sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Brasil tem ideia antiquada do que é bondade


Há uma ideia bastante equivocada e muito antiquada do que é bondade no Brasil. As pessoas veem a bondade dentro de uma concepção bastante restritiva, ao mesmo tempo materialista, institucionalista e, de certa forma, moralista.

Essa ideia consiste em ver a bondade como um subproduto de alguma religião. Embora as pessoas tentem fazer malabarismos discursivos dizendo que "não é bem assim" e fingir admitir que a bondade "está acima de qualquer religião", a forma como veem a bondade acaba se mostrando, sim, restrita ao "cativeiro" da fé religiosa.

Dentro do contexto da retomada ultraconservadora da sociedade brasileira, as pessoas imaginam ser possível a bondade subordinada a uma estrutura religiosa. Sem aquelas políticas progressistas e ousadas que promoviam justiça social e representavam limites aos abusos econômicos das elites, a retomada conservadora cria a utopia de que a bondade "mais eficaz" é aquela que resolve a pobreza de maneira parcial, sem abalar as estruturas da sociedade vigente.

Aparentemente, é uma medida recomendada por não representar conflitos. Os mais ricos continuam abusando de seu poder econômico, mas só minimizam, ainda que de maneira inexpressiva, seus abusos, através de projetos supostamente filantrópicos.

Estas iniciativas podem parecer que vão além da simples esmola, porque muitas dessas medidas parecem "concretas" e "voltadas ao pleno benefício humano". Mas são caridades paliativas, mesmo sendo projetos de Educação e ensino profissional, e elas nem de longe representam um limite para o sistema de desigualdades em que vivemos.

A caridade paliativa ainda será profundamente questionada. Afinal, ela é uma medida que deixa muita gente fascinada, encantada, mas é como toda fantasia de contos de fadas. As pessoas adultas, ultimamente, estão mostrando neuroses e vícios trazidos da infância e nunca devidamente resolvidos, e é na religião que se observa o apego doentio a fantasias infantis que se repetem como farsa.

É o entretenimento um tanto fútil das "lindas estórias", que fez a fama de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, mas se observa também em outros casos ligados ao Catolicismo, aos movimentos evangélicos ou mesmo no contexto "laico" da autoajuda. É a busca doentia do conto de fadas perdido, um vício mal resolvido de sempre ouvir narrativas que misturem sofrimento, sonho e realização. É uma diversão que movimenta o marketing da superação, de valor duvidoso.

Da mesma forma, vemos na ideia dominante de bondade arremedos da lembrança infantil: a tutela paternal ou maternal observada nas "casas de caridade", uma ideia de casa (a "casa de caridade", seja de que crença for), de sistema de valores ("religião") e de uma figura paternal/maternal ("ídolo religioso") que compõem uma concepção que estabelece supremacia na ideia que muitos têm sobre o que é bondade.

Por isso é que, diante desse saudosismo infantil, que não traz de volta os cuidados das mães e as proteções dos pais e nem a pedagogia dos contos infantis, as pessoas tendem a acreditar na ilusão de uma "bondade" materializada, composta de estrutura física, ideológica e hierárquica. A bondade deixa de ser uma qualidade espontânea, embora o discurso a considere como tal, para ser um subproduto da "religião" ou de instituição equivalente.

E é essa "bondade" que se torna cúmplice de irregularidades religiosas. No caso do "espiritismo", ela garante a blindagem dos deturpadores Chico Xavier e Divaldo Franco. Basta denunciar uma irregularidade sequer e, pronto, aparecem imagens de crianças pobres tomando sopinha e velhos doentes deitados na cama para tentar calar qualquer questionamento.

A "bondade" acaba servindo para a carteirada religiosa e isso não é bom. As ideias de "amor" e "caridade" tornam-se "parceiras" da irregularidade, da mistificação, por causa das concepções restritivas de tais virtudes. A "bondade" é vista por muitos incautos como algo que prevalece até mesmo à lógica, à ética e ao bom-senso, mas isso cria um prejuízo que faz com que, na verdade, a "bondade" seja sempre rebaixada ao "cativeiro" da fé religiosa.

Daí que, contraditoriamente, as pessoas estabelecem uma concepção antiquada e contraditória de "bondade", uma qualidade que elas julgam estar acima de tudo, mas que na prática está abaixo da roupagem religiosa, o que permite que esta qualidade consinta com as irregularidades e as práticas desonestas que se ocorre sob o manto da religião. Qualquer denúncia é só mostrar crianças pobres e velhinhos doentes. Infelizmente, a carteirada religiosa dá sempre certo no Brasil.

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