domingo, 13 de novembro de 2016

Bondade não é cúmplice da fraude e da mentira


O "espiritismo" tem dessas coisas. Doutrina que no Brasil deturpou o legado de Allan Kardec através da aceitação de ideias do mistificador Jean-Baptiste Roustaing, que, como um "Eduardo Cunha" da Doutrina Espírita, foi descartado como pessoa, mas suas ideias preservadas na sua essência.

Como o governo Michel Temer preservando os conceitos retrógrados propostos ou apoiados por Eduardo Cunha, mesmo sendo este abandonado pelo presidente, o "espiritismo" que nominalmente e formalmente abandonou Roustaing manteve as "pautas-bombas" do roustanguismo que tentou transformar a Doutrina Espírita num engodo igrejista ultraconservador.

Não foi preciso usar o nome de Roustaing porque a FEB resolveu dar um jeitinho, um legítimo "jeitinho brasileiro". Chamou Francisco Cândido Xavier para adaptar detalhe por detalhe da obra roustanguista para o contexto brasileiro, o que completou o trabalho de deturpação da Doutrina Espírita, ignorando os avisos de Erasto.

Erasto avisava dos perigos da desonestidade doutrinária: textos empolados, supostas mensagens de amor, ênfase nas "boas coisas", misticismo, ideias fantasiosas, discurso envolvente. Infelizmente, essas armadilhas foram aceitas pelo "movimento espírita" no Brasil e ocorrem impunemente, usurpando nomes de falecidos ilustres.

Tudo isso é permitido. "Centros espíritas" que usam os nomes de Carlos Chagas, Auta de Souza e Humberto de Campos, pastiches musicais que usam o crédito indevido de Renato Russo são gravados e lançados no YouTube, obras literárias que usam os nomes de Getúlio Vargas e outros famosos por puro sensacionalismo, pessoas anônimas que têm suas tragédias prolongadas porque um "médium" inventou uma mensagem e botou no crédito do ente querido falecido.

Tudo isso, infelizmente, é praticado livremente, como se os "espíritas" fossem os donos dos mortos. Fraudes aberrantes são feitas aqui e ali, e a Justiça não mexe um dedo contra. Para piorar, se existe algum esforço de investigação, os "espíritas" partem para a carteirada ou para o vitimismo para dizerem que "estão sendo perseguidas pelo julgamento severo dos homens da Terra".

Fica muito fácil. Imagine alguém que possui um prestígio social. Decide então inventar um romance, para vender livros, e, querendo ganhar dinheiro, usa o nome de um falecido. Enche o enredo de lições moralistas, procurando caprichar nos "ensinamentos de misericórdia e fraternidade" e, pronto. Pode-se usar levianamente o nome de um morto, mesmo que não condiga ao estilo original dele, e se o farsante possui prestígio e é formador de opinião, tudo bem.

Não há uma punição, os juízes nem investigam. E há quem ache tudo autêntico, apenas porque as obras "falam de coisas boas" e "não" poderiam ser desonestas por isso, mesmo quando são observadas distorções graves de estilo ou aspectos pessoais em relação ao que os falecidos haviam sido ou deixado em vida.

Houve uma tentativa da Justiça acolher uma fraude literária, nada menos que o caso Humberto de Campos, usurpado por Francisco Cândido Xavier, numa das piores farsas literárias que os juízes, por uma simples bobeira, deixaram passar, favorecendo o mito do anti-médium mineiro que cresceu como uma bola de neve, fazendo com que ele passasse para a posteridade com um status de "dono da verdade" e "semi-deus".

O mais aberrante, o mais deplorável e o mais preocupante é que Chico Xavier, que sempre apresentou irregularidades em suas obras atribuídas à autoria de gente morta, seduziu familiares de Humberto de Campos através de "cartas bondosas" que eram comodamente aceitas, sem um pingo de desconfiança.

Primeiro, foi a mãe de Humberto, Ana de Campos Veras, da qual Chico Xavier usou sua esperteza para explorar o ponto fraco daquela senhora, que é a saudade do filho morto. É como tirar doce das mãos de uma criança, a astúcia teve o resultado esperado, conquistando uma vítima com algumas palavrinhas doces.

Segundo, foi o antes desconfiado Humberto de Campos Filho. que havia sido um dos autores do processo judicial contra Chico e a FEB, que depois desconversou sobre as razões da petição e aceitou aos poucos o empate judicial, desistindo de continuar recorrendo das sentenças.

Chico Xavier, esperto, chamou o filho do autor maranhense para visitar um "centro espírita" de Uberaba, em 1957, e dessa forma chamou Humberto Filho, a essas alturas jornalista e produtor de TV, ligado à TV Tupi de São Paulo que já estava complacente com o anti-médium, para ver as "obras de caridade".

Segundo relatou o próprio Humberto Filho no livro Irmão X, Meu Pai, Chico o levou para ver cozinheiras fazendo sopinha num galpão sem paredes - a sopa é um símbolo de caridade paliativa defendida por muitos brasileiros - e, depois, para ver um idoso doente num aposento. O idoso estava deprimido e se comportava de maneira patética, e Chico foi só sussurrar alguma coisa para o idoso depois sorrir de maneira debiloide para o visitante.

Isso tudo foi visto como "generosidade suprema", mas a verdade é que, através de Chico Xavier e seus seguidores, como Divaldo Franco, a ideia de bondade passou a ser usada para justificar práticas nada honestas do "espiritismo" brasileiro, quando a religiosidade permite qualquer fraude ou mentira, pastiche ou mistificação.

Na exposição recente sobre a "corrupção" do ex-presidente Lula, o procurador Deltan Dallagnol havia falado que "não tinha provas, mas tinha convicção", o que diz muito do caráter seletivo, parcial e pedante dos setores da Justiça brasileira.

Pois como, num país de tratamento desigual, como o Brasil, em que o Lula que prometia progressos sociais para o país é visto como "criminoso" e Chico Xavier, usurpador dos mortos, é visto como "espírito iluminado", também "não tem provas, mas tem convicção" de que as obras "mediúnicas" seriam "autênticas".

Só que a bondade, ao ser associada a práticas irregulares e bastante duvidosas, se mostra bastante perversa, anulando o sentido de bondade como uma virtude que não contradiz a honestidade. E é analisando esse ponto delicado que os "espíritas" querem sempre evitar os avanços do raciocínio questionador, com o medo de serem desmascarados pela sua desonestidade doutrinária e suas fraudes associadas.

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