terça-feira, 15 de novembro de 2016

Por que a bondade se reduziu a um teatro elitista?


Por que a bondade, rebaixada a um subproduto da religião (seja que crença for, mas sempre algum movimento religioso), virou um teatro elitista? Pobres e doentes resignados e quase debiloides, sem voz e sem vez, enquanto há apelos para perdoarmos algozes, tiranos, carrascos e assassinos como se os tivesse livrando de sofrer os efeitos de seus atos?

Devemos analisar essa ideia de bondade que traz todo um exército de belas palavras e toda uma antologia de belas imagens, num discurso de beleza plena que deixa as pessoas tranquilas e felizes mas que, não obstante, revelam realidades cruéis e uma complacência com as verdadeiras injustiças morais que vivemos e nunca superamos.

A "caridade" exaltada por muitas pessoas nem de longe consegue resolver as injustiças sociais que vivemos. E é patético haver pessoas que exaltam uma atitude filantrópica por ela ser feita por ídolos religiosos bastante festejados e celebrados.

Nas redes sociais, houve o caso de um religioso que exaltou o projeto pedagógico da Mansão do Caminho, de Salvador, organizada por Divaldo Pereira Franco, considerado "maior filantropo do Brasil" sem no entanto atingir 0,1% da população da capital baiana, quanto mais em relação a todo o país.

O internauta entusiasmado, que sempre arrumava desculpas para endeusar Divaldo Franco - tão "ativista" que, diante da crise política que vive o Brasil, pediu apenas para "rezar", "solução" não muito diferente de um Silas Malafaia da vida - , parece o que o famoso compositor Osvaldo Montenegro descrevia do pescador que "amava mais a rede que o mar".

O internauta não via a quantidade de beneficiados, que se pudesse justificar o termo de "maior filantropo" para Divaldo, teria que ter sido infinitamente grande. Não valem os "beneficiados" que ouvem as palestras verborrágicas, em que Divaldo, com uma retórica retrógrada, digna dos velhos demagogos da República Velha, despeja igrejismo e insere bobagens como crianças-índigo que na verdade foi uma farsa esotérica criada por um casal dos EUA visando ganhar mais dinheiro.

A restrição da bondade a um subproduto da religião mostra o quanto a sociedade está muito, muito atrasada. E o "espiritismo" é uma das religiões mais atrasadas do mundo, porque não passa de uma reciclagem do Catolicismo medieval que insere resíduos de outras religiões só para se passar por "moderna", "futurista" e "ecumênica".

Nesse simulacro de altruísmo que é o modelo religioso de "bondade", observa-se que os assistidos nunca têm voz nem vez, são pobres e doentes tratados como se fossem animais domésticos. Selvagens domesticados, diga-se de passagem.

Por outro lado, temos que compactuar com o egoísmo alheio, servirmos aos algozes que cometem abusos contra nós, e acharmos que isso é "caridade" e "humildade". Ser humilde com o egoísmo alheio não é sinal de vitória nem superação. É sinal de inferiorização humana, de subjugação.

Essa ideologia da "caridade" que faz tantas pessoas desperdiçarem lágrimas de uma comoção movida pelas conveniências, por um discurso religioso que mais parece um conto de fadas, segue essa linha de dois pesos e duas medidas: o sofredor sofre sem reclamar, o algoz tem que ser poupado de críticas.

A Teologia do Sofrimento está muito mais presente no imaginário religioso do que se imagina. A combinação de desgraçados conformados com sua situação e algozes tranquilizados em seus abusos é vendida para a opinião pública como se fosse um "equilíbrio" para o "bem-estar moral de todos", mas é uma paz forçada que apenas põe as injustiças debaixo do tapete.

E é isso que dá um tom elitista à "bondade" exaltada pela "boa sociedade". Aquela "bondade" que, em tese, "agrada a todos". Uma "bondade" que não passa de uma subsidiária da empreitada religiosa, que não mexe nas injustiças e apenas evita os efeitos mais drásticos, e disfarça o desequilíbrio social forçando os desgraçados a aceitarem o sofrimento e evitando os algozes a sofrer o peso de seus atos. Um falso equilíbrio que nada tem da verdadeira ajuda ao próximo.

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