quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Espiritolicismo superestima a função de mãe


O dito "espiritismo" brasileiro superestima a função das mães e procura exagerar no vínculo que elas têm com seus filhos a ponto de tratá-las, se for o caso, como mentoras ou criadoras - não no sentido material, mas no sentido intelectual mesmo - das missões assumidas por seus filhos.

A valorização exagerada das mães se insere no moralismo espiritólico que supervaloriza as estruturas familiares, como se a instituição Família fosse um ambiente estanque, rigidamente estabelecido não como um grupo social transitório, mas como um mitológico grupo social fixo, como se os vínculos materiais se confundissem com os vínculos espirituais.

No caso da visão espiritólica relativa às mães, é como se um filho, ao realizar grandes feitos na sua vida terrena, tivesse o mérito atribuído à sua mãe. E há uma grande confusão no sentido de mãe criadora que faz com que ela seja vista como necessariamente mestra ou discípula das façanhas do seu filho.

Não é bem assim que acontece. Nem sempre mães e filhos estão unidos numa mesma missão de vida. Em muitos casos, assumem atividades diferentes e, não obstante, o zelo excessivo que muitas mães dão a seus filhos faz com que elas reprovem seus ideais, por acharem muito arriscados e perigosos para as vidas de seus rebentos.

Mesmo na vida de Jesus, sua mãe, Maria, do contrário que mitos católicos pregam - e que os espiritólicos viajam de carona - , nunca foi discípula de seu filho e não aprovava sua peregrinação. Na boa, os familiares de Jesus queriam que ele fosse um simples carpinteiro, e achavam muito arriscado que ele fosse andar por aí espalhando ideias novas para o povo da Judeia.

Falaremos disso em outra oportunidade, até por ser uma questão polêmica. Mas a verdade é que mães são apenas criadoras biológicas de seus filhos, orientando-os como lidar com o mundo em sua volta, mas não necessariamente vinculadas aos ideais de seus filhos.

Apenas quando o contexto permite, mães e filhos se vinculam num mesmo ideal. Não é sempre e isso nem pode ser visto como regra. Se, por exemplo, uma mãe é cientista e seu filho decide aprender o ofício com ela e herdar seu trabalho, esse vínculo existe, sim.

Ou então vamos exemplificar o caso da música brasileira. Elis Regina e Maria Rita Mariano podem ser vinculadas entre si, porque o contexto permitiu que Maria Rita se espelhasse na mãe e aprendesse com sua experiência - apesar do curto convívio - , por isso Elis Regina pode ser associada à carreira da filha.

Num outro aspecto, porém, nem sempre isso acontece. Dona Canô Veloso não é responsável pela vocação artística do filho Caetano Veloso, a bagagem cultural vastíssima que o cantor e compositor baiano tem foi iniciativa puramente individual, o gênio do filho não é obra da mãe, mas da mente personalizada do próprio filho.

Aí é que está o erro do Espiritolicismo, o "espiritismo" brasileiro da FEB. A doutrina quer atribuir à obra das mães o gênio e as missões dos filhos. As mães viram mentoras e, no caso de perderem seus filhos, herdeiras de seus gênios, como se a inteligência dos filhos não fosse um dom próprio deles, mas uma "façanha" descoberta pelas mães e por elas "patenteada" por "nosso espiritismo".

Mesmo quando no caso de artistas falecidos os direitos autorais passem a pertencer às mães, nem por isso se deve supor o vínculo absoluto, porque, muitas vezes, essa responsabilidade se dá por questões afetivas e de proteção moral das obras dos filhos, mediante atos abusivos à propriedade intelectual. Ainda assim, as mães não podem ser vistas como "co-autoras" das obras dos filhos.

Em que pese o carinho, a cumplicidade, a troca de ensinamentos e afeições entre mães e filhos, tratam-se de pessoas diferentes e, num certo sentido, independentes. Os filhos frequentemente tendem a seguir um caminho que nada tem a ver com o que suas mães esperam, estejam elas concordando ou não com isso.

Com o vínculo exagerado que o "espiritismo" faz com mães e filhos, a doutrina tenta criar um novo cordão umbilical para prendê-los, na medida em que constantemente associam o gênio de seus filhos às mães, como se tudo que os filhos fizessem tivesse a patente de suas genitoras.

A atitude espiritólica, portanto, renega a individualidade de seus filhos e, mesmo quando o exagero é feito para "valorizar" a função das mães na formação de seus filhos, menosprezar o verdadeiro sentido social da relação entre mães e filhos.

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