem a retomada de antigos privilégios de maneira supostamente tranquila.

No entanto, é como embalsamar um cadáver em começo de estado de decomposição. O odor incômodo passa, o cadáver parece preservado e pronto para simbolizar sua história para a prosperidade. Mas não é assim que acontece.

No Brasil, sob a aparente "tranquilidade institucional" que cerca o governo de Michel Temer, passeatas intensas e greves acontecem contra a chamada "PEC do Teto" ou "PEC dos Gastos Públicos", um maligno projeto de congelamento de investimentos públicos permitirá ao governo dar mais dinheiro aos ricos do que aos pobres, já que os juros da dívida pública, altíssimos, não serão sequer congelados.

Nos EUA, foi só surgir a notícia da inesperada vitória eleitoral do empresário Donald Trump, ideologicamente alinhado a movimentos ultraconservadores, para eclodirem passeatas diversas. A retomada do poder da chamada plutocracia não está sendo fácil. Forçar a volta ao passado é sempre complicado.

Há surtos de movimentos reacionários e retrógrados que permitem a catarse violenta que permite até mesmo manifestações de racismo, com internautas ignorando que podem ir para a cadeia por fazer comentários maldosos sobre negros. E ainda reagem com "KKKKKK" quando são advertidos disso.

As pessoas que antes se relacionavam a antigas tendências dominantes, hoje em começo de declínio, tentam a todo custo fazer a marcha-a-ré histórica, um processo que é feito à força a ponto das elites já não mostrarem mais a compostura de antes.

No governo Temer, dá para perceber a prevalência de políticas antipopulares, prejudiciais à população, propostas, aprovadas e legitimadas politicamente, sob o respaldo de uma Justiça cada vez mais irregular e uma mídia cada vez mais mentirosa e enganadora. E ainda se fala que estamos em "impressionante normalidade institucional".

Racistas, machistas, elitistas, obscurantistas religiosos, tecnocratas, magnatas, entre outros setores sociais em que o dinheiro, a fama, a idade, a supremacia racial, o diploma e a visibilidade e o gênero são atributos de pretensa superioridade humana que começam a decair de forma surpreendente.

Sem retomar o poder e os privilégios por suas próprias qualidades, mas movidas por campanhas de ódio cego e intolerância aos avanços sociais, os setores ultraconservadores da sociedade e seus antigos privilegiados começam a mostrar seus pontos fracos diante da retomada forçada do poder, com um apetite maior do que a fome.

No machismo, além da surreal tendência de haver um maniqueísmo interno entre as "mulheres-objetos" que reagem contra as "rainhas do lar" e o pacto social que faz com que o paradigma da mulher independente e comedida fosse sempre vinculado a um marido poderoso, há o lado criminal dos feminicidas com medo de sofrer sua própria tragédia, num meio em que machistas cuidam menos da saúde e são um perigo constante no volante.

Se achando no direito de vida e morte sobre as próprias mulheres, que podem ser mortas até antes dos 30 anos, os feminicidas conjugais, vulneráveis à própria tragédia causada pelas pressões emocionais consequentes dos crimes violentos, empurram essa mesma sina com a barriga, como se observa no estranho moralismo plutocrático que pede "morte aos petistas" mas se arrepia nos nervos quando se fala que feminicidas velhos ou mesmo relativamente jovens podem falecer a qualquer momento.

É uma sociedade com moralismo seletivo, que tem uma Justiça também seletiva, como se vê na Operação Lava Jato, extremamente confusa e irregular. O gráfico de Power Point do procurador Deltan Dallagnol tornou-se uma gafe vergonhosa mas ele, protegido pelo status da profissão e por ser evangélico, escapou de maiores arranhões.

A grande mídia, cada vez mais mentirosa e caluniadora, como se observam o Jornal Nacional da Rede Globo, a revista Veja, os jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo e, mais recentemente, a revista Isto É, mostram o quanto o status empresarial, combinado com uma visibilidade midiática, estão se mostrando cada vez mais decadentes.

A grande mídia desenha um mundo fictício e força a sociedade a acreditar nesse mundo como se fosse real. Noticiando ao sabor de suas conveniências e dos interesses comerciais, a mídia plutocrática a cada vez mais está distante de seus compromissos de transmitir informação, serviço e formação de opinião com transparência, isenção e objetividade.

Se a decadência do status quo faz o alto da pirâmide estremecer, mesmo nas classes médias as famílias veem a deterioração de valores. Por conta do status etário, pais e mães complicam as vidas dos filhos, através de perspectivas viciadas, com os pais pedindo aos filhos sacrifícios descomunais para vencer na vida, como se o sacrifício tivesse mais importância que a meta a ser atingida, e as mães se comportando como bulas humanas sempre dizendo aos filhos o que se deve ou não fazer.

O próprio "espiritismo", que parece se regojizar em supor que a plutocracia cairá e ele ficará inteiro para a posteridade, também está caindo. Sem poder desmentir seu vínculo com a Teologia do Sofrimento e suas raízes fundamentadas não em Allan Kardec, mas no Catolicismo jesuítico medieval português, os "espíritas" fazem todo um malabarismo de palavras bonitas para se manterem em posse da verdade, mesmo pregando valores cada vez mais retrógrados.

Velhos moralismos, velhos pragmatismos, velhos conceitos burocráticos, tecnocráticos, midiáticos, profissionais, sociais etc estão perecendo e há um medo enorme em ver tais conceitos obsoletos ou inválidos. Existe até o medo de cancelar a pintura padronizada nos ônibus do Rio de Janeiro, hipótese necessária e urgente, mas combatida por um engodo de argumentos pretensamente técnicos e burocráticos.

É um velho mundo, sobretudo um velho Brasil, que se recusa a sair de cena. É o bolor que não quer ser removido pelo fungicida, um cadáver em estado de decomposição que, insatisfeito em ser embalsamado, quer ser considerado vivo e saudável. A forçada retomada dos setores retrógrados da sociedade pode ter tido seu relativo êxito, mas a conta será cobrada pelas circunstâncias de quem imagina que o futuro garantirá a volta dos velhos privilégios e supremacias. Só que não.

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